04 Dezembro 2018
Para a filósofa Chantal Mouffe, inspiradora da França Insubmissa, Macron encarna o estado máximo da pós-política neoliberal: é por isso que a oposição só pode vir das ruas.
A entrevista é de Simon Blin, publicada por Libération, 03-12-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O movimento dos coletes amarelos é um populismo?
Vivemos claramente uma situação populista. Por populista, se entende o estabelecimento de uma fronteira política entre aqueles “de baixo”, “nós”, o povo, e aqueles “de cima”, a “casta”. Essa construção de uma nova fronteira é o resultado da emergência de toda uma série de resistências há trinta anos de hegemonia neoliberal que instaurou uma pós-democracia. Essa pós-democracia se caracteriza pela crise da representação política e a crise do sistema econômico neoliberal. Primeiramente, os cidadãos sentem que não têm escolha real entre diferentes ofertas políticas, eles não distinguem mais a centro-direita da centro-esquerda. E discutem o porquê de votarem. Esse é um movimento de fundo comum à toda Europa ocidental. Isso é o que chamamos “ilusão do consenso”; os indivíduos se sentem que são esquecidos e querem ser escutados. Um dos slogans dos “Indignados” na Espanha era: “Nós temos um voto, mas nós não temos voz”. É uma reação à "oligarquização" da sociedade caracterizada pela explosão das desigualdades econômicas entre um grupo de super-ricos e a classe média.
Por que os coletes amarelos focam sobre Macron?
Esse movimento não pode ter solução a longo prazo sem uma profunda transformação. Ou, a política de Emmanuel Macron tenta reforçar a política neoliberal que engendrou essa contestação atual. Ele considera que o problema da França é de não ter ido suficientemente longe nas reformas, principalmente no questionamento do Estado de bem-estar social, alinhada à direita da política de “terceira via” iniciada por Tony Blair na Inglaterra.
Macron é um estado máximo dessa “pós-política”. Não somente, ele é um presidente mal-eleito. No entanto, ele conseguiu neutralizar a Assembleia, vencendo uma maioria esmagadora de deputados, tornando o trabalho de seus membros obsoleto. De fato, o que resta agora é a rua como opositora política do governo.
Em que tipo de movimento político os coletes amarelos podem se encaixar?
Essa forma antipolítica pode ser articulada na direção de um populismo de direita ou de um populismo de esquerda. Eu ouso acreditar que a virada atual dos eventos abre as perspectivas para um movimento político populista de esquerda. O fato que os coletivos antirracistas como o Comitê Adama e o Comitê Rosa-Parks misturaram-se aos manifestantes da França periurbana nesse sábado vai para essa direção. Isso mostra que há uma junção entre uma França rural, que iniciou o movimento, e os bairros populares. Eles entenderam que têm interesses em comum. Toda a questão é saber como essas reivindicações vão ser articuladas.
O que falta para que esses primórdios insurrecionais se materializem politicamente?
Isso diz a respeito a François Ruffin, que tenta combinar a pequena burguesia intelectual, as pessoas de Nuit Debout, aos coletes amarelos, numa análise suscinta. Se esses dois componentes falharem em articular demandas feministas, antirracistas e trabalhistas, as possibilidades de construir politicamente um povo de esquerda serão muito limitadas.
Os coletes amarelos devem se organizar autônomos de um líder?
Não necessariamente. Mesmo que sim, me parece, um chefe, pelos menos simbólico, pode vir a cristalizar os afetos que se exprimem pela raiva social. Será que já vimos um movimento político importante sem líderes? É um papel que possibilita mobilizar as paixões coletivas. Porque o movimento dos coletes amarelos relembra que combinar emoções na política é importante. Isso que os tecnocratas esqueceram totalmente.
Podemos compará-los ao Movimento Cinco Estrelas na Itália?
A característica nebulosa e horizontal do movimento contra um adversário como Macron relembra as origens do Movimento Cinco Estrelas. Como eles, ele não é nem de direita, nem de esquerda, e carrega no momento uma forma heterogênea e antipolítica. Esse é uma rejeição a todos que tem a ver com partidos políticos ou que representam o establishment. Se os coletes amarelos não encontrarem uma forma política institucional, eles não se tornarão perigosos. Isso é o que passou com o Cinco Estrelas. Desde que entraram no governo, eles adotaram uma postura direitista. Esse é um problema que os coletes amarelos vão enfrentar caso perdurem.
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Coletes amarelos: "Uma reação à explosão das desigualdades entre os super-ricos e as classes médias". Entrevista com Chantal Mouffe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU