14 Setembro 2018
O pontificado do Papa Francisco levou a uma virada na orientação pastoral da Igreja católica. Nas décadas anteriores, o empenho dos pontífices era orientado principalmente para a reconquista do mundo através da nova evangelização e da defesa da visão cristã da realidade como a única plenamente autêntica.
O artigo é de Massimo Nardello, teólogo italiano, com doutorado em teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, membro da direção da Associação Italiana Teológica e senior fellow da Martin Marty Center da Divinity School da Università di Chicago, publicado por Settimana News, 12-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A principal tarefa da Igreja era mediar a salvação cristológica para o benefício de uma humanidade que, embora intrinsecamente boa por ter sido criada por Deus, também era marcada pelo pecado e escrava de dinâmicas contrárias ao projeto divino.
Era necessário, igualmente, contrapor-se com ênfase a uma determinada maneira de usar a razão, típico de determinada cultura iluminista, para a qual é possível dar um significado à existência humana independentemente de qualquer referência religiosa.
Era necessário contrapor-se ao distanciamento do mundo civil do conhecimento teológico, agora relegado para o âmbito confessional ou ate mesmo privado, para o benefício de um conhecimento baseado unicamente no uso autossuficiente da razão.
O Papa Francisco, por sua vez, parece identificar o maior perigo do nosso tempo no extremo poder da economia, ou seja, um modelo econômico capitalista que acaba criando graves situações de desigualdade e pobreza, e submeter ao seu controle todos os âmbitos da vida social, desde a política até a cultura, desde a tecnologia até a proteção ambiental.
A atenção do papa Francisco para o tema da pobreza, em suma, não é simplesmente o resultado de sua fidelidade ao Evangelho, algo que também os papas anteriores perseguiram com igual dedicação, mas é o resultado de uma avaliação diferente das prioridades pastorais que a Igreja deve assumir para ajudar o mundo contemporâneo a caminhar em direção ao reino de Deus. Em suma, uma avaliação diferente da doença, à qual corresponde uma diferente terapia.
Diante dessa mudança epocal, questiona-se qual pode ser o papel da teologia especializada.
Quando o "inimigo" a combater era o racionalismo do molde iluminista, o teólogo podia retirar da gaveta uma série comprovada de argumentações para mostrar, de um lado, a insuficiência de um uso autorreferencial da razão humana e, pelo outro, a congruência do pensamento cristão com as instâncias antropológicas mais autênticas. Porém, quando se trata de colocar em discussão um determinado modelo econômico, a sua hegemonia invasiva e as consequências que isso determina a nível global, a teologia, pelo menos aquela sistemática e fundamental, está em maior dificuldade.
Não há necessidade de sofisticadas argumentações teológicas para mostrar como a visão cristã promova uma distribuição equitativa da riqueza, mesmo reconhecendo o valor da propriedade privada como funcional para o seu uso, e como uma sociedade que não queira entrar em colapso deva impor regras éticas para mundo das finanças e da economia que sejam funcionais para o bem de todos os indivíduos. Além disso, essas conclusões podem ser entendidas e compartilhadas até mesmo por aqueles que não são cristãos, mas que usam sua razão de uma maneira esclarecida para entender o que é bom.
Tudo isso corre o risco de marginalizar ainda mais a reflexão teológica especializada, ou seja, aquela que vai além da formação básica e dos ministros ordenados. Na verdade, poderia afirmar-se a ideia de que o quadro teórico que fundamenta a orientação pastoral renovada da Igreja católica esteja agora amplamente esclarecido, que não sirvam aprofundamentos adicionais, e que agora seja a hora de investir todas as energias disponíveis na ação.
Esta orientação penalizaria ainda mais a pesquisa teológica que em nosso país, há alguns anos, não usufrui mais do respeito e daquele reconhecimento eclesial que a tinha caracterizado no período imediato pós-conciliar.
Para evitar esses resultados, a teologia deve corajosamente repensar seu papel dentro da orientação pastoral que o Papa Francisco projetou para a Igreja católica.
Talvez a contribuição mais significativa de pesquisa teológica poderia ser aquela de extrair da tradição cristã uma nova antropologia, isto é, uma visão original do ser humano que expresse o excedente da revelação cristã, e que, portanto, não seja um rascunho do que já emergiu nas perspectivas filosóficas atuais, mas que, ao mesmo tempo, tenha as características necessárias para serem consideradas no debate público.
Em caso contrário, não serviria para ajudar o mundo a caminhar em direção ao reino de Deus, mas continuaria a ser um instrumento puramente intra-eclesial.
Dessa forma, a teologia poderia ajudar as pessoas a pensar em si mesmas de forma diferente, especialmente a questionar sua autonomia autorreferencial e a pensar em si mesmas de forma radical em relação aos outros e ao mundo.
Obviamente, essa tarefa exige longos tempos porque é muito complexa. Os teólogos, no entanto, sabem muito bem que eles não podem renunciar a enfrentar questões mais amplas que são de importância crucial, para que não só a Igreja, mas todo o mundo, possa realmente caminhar para o reino de Deus. A verdadeira dificuldade desse projeto é que, se o estudo da tradição cristã sobre o tema antropológico há tempo faz parte da reflexão teológica, esta não está mais acostumada a procurar um novo horizonte intelectual, ou seja, uma nova metafísica, entendida não necessariamente como ontologia, mas genericamente como compreensão global da realidade.
Ainda assim, não é mais possível limitar-se a reconstruir de forma detalhada o que foi afirmado pelos grandes autores do passado, mas é preciso aprender a "pensar diversamente", ou seja, perseguir corajosamente novas aquisições.
Ao mesmo tempo, no entanto, essas aquisições deveriam poder ser examinadas no debate cultural civil, aceitando as regras democráticas e usando argumentações que possam ser discutidos nesse contexto.
A impressão é que, especialmente em nosso país, a pesquisa teológica esteja em dificuldade, tanto na busca de novas compreensões da realidade inspiradas na tradição cristã, como em inserir-se dentro do âmbito público. Essas dificuldades, no entanto, não podem se tornar razões adicionais para considerá-la não mais necessária e desmantelá-la, mas, pelo contrário, maiores motivações para dar-lhe mais confiança e permitir-lhe oferecer sua contribuição na nova orientação pastoral da Igreja.
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A teologia no tempo do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU