01 Setembro 2018
Neste mês de agosto, em que a memória de Getúlio Vargas e seu trabalhismo acabam vindo à tona, o historiador Mário Maestri aproveita a efeméride para retomar a conjuntura do Estado Novo e do segundo Governo Vargas e observar as potencialidades e limites da ideia de nacional-desenvolvimentismo. Para ele, embora seja esse um dos poucos momentos da História em que se pensa um projeto de nação para o país, o desenvolvimentismo acaba golpeado pelo contexto internacional e pelos desejos de uma burguesia nacional que assume para si a condução do projeto, subsumindo o papel do proletariado. “A burguesia vai se alinhar nas asas do imperialismo”, dispara. “As medidas que são adotadas por Getúlio Vargas ensaiam uma oposição ao conservadorismo e ao imperialismo, mas que não são aceitos e vão levar ao primeiro bote golpista de 1954”, completa.
Maestri foi o conferencista do IHU Ideias dessa quinta-feira, 30-08. Na sua fala, destaca que entre os anos de 1934 e 1937 há uma espécie de quebra do federalismo e a concepção de um outro Estado. “Esse Estado se organiza a partir do contexto da necessidade da estruturação para a industrialização”, aponta. Assim, cria-se o cenário para a consolidação de indústria nacional voltada para o mercado local e o Brasil vai deixando sua característica agropastoril para se colocar como um país das fábricas. “Há uma espécie de transferência de recursos do campo para a cidade. Mas observe como o processo de industrialização vai se dando muito mais no Rio de Janeiro e São Paulo, demarcando algumas diferenças nesse processo”, destaca.
Maestri: “As medidas que são adotadas por Getúlio Vargas ensaiam uma oposição ao conservadorismo e ao imperialismo, mas que não são aceitos e vão levar ao primeiro bote golpista de 1954”
(Foto: João Vitor Santos/IHU)
Já estamos na Era Vargas. “Nesse contexto, vai se consolidando o populismo de Vargas que vai culminar na fundação do PTB. Mas tanto PTB, por um lado, como Partido Comunista de outro lado, vão trabalhando pelo capitalismo”. Ou seja, pensa-se o desenvolvimento via trabalhismo. “Mas, mesmo assim, o trabalhador não atinge a independência ideológica”, alerta. Mas o que isso significa? Para Maestri, uma elite dominante, uma espécie de nova burguesia, vai tomando para si esse projeto nacional-desenvolvimentista e, embora aposte nesse projeto de nação, não se sente confortável com tamanha autonomia e valorização do trabalhador.
Em 1940, segundo o historiador, o desenvolvimentismo burguês entra em crise, mesma época em que Vargas é deposto do poder. “Era preciso reagir. Vargas vai pressionar, desloca algumas políticas, mas não as destrói”, aponta. É quando se passa a apostar no desenvolvimento da indústria criada a partir das ações de Vargas, com medidas que vão desde o investimento em tecnologia à expansão dos salários dos operários. “Foram medidas radicais, mas num contexto democrático, sem grandes quebras. Ou seja, era muito mais para um nacionalismo burguês”, analisa.
Embora as ações do varguismo enaltecessem o trabalhador sem desagradar a burguesia, tais medidas entram em rota de colisão com o imperialismo que, após a Segunda Guerra, se dá pela via estadunidense e não mais inglesa. Mário Maestri destaca que, embora o trabalho já goze de ganhos reais, os setores mais privilegiados com esse nacional-desenvolvimentismo eram ligados à burguesia nacional. “Só que a burguesia aceita o imperialismo e vai abandonando o projeto getulista. Com isso, vai imprimindo o caráter semicolonial ao Brasil”, pontua.
Na prática, segundo Maestri, o Brasil assume que é semicolonial, porque é uma nação independente, elegendo seus líderes, mas economicamente está preso às decisões e as lógicas do capital internacional, sem qualquer autonomia. “O projeto de desenvolvimentismo vai passando cada vez mais das mãos da classe trabalhadora para a burguesia, ainda sendo apresentado como única forma de fazê-lo acontecer”.
Vargas, apesar de promover ganhos aos trabalhadores, era conciliador com a burguesia (Foto: operario.org)
Mesmo com a volta de Vargas na década de 1950 e o avanço que promove nas medidas de Estado, o quadro não se altera muito. “O projeto avança, mas sob a hegemonia da burguesia nacional. Isso se revela até no bipartidarismo da época. E veja: o segundo Governo Vargas vai dar apenas o Ministério do Trabalho ao PTB”, reitera Maestri. Fato é que Vargas vai avançando contra as ideias mais conservadoras e, de certo modo, fazendo frente ao que o professor chama de imperialismo. “Mas isso não agrada a esse imperialismo e, como a burguesia nacional está alinhada com ele, vai se chegar ao primeiro bote golpista de 1954, quando os generais dão o ultimato a Vargas”, analisa.
Mário Maestri recorda que essa conjuntura é a que leva Vargas ao suicídio. “Aliás, acho que a palavra suicídio não procede. Parece algo desesperado, impensado. Não foi o caso. A sua morte foi um ato minuciosamente planejado”, destaca. Para o professor, Vargas poderia ter chamado a classe trabalhadora a defender seu governo. Mas não o faz porque era também um líder elitista. “Temendo mais derramamento de sangue, vai planejar o suicídio”, acrescenta.
De fato, o ato de Vargas impede a subida de militares ao poder e um grande golpe. Mas, para Maestri, os anos que se sucedem acabam sendo recheados de pequenos golpes que passam pelas eleições de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros até chegar a João Goulart e as instabilidades do seu governo. “E aí ocorre tudo aquilo que já sabemos, todas as classes dominantes apoiam o golpe”, acrescenta.
Nesse contexto de construção do grande golpe de 1964, o professor pontua que é preciso destacar a resistência que se deu no Rio Grande do Sul, do governador Leonel de Moura Brizola e seu Movimento da Legalidade. “Brizola mobiliza a população a tentar barrar o golpe com o Movimento da Legalidade. Eu morava perto do Palácio Piratini naquela época e lembro muito bem de toda aquela agitação. O Palácio tinha ordem para ser bombardeado numa ordem dos generais golpistas. Só não aconteceu porque os sargentos boicotaram essa ação”, recorda. Mas o movimento vai sofrer um golpe quando o próprio João Goulart sede e aceita negociar. “Jango aceita tudo o que os golpistas haviam pedido, inclusive abandonar o poder por um parlamentarismo”, dispara.
Maestri aproveita esse episódio da resistência da Legalidade para pensar no contexto atual. Ele critica os quadros políticos de hoje, afirmando que “não temos nenhum Brizola para promover uma resistência assim”, e se refere às tribulações que o Brasil passa a enfrentar depois da deposição de Dilma Rousseff do governo. Sem fazer uma defesa indiscriminada do PT no governo, ele aponta que o país entrou numa onda de retrocessos desde a subida de Michel Temer ao poder, vide a reforma trabalhista e a emenda que congela os gastos públicos. “O exemplo mais trágico que há é o do Lula. Ele vai para o sindicato, reúne os trabalhadores lá e acaba se entregando dizendo que acredita na Justiça. Ora, ou é inocente ou é hipócrita”, aponta.
Para o professor, o país ainda vive o desafio de “desaninhar” essa ideia de desenvolvimentismo atrelado a lógicas imperialistas. “Depois da Ditadura Militar, nenhum governo assumiu o nacional-desenvolvimentismo voltado para o mercado interno. Os militares até fizeram algo desenvolvimentista, mas foi um ‘desenvolvimentismo de coturnos’, voltado para o mercado externo, de uma forma que explora o trabalhador local”, avalia. Nem mesmo os governos petistas foram capazes de romper com essa lógica. “O PT retomou o projeto neoliberal de forma apaziguadora, de forma que sobrasse alguma coisinha para a classe trabalhadora. O resultado foi esse golpe de agora”, completa.
Para Mário Maestri, o único caminho para reverter o quadro que se vive hoje no Brasil é apostar numa transformação social através dos trabalhadores. Diferente dos recorrentes ajustes conciliatórios do passado, ele defende uma organização dos trabalhadores enquanto classe para então promoverem o que compreendem como “transformação radical da sociedade e da nação”. “É a luta entre o socialismo e a barbárie, essa nova barbárie que estamos vivendo. Se não frearmos isso, vamos transformar o Brasil num país colonial-global”, provoca.
E como provocar essa transformação? Diante do quadro eleitoral que está posto, Maestri revela pouco otimismo com as eleições de 2018. “Essa batalha já perdemos. Perdemos porque quando o quadro se alinhava para uma reação contra o golpe, o Fora Temer, o próprio PT, PC do B e até o Lula disseram que era para parar a ofensiva, pensando nas eleições. Não dá para pensar que um [Fernando] Haddad vai ganhar a eleição e que os golpistas vão entregar tudo de mão beijada para ele”, diz. Assim, o professor acredita que, indiferente do resultado das urnas, as eleições vão reforçar o que chama de golpe. “Por isso precisamos pensar adiante, na forma que o trabalhador pode se reorganizar como classe e promover as transformações. O resto é sonho, é utópico”.
Mário Maestri (Foto: João Vitor Santos)
Graduado em Ciências Históricas pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica, onde também realizou mestrado e doutorado na mesma área. Em 1991, fez o pós-doutorado na mesma universidade. Atualmente, é professor da Universidade de Passo Fundo. É autor de Uma história do Rio Grande do Sul: a ocupação do território (Passo Fundo: UPF Editora, 2006), O escravo no Rio Grande do Sul: trabalho, resistência, sociedade (Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006) e Antonio Gramsci: vida e obra de um comunista revolucionário (São Paulo: Expressão Popular, 2007), entre outros.
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O desafio de tirar o Brasil do ninho do imperialismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU