22 Julho 2014
O Papa Bento XV era o arcebispo de Bologna, Itália, em junho de 1914 quando tiros de pistola por um nacionalista sérvio, em Sarajevo, mataram o arquiduque austríaco Franz Ferdinand e sua esposa, Sophie, o que teve consequências em todo o mundo.
A reportagem é de Terry Philpot, publicada por National Catholic Reporter, 19-07-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No dia 20 de agosto de 1914, com a Primeira Guerra Mundial não tendo nem um mês de desde o seu início, o Papa Pio X morreu, e em 3 de setembro de 1914 Bento XV foi eleito papa, apenas quatro meses depois de ter se tornado cardeal. Coroado em 6 de setembro de 1914, possuía a experiência diplomática que o conclave queria. Os primeiros quatro anos de seu papado, que durou 7 anos e meio, seriam consumidos por tentativas infrutíferas de parar uma guerra que ele condenou como “o suicídio da Europa civilizada”.
Nascido Giacomo della Chiesa, em Genova, no ano de 1854, sendo o sexto filho de uma família patrícia antiga porém pobre, Bento ordenou-se em 1878, passou grande parte de sua vida atuando no serviço diplomático do Vaticano e se tornou subsecretário de Estado em 1901. Em 1907, tornou-se arcebispo de Bologna.
Como arcebispo, della Chiesa falou sobre a necessidade de a Igreja ser neutra, de promover a paz e de aliviar o sofrimento, mas este seu papel de construtor da paz e conciliador se deparou com vários obstáculos que antecederam a guerra. O conflito (“a questão romana”) entre o Estado italiano e a Igreja, que existia desde 1870, não se resolvia. A indiferença entre o Vaticano e a Rússia resultou das tensões com a Igreja Ortodoxa, ao mesmo tempo em que a unificação da Alemanha, em 1870, tornou este país uma potência protestante dominante na Europa à custa da Áustria católica e, portanto, diminuindo a influência da Santa Sé.
A “Kulturkampf”, movimento anticlerical alemão, entre outras coisas baniu as ordens religiosas, proibiu os subsídios estatais que a Igreja tinha, removeu os professores de religião das escolas, prendeu o clero e, quando a formação dos padres foi ficou a cargo do Estado, metade dos seminários fechou as portas.
Na França, a Igreja vinha perdendo suas propriedades desde a separação entre ela e o Estado, em 1905.
Em novembro de 1914, Bento XV publicou a primeira de suas doze encíclicas: “Ad Beatissimi Apostolorum”. As nações maiores e mais ricas, disse ele, estão “bem equipadas com as mais terríveis armas que a ciência militar moderna havia inventado e se esforçam para destruir umas às outras com requintes de horror”.
E continuou: “Não há limite para a medida da ruína e do abate; diariamente a terra fica marcada com o sangue recém-derramado e coberta com os corpos de mortos e feridos”.
A negligência de preceitos e práticas da sabedoria cristã, em particular os que dizem sobre o amor e a compaixão, estava nas origens do mal, e Bento XV repetia a exortação de Cristo: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros”. Bento XV condenou o nacionalismo, o racismo e o conflito de classes como características da época. Viu as origens da guerra no “desprezo pela autoridade, na injustiça presente nas relações entre as classes, na obtenção de bens materiais como sendo o único objetivo da atividade humana e na luta desenfreada após a independência”.
No dia 7 de dezembro de 1914, Bento apelou às potências beligerantes para realizarem uma trégua de Natal, pedindo que “as armas se silenciassem ao menos na noite em que os anjos cantam” a fim de permitir negociações para uma paz honrosa. O apelo foi oficialmente ignorado, mas houve tréguas informais, casuais e não autorizadas em frontes ocidentais.
Bento XV precisou realizar um ato cuidadoso de equilíbrio: existiam fiéis em grande número – às vezes eram a maioria – entre os países beligerantes e precisava evitar não indispor nenhum deles. Se assim o fizesse, acabaria realizando um racha na Igreja universal. Essa não foi tarefa fácil quando, por exemplo, a hierarquia italiana apoiou, enfaticamente, a guerra e tornou públicos pronunciamentos patrióticos, fazendo com que os católicos italianos se juntassem à bandeira de luta do país.
Mas o papa também acreditava na ação. Abriu um escritório no Vaticano para reunir prisioneiros de guerra e suas famílias, e tentou persuadir a Suíça, país neutro, a resgatar qualquer combatente que estivesse sofrendo de tuberculose. Embora o saldo bancário do Vaticano não fosse dos melhores, o pontífice empregou 82 milhões de liras nas obras de assistência.
Em julho de 1915, Bento publicou a exortação apostólica “Aos povos hoje em guerra e a seus governantes”. Este documento marcou uma mudança na diplomacia ativa que culminou, dois anos mais tarde, com o plano de sete pontos apresentado às partes em guerra no mês de agosto de 1917. Bento explicou que a sua neutralidade era “apropriada para ele, que é o pai em comum e que ama a todos os seus filhos com igual afeição”.
A proposta de paz continha muitas proposições presentes na exortação de 1915. Relacionava a paz com a justiça antes do que a uma conquista militar; trazia um pedido para se cessar as hostilidades, uma redução dos armamentos, garantia de liberdade dos mares, arbitragem internacional e por uma Bélgica restaurada, independente e segura “contra quaisquer potências”.
Bento XV disse que ambos os lados deveriam renunciar reivindicações de compensação, que mais tarde se mostrariam um desastre à parte do Tratado de Versalhes. Mas na medida em que a maioria dos danos ocorridos em lugares como Bélgica e França eram causados pela Alemanha, os Aliados interpretaram a ideia como se o plano estivesse favorecendo, de forma efetiva, o principal inimigo. Apenas a Inglaterra não se opôs imediatamente ao proposto pelo papa e desejava explorar as possibilidades que o documento trazia. O interesse inicial da Alemanha se perdeu quando a queda da Rússia fez a vitória dos Aliados mais provável. O presidente francês Georges Clemenceau interpretou as propostas como evidências de que o Vaticano estava contra a França. (O clero até mesmo falou sobre o “Papa Boche”.)
O presidente americano Woodrow Wilson declarou que a paz era impossível e tomou as propostas como nada mais do que um retorno aos arranjos pré-guerra sem abordar a situação que levou até ela. No entanto, em janeiro de 1918 conservou muitas das ideias de Bento XV em seus “Catorze Pontos” para moldar uma paz pós-guerra.
Quinze meses depois da proposta de paz, Bento não tinha mais lugar em Versalhes, já que um tratado secreto feito pelos Aliados em 1915 (solicitado pela Itália, uma vez que a questão romana continuava sem solução) tinha concordado com a exclusão do Vaticano.
Na encíclica “Quod Iam Diu”, publicada em 1º de dezembro de 1918, três semanas depois do armistício, Bento pediu a todos os católicos que rezassem pela paz e por aqueles que se ocupavam com as negociações de paz. No entanto, ressaltou que a verdadeira paz não tinha chegado, mas que somente foram suspensas as hostilidades, o abate e a devastação.
Bento foi um dos primeiros a reconhecer as falhas deste processo de paz. Ele achava que o Tratado de Versalhes seria “vingativo”. A encíclica de 1920 “Pacem, Dei Munus Pulcherrimum” buscou construir uma reconciliação internacional. Nem o tratado de paz nem a Liga das Nações, da qual a Santa Fé também fora excluída, se baseavam em princípios cristãos.
Bento percebeu que com o caos e a mudança dramática surgidas das cinzas da Europa devastada – a queda de impérios, a criação de novos Estados, a apropriação da Rússia pelo comunismo –, tornou-se necessário assegurar um lugar para a Igreja. Buscou estabelecer boas relações entre a Igreja e o Estado no novo mundo que surgia a partir do conflito – a sua última alocução em 1921 manifestou a necessidade de concordatas junto às novas potências. O prefeito da Biblioteca do Vaticano, Achille Ratti, mais tarde Papa Pio XI, foi à Polônia e à Lituânia como visitante apostólico, e Eugenio Pacelli, mais tarde Papa Pio XII, serviu como núncio na Alemanha.
Quando Bento XV ascendeu ao trono papal, havia 14 núncios; quando morreu, havia 27. Ele desfez uma separação que durava 16 anos com a França nomeando um embaixador extraordinário, e a relação se fortaleceu ainda mais pela canonização de Joana D’Arc em 1920.
Na crença de que a Revolução Russa poderia ser uma oportunidade de união com as igrejas orientais, em 1917 criou a Congregação para as Igrejas Orientais e, em 1920, estabeleceu o Pontifício Instituto Oriental.
O Papa Bento XV ficou conhecido como o “papa das missões” e, muito antes de se tornar uma norma, ele pedia às organizações missionárias para incentivarem a formação de padres nativos e buscarem o bem-estar daqueles com quem trabalhavam, e não os interesses imperialistas dos países dos quais os missionários vinham.
Em dezembro de 1919, Bento apoiou a organização não governamental Save the Children Fund, criada oito meses antes para combater a fome das crianças na Alemanha e no que antes era o império austro-húngaro. Bento declarou o dia 28 de dezembro como o Dia dos Santos Inocentes, quando se deveria fazer coletas para as doações.
Sob Pio X a diplomacia vaticana tinha adoecido, o que não seria de se surpreender dadas as pobres relações do Vaticano com a França, Alemanha, com o Estado italiano e outros. No entanto, Bento, com a ajuda de seu secretário de Estado, o cardeal Pietro Gasparri, a reviveu; juto com o fim do isolamento da Santa Sé, os dois criaram as bases e o perfil para o trabalho internacional dos seus sucessores.
Enquanto trabalhava pela harmonia internacional após a guerra, Bento provou ser um reconciliador em seu próprio país e na Igreja. Aprovou a criação do Partido Popular Católico, pelo que aboliu o decreto de Pio IX de 1868 – “Non expedit” – que proibia que italianos votassem ou se candidatassem nas eleições (o decreto fora modificado por Pio X).
Bento incentivou seus fiéis a se filiarem aos sindicatos e permitiu que chefes católicos de Estado, em visitas oficiais, fossem ao Palácio do Quirinal, que certa vez foi a residência papal mas que, na época, era a casa oficial do rei.
Dois anos antes da morte inesperada de Bento XV causada por uma pneumonia em 1922 aos 67 anos, os turcos muçulmanos ergueram uma estátua dele em Istambul para celebrar “o grande papa da tragédia mundial (...), o benfeitor de todas as pessoas, independentemente de nacionalidade ou religião”. Em sua morte, bandeiras foram hasteadas a meio mastro nos prédios do governo italiano pela primeira vez por ocasião da morte de um papa desde o estabelecimento do Reino da Itália.
Bento XV foi chamado de “o papa da paz”. No título da biografia escrita por John F. Pollard, ele é o “papa desconhecido”. No ano que marca o centenário do início da Primeira Guerra Mundial, os milhões de mortos serão lembrados, as quedas de dinastias serão debatidas e as consequências do conflito serão pensadas. Este tempo deveria ser também um momento em que os esforços heroicos de Bento XV encontrem um verdadeiro reconhecimento.
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Bento XV, Papa durante a Primeira Guerra Mundial, e a busca pela paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU