10 Novembro 2018
Ocorreu a Macron dizer que Pétain “foi um grande soldado” durante a Primeira Guerra Mundial e tomou “decisões funestas” na Segunda. Nas homenagens aos marechais, o nome de Philippe Pétain, por fim, não estará presente.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 09-11-2018. A tradução é de André Langer.
A história pode ser uma salvação ou uma condenação. O presidente francês, Emmanuel Macron, caiu na armadilha da sombria história da Segunda Guerra Mundial que ainda persiste como uma ferida aberta. Intencional ou acidentalmente, o presidente deslizou pela encosta traumática em cujo fundo encontra-se uma das figuras mais controversas do século XX francês: o notório colaboracionista Marechal Pétain, que foi condenado à morte como “indigno” em 1945 por ter colaborado ativamente com o nazismo que ocupou a França naqueles anos. Ele salvou sua vida pela graça presidencial concedida pelo General De Gaulle.
Ocorreu a Macron dizer que Pétain, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) “foi um grande soldado, o que é uma realidade. Assim como a natureza humana, a vida política é muitas vezes mais complexa do que gostaríamos de acreditar”. Assim, enquanto Macron fazia um giro pelos lugares mais emblemáticos da Primeira Guerra Mundial no contexto das comemorações do Armistício de 1918, o presidente parece que quis separar as duas facetas do marechal: “Pode ter sido um grande soldado na Primeira Guerra Mundial e ter tomado decisões funestas na Segunda”, disse.
O problema é que entre o soldado da Primeira Guerra, particularmente na batalha de Verdún, e o aliado dos nazistas exterminadores da Segunda há um abismo de realidades indissociáveis. Uma delas é o chamado Holocausto, Auschwitz, dezenas de milhões de mortes e um regime, o de Vichy, à cuja frente estava Pétain, que emprestou sua mão para o ato de barbárie mais inapagável e injustificável da história europeia do século XX.
A bomba da polêmica explodiu imediatamente após essas declarações do presidente, embora quando foi divulgado o programa de comemorações no qual se previa uma homenagem aos marechais da chamada Grande Guerra, entre os quais estava Pétain, alguns analistas destacaram o caráter inoportuno desta iniciativa. Antes mesmo das declarações de Macron, o jornalista especializado em temas militares Jean-Dominique Merchet revelou que o palácio presidencial não queria essa cerimônia. Merchet chegou a citar uma fonte da presidência dizendo que “no caso de se prestar uma homenagem a Pétain vamos ter polêmicas com a França Insubmissa (esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon) ou a comunidade judaica”.
Além disso, o portal de informações Mediapart adiantou que essas homenagens aos marechais marcadas para o dia 11 de novembro e, em seguida, antecipadas para o dia 10, eram um desejo do Estado-Maior francês e que o nome de Pétain se “escorregou” sem que o presidente desse o seu aval. Depois de algumas idas e vindas, a presidência fez saber que Macron não participaria desse ato e que a homenagem se limitaria apenas aos marechais enterrados em Les Invalides (Foch, Lyautey, Franchet d'Esperey, Maunoury e Fayolle).
No entanto, a frase de Macron causou mais estragos do que sua presença nessas cerimônias comemorativas. Talvez para encerrar a onda de boatos e especulações o chefe de Estado se meteu no labirinto do Pétain da Primeira e o colaboracionista da Segunda. Não entrar nessa controvérsia lhe teria permitido tirar muito proveito do principal dia de comemorações, ou seja, o mesmo dia 11 de novembro, quando se celebra o centésimo aniversário do Armistício, com a presença, entre outros, do presidente estadunidense, Donald Trump, e o da Rússia, Vladimir Putin.
Conforme se previa, a França Insubmissa e o conselho representativo das instituições judaicas da França (CRIF) saíram para escalpelar o presidente. “Pétain é inelegível para qualquer homenagem”, disse Francis Kalifat, presidente do CRIF. Quanto a Macron e sua equipe, ambos encenaram a metodologia tão na moda que consiste em culpar o mensageiro e não o autor da mensagem; ou seja, a imprensa. Primeiro, o porta-voz do governo chegou a dizer que a homenagem era “legítima” para mais tarde esclarecer que “nunca se procurou prestar uma homenagem a Pétain. Se houve uma confusão, é porque não éramos suficientemente claros”. Mais tarde, o presidente se explicou responsabilizando a mídia, a quem acusou de “criar polêmicas sozinha”.
O Marechal Pétain é uma figura bifronte. Herói em uma guerra, monstro maiúsculo na outra. Ele é considerado, além disso, um traidor, porque com sua aura do conflito de 14 a 18, enganou o seu povo na Segunda Guerra Mundial. Qualquer menção elogiosa à sua trajetória é interpretada “como uma reivindicação do regime de Vichy”, assegura no semanário Le Nouvel Observateur a historiadora, biógrafa de Pétain e especialista na Segunda Guerra Mundial Bénédicte Vergez-Chaignon.
Na realidade, é legítimo lembrar que esta exaltada polêmica não faz de Emmanuel Macron o único presidente francês que separa as duas fases de Pétain. Jacques Chirac (1995-2007) reconheceu várias vezes o papel decisivo de Pétain durante a Primeira Guerra Mundial, reconhecendo seus méritos no conflito que abalou a Europa entre 1914 e 1918: “continuará sendo o homem de Verdún” (a batalha decisiva contra os alemães, onde a França demonstrou que não se curvaria ao invasor), disse Chirac.
Nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, o General De Gaulle também destilou alguns elogios ao personagem, apesar de ter sido seu principal inimigo durante o conflito. E o próprio presidente socialista François Mitterrand (1981-1995) costumava mandar a cada 11 de novembro um buquê de flores para o túmulo. Mitterrand tinha um passado oculto que o ligava ao regime colaboracionista de Vichy: foi funcionário de Pétain e até recebeu uma medalha ao mérito.
Já longe no tempo, dependendo se ele é um herói ou um traidor, o Marechal continua a sacudir o presente de dentro do seu túmulo.
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Macron caiu na armadilha da história - Instituto Humanitas Unisinos - IHU