05 Janeiro 2011
Encerra-se o mandato do primeiro presidente-operário e tem início o governo da primeira mulher eleita presidente do Brasil. Além de primeira mulher, a primeira presidente que o governo antecessor, após duplo mandato, conseguiu levar ao poder em todo o período de "democracia’ em nosso país.
Este poderia ser o início de uma nova era. Nada indica, no entanto, que o será. E não há nenhuma grande descoberta, e muito menos a tal "visão catastrofista’, nesta constatação. Ela é nada mais do que realista, respaldada em pelo menos duas situações relevantes.
Em primeiro lugar, respalda-se na avaliação mais profunda - aquela que vai além da citação das melhorias sociais dos últimos oito anos - dos dados estatísticos produzidos sob o governo Lula. Por último, estão aí as já notórias, recorrentes e reiteradas declarações do "andar de cima’ da equipe da presidente Dilma. Elas apontam claramente para a preocupação principal que deve rondar o governo: os índices de inflação, com a continuidade da política macroeconômica.
O atual quadro, não somente de desigualdade social, mas de deterioração patente das contas externas do país, combinada com a especialização regressiva do país exportador de commodities na divisão internacional do trabalho, não é negado nem mesmo pelos economistas mais conservadores. Não há como alterá-lo sem, no mínimo, reverter o atual modelo econômico do Brasil, de forte abertura financeira. O "acordo’ em torno ao crescimento caminha, no entanto, rumo ao clássico processo de "modernização conservadora’.
E fica uma anotação final. O novo governo, que teve como grande patrocinador o operário que em 2006 se reelegeu sob a bandeira de ácida crítica às privatizações tucanas, ordenou, como sua primeira medida do ano, estampada com alarde nas manchetes da grande mídia, a concessão à iniciativa privada da ampliação de dois dos maiores aeroportos do país.
Nosso entrevistado especial para esta primeira edição do ano é o historiador Mario Maestri. Para Maestri, a eleição de Dilma Rousseff no último pleito foi "uma enorme vitória do capital, que avançou seu projeto de reduzir as eleições a uma disputa bipartidária no interior de seu campo".
A entrevista é de Valéria Nader e publicada pelo jornal Correio da Cidadania, 04-01-2011.
Eis a entrevista.
Qual o seu balanço dos oito anos do governo de Lula?
O balanço central é a derrota econômica, social, política e ideológica dos trabalhadores, que emergem do período desorganizados e fragilizados na confiança em suas forças, programas, organizações e partidos. Derrota de grande dimensão, enquadrada por mais de vinte anos de refluxo do movimento social no mundo e no Brasil, após a vitória da maré liberal de fins dos anos 1980.
Estatísticos apontam crescimento do PIB, do emprego, dos rendimentos, dos reajustes do salário mínimo e do assistencialismo no governo Lula da Silva. Tudo isso resultaria na redução da pobreza e miséria e no crescimento da classe média. Procedem tais propostas?
O que desperta maior interesse, sociológico e político, é o consenso que tais sandices alcançam, mesmo entre segmentos sociais politizados. O que não pode ser explicado apenas pelo controle quase total da mídia, já que é explícita a precariedade quanto à saúde, moradia, educação, lazer, segurança etc. da enorme maioria da população.
Essa imensa credulidade parece dever-se em boa parte à incompletude da revolução burguesa no Brasil, realizada sem a intervenção dos oprimidos. Para enorme parcela dos segmentos médios, a população trabalhadora não é, nos fatos, gente de plena essência e direito. Consideram a situação de super-exploração e sub-cidadania em que vive como inevitável, se não necessária.
Vejamos o salário mínimo, o grande vetor de distribuição de renda, no qual o governo propõe ter feito grandes avanços: em verdade, descontado o aumento da produtividade, o concedido foi ínfimo, em valor. O salário mínimo segue sendo arbitrado, pelo governo, de forma impiedosa, radicalmente abaixo de seu valor real, para a alegria dos exploradores grandes, médios e pequenos e miséria dos trabalhadores.
Dessa forma, como avalia o processo eleitoral de 2010, que resultou na eleição de Dilma Rousseff?
Uma enorme vitória do capital, que avançou seu projeto de reduzir as eleições a uma disputa bipartidária no interior de seu campo. O capital manteve os partidos e programas dos trabalhadores fora da audiência e opções populares. Consolidou suas instituições e propostas pró-sistêmicas como únicas alternativas, com a adesão da enorme maioria das direções sindicais, populares, cidadãs.
Uma operação que não pode ser explicada apenas devido ao controle da mídia ou como produto da "crise" ou "traição" de direções. A cooptação das lideranças populares nasce também da enorme desorganização e alienação dos trabalhadores no Brasil, que realizaram escassamente sua constituição como classe para si. Entre nós, inexiste largo operariado esperando a direção revolucionária que supere a reformista.
A expressiva votação de Marina Silva permitirá constituir uma terceira via ambientalista, ou se trata de fenômeno eleitoral passageiro?
A senhora Marina Silva foi engana-bobo para o segundo turno. Sua votação foi viabilizada pela cobertura da mídia e pelas revelações sobre a ministra Erenice Guerra, do círculo próximo da senhora Dilma Rousseff. O eco-capitalismo não possui força para conformar pólo político sólido, como registra a despreocupação com ele na formação do atual governo. A verdadeira luta ambientalista é programa reprimido pelo capital.
Na formação do novo ministério, destacaram-se as exigências do PMDB por mais postos, a troca de comando no Banco Central, a saída de Amorim das Relações Exteriores, tido como progressista. Como avalia o ministério?
O ministério nasce senil, repetindo os vícios tradicionais: loteamento partidário; despreocupação com a capacidade técnica dos ministros; descaso com a opinião pública etc.
São paradigmáticos o retorno ao Ministério de Minas e Energia do advogado Édison Lobão, que explicou o mega-apagão de 2009 como motivado pelas chuvas e trovoadas, e a entronização do senhor Antônio Palocci na Casa Civil, objeto de incessantes denúncias desde o início de sua vida política institucional.
O senhor Celso Amorim apoiou a ocupação do Haiti, as pressões sobre o Paraguai, Equador, Bolívia etc. Eu o definiria como defensor de política mais autônoma, necessária aos interesses capitalistas no Brasil. Seu afastamento, a escandalosa continuidade do senhor Nélson Jobim, após alcaguetar o ministro Samuel Pinheiro Guimarães ao embaixador USA, e a designação do general Carvalho Siqueira, ex-comandante da ocupação militar do Haiti, para o Gabinete de Segurança Institucional, sugerem vontade de aproximação ao governo USA.
Manter o Meirelles, moço de recados do capital financeiro, era algemar o governo quanto a qualquer esforço real de redução da taxa de juros, único remédio para superar a valorização do real que mina a economia.
Qual a sua avaliação da conjuntura mundial e nacional, quanto à crise de 2008-2009? A economia estabilizou-se realmente, apesar dos países europeus mais fragilizados, como a Irlanda?
A população européia paga o custo do mega-financiamento do capital bancário e financeiro detonador da crise. Irlanda, Grécia, Espanha, Portugal, Inglaterra, Itália sofrem o peso de radicalização estratégica do confisco de conquistas e direitos já acelerado quando da contra-revolução neoliberal. À exceção da Grécia, a resposta operária tem sido fraca, devido à fragilidade do mundo do trabalho e à falta de política alternativa a essa neobarbarização social geral.
As políticas de austeridade − enormes cortes de salários, de investimentos, gastos sociais − minam a frágil retomada da produção no Velho Mundo. Realidade que golpeará também a Alemanha, que exporta sobretudo para a União Européia. É real o perigo de uma segunda onda recessiva, com os governos nacionais agora incapazes de financiar novas medidas anticíclicas.
Com a fragilidade econômica USA, a retomada da crise na Europa teria fortes reflexos na China, com conseqüências para a economia brasileira, dependente da exportação de commodities para o mercado oriental. Em tal cenário, os trabalhadores brasileiros perderiam, em um piscar de olhos, as migalhas obtidas no passado período de bonança.
Paulo Bernardo, ministro do Planejamento, justifica com o alegado déficit da Previdência o não aumento dos benefícios acima do mínimo. Propõe também política fiscal com despesas correntes primárias − previdência, salários do funcionalismo, assistência social etc. − crescendo menos que o PIB. Devemos esperar duras restrições aos gastos sociais?
Também no Brasil quem paga as liberalidades governamentais com o grande capital são os trabalhadores e a população. Também aqui já se iniciou a retirada das medidas anticíclicas: aumento da taxa de juro; acréscimo do depósito bancário compulsório; maior exigência para empréstimos de longo prazo; reajuste draconiano do salário mínimo etc. Certamente 2011 será ano de rigor, ainda mais que se espera que a provável expansão econômica minimize as conseqüências do aperto geral. Em 2012, haveria maior liberalidade, devido às eleições municipais.
A bancada do PT, PMDB e partidos governistas cresceu e a do PSDB e DEM encolheu. A maioria governamental facilitará um desmonte de direitos sociais ou há uma remota chance de que avancem iniciativas progressistas − reforma agrária, direitos sociais e democráticos?
A senhora Dilma Rousseff ajoelhou-lhe e pediu perdão pela passada defesa do direito de interrupção da gravidez indesejada, dos direitos dos homossexuais, do direito ao laicismo. Seu governo já está se movendo para trazer o abjeto Joseph Ratzinger ao Brasil, em 2012, a fim de consolidar a vergonhosa aliança explícita com os setores religiosos integralistas e não integralistas. Será uma mulher e ex-combatente que manterá no garrote da arbitrariedade esse direito democrático da mulher e a reivindicação da punição dos criminosos da ditadura!
Como nos últimos anos, será o PT − abraçado ao PMDB − que governará em nome do grande capital, com a certeza do apoio do PSDB e DEM, quando a pauta anti-social exigir. Talvez a única grande diferença entre o ex-presidente e a atual é que a senhora Dilma Rousseff não tem base social histórica para preservar.
Como o Brasil enfrentaria nova crise econômica, como a de 2008? Ela seria mais difícil de ser contornada sem Lula, já que Dilma Rousseff não tem a mesma experiência e prestígio político?
Não creio que o senhor Lula da Silva tenha contribuído pessoalmente para contornar a crise. A economia do Brasil foi golpeada relativamente menos devido a razões estruturais e conjunturais, nem sempre positivas. Não tínhamos créditos imobiliários podres, pois a população não tem condições para financiar a moradia; não havia exposição das finanças familiares, devido à baixa renda popular; possuíamos fortes bancos estatais. Sobretudo, a valorização do real, devido aos juros altos, recuara as exportações industriais e crescera as de commodities, direcionadas fortemente para a China, que manteve seu dinamismo.
Nossa situação hoje é talvez pior para enfrentar uma nova crise − cresceu o endividamento familiar, com o escandaloso crédito consignado e a expansão do uso do cartão de crédito, que talvez chegue em 2011 a uns 26% dos gastos familiares.
Aumentaram drasticamente os gastos com a subvenção do crédito ao setor produtivo, sobretudo via BNDES. A valorização do real mina a economia. É crível que a senhora Dilma Rousseff encontre condições piores, no caso de nova recessão.
Em entrevista ao Correio da Cidadania, o sociólogo Francisco de Oliveira propôs que o governo petista seria mais privatista que o do FHC. Não em função das privatizações sorrateiras via Parcerias Público-Privadas, mas por ter consolidado o "capitalismo monopolista de Estado". Isso lhe parece certo?
Não. O governo do senhor Lula da Silva não pode ser mais privatista, pois o de FHC liquidou as jóias da coroa − Siderúrgica Nacional, Vale do Rio Doce, Telebrás, energia, bancos públicos etc. A proposta de consolidação de "capitalismo monopolista de Estado" sugere que o petismo promoveu a superação da dependência semi-colonial do capitalismo brasileiro, metamorfoseando o país em Estado imperialista ou sub-imperialista.
O avanço do capital monopólico é fenômeno antigo, que se acelerou no governo FHC, com as privatizações e internacionalizações. O Brasil sedia interesses monopolistas, não necessariamente nacionais, que exigem uma mãozinha do Estado para a conquista-domínio de mercados, sobretudo nas nações vizinhas − Petrobrás, Banco do Brasil, Bradesco, Embraer, Gerdau, Votorantim, JBS-Friboi, empreiteiras etc. Apesar da importância dessas empresas, o Brasil mantém situação marginal na hegemonia capitalista mundial.
O Brasil é país de investimentos, e não investidor; é enorme seu handicap no confronto entrada-saída de juros, dividendos, royalties, amortizações etc. A espoliação financeira de nossa economia e sociedade registra o caráter semi-colonial do país, ou seja, sua independência política formal e submissão econômica. Somos país sem autonomia econômica, tecnológica, militar e sem pretensão de conquistá-la.
O atual rearmamento das forças armadas visa supremacia sobre nossa população e vizinhos, e não autonomia mundial. Somos a única grande nação que não possui e não quer possuir a arma atômica, única defesa efetiva diante do imperialismo. O Brasil imperialista ou sub-imperialista é auto-ilusão complacente e envergonhada de nacionalismo pindorama influenciado pelo ufanismo lulista.
Apesar da orientação privatista do governo Lula, apoiadores e opositores propõem a "retomada’ do papel gerenciador e referencial do Estado na economia, com destaque para o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. O que pensa disto?
Como quer sempre mais, o capital não cessa de acusar o Estado de banquetear-se com os recursos nacionais. No passado governo, não houve esforço algum para nacionalizar as mega-empresas privatizadas, essenciais à gestão estatal. Ao contrário, prosseguiu-se no fim do monopólio da exploração do petróleo; na privatização das rodovias, portos, ferrovias, aeroportos, produção de energia etc.
Qual foi a autonomia na fixação da taxa de juro, a pedra de toque da espoliação nacional e popular? Certamente a gerência/controle governamental não avançou no sistema bancário, industrial, educacional etc. Ao contrário, aprofundaram-se a desnacionalização da economia, o avanço relativo da agroindústria, o privatismo selvagem. Se houve dirigismo, seria interessante saber aonde queria chegar.
Por necessidade da economia capitalista desenvolvida, o Estado é enorme expropriador e centralizador da renda pública − realidade exacerbada por exigência do capital financeiro. Esse enorme monte de capital é transferido pelo Estado ao capital privado, por diversas vias. É devido a essa função repartidora que o governo se torna reino da corrupção, no Brasil literalmente legalizada pelo mundo político. O PAC é uma super-estrada da redistribuição privada da renda nacional.
Qual sua visão sobre a evolução do MST no governo passado e presente?
O MST é a síntese dos paradoxos da esquerda no Brasil. Durante décadas, sua direção propôs a democratização constitucional da propriedade da terra, portanto, com a indenização da propriedade improdutiva expropriada. A esse programa, associou a luta estratégica anti-sistêmica. Essa proposta de "revolução por etapas", primeiro democrático-burguesa, a seguir socialista, consubstanciou-se no programa petista de ampliação gradativa e crescente da democracia política, social e econômica.
Com tal proposta, a direção do MST galvanizou ampla base social, satisfeita na luta por naco de terra, e amealhou enorme capital político no Brasil e no exterior. Apenas paradoxalmente, a metamorfose social-liberal do PT, ao avançar na administração do Estado, obrigou a direção do MST a liquidar-se como proposta política; primeiro estratégica, logo tática, para manter-se como direção sindical de pequenos agricultores com e sem terra.
É antiga a idéia de democratização-modernização capitalista do campo através da divisão do latifúndio improdutivo, expandindo assim o consumo e a produção pequeno-mercantil familiar. Seguindo sua natureza, a subordinação do campo ao capital deu-se com a liquidação do trabalho vivo, ao introduzir novas tecnologias, maquinarias e insumos. Processo em grande parte patológico, potenciado pela expansão do mercado mundial de alimentos, que enxugou o latifúndio improdutivo, elevou o preço da terra, barateou o preço de produção e o valor unitário da mercadoria agro-pastoril. Com o novo "modelo", a reforma agrária parcelar mostrou-se social e economicamente "não mais viável", em um sentido econômico, como assinalou o dirigente do MST Gilmar Mauro, ao Correio da Cidadania, em 27 de setembro de 2010.
A incapacidade de prática auto-sustentada; o encolhimento das terras improdutivas e do apoio social; os recursos necessários às desapropriações, ao apoio à pequena propriedade, ao sustento dos acampados, à manutenção da organização etc. exigiam que a direção do MST mantivesse estreitos laços com o Estado. Apesar da opção cabal pelo agronegócio, o PT prosseguiu com política contemporizadora e compensatória para com a pequena agricultura familiar − Bolsa Família, merenda escolar, financiamento subsidiado e a fundo perdido etc.
Essa realidade influenciou a orientação eleitoral do MST nas eleições de 2010?
A dependência intrínseca ao Estado e ao petismo levou a direção do MST ao rompimento de fato dos vínculos políticos que mantinha com a frágil esquerda classista organizada. Processo que se consubstanciou nas eleições, no apoio implícito à senhora Dilma Rousseff no primeiro turno, e desbragado no segundo, voltando assim as costas a velhos aliados históricos da reforma agrária parcelar, como Plínio Arruda Sampaio, do PSOL. Uma política que contribuiu para a derrota brutal da esquerda e a consolidação das políticas e instituições burguesas no Brasil, como assinalado.
Entretanto, é injusto responsabilizar a direção do MST por não perseguir práticas e objetivos políticos socialistas e classistas em contradição com a própria essência democrático-radical do movimento que impulsiona. Foi a incapacidade da classe trabalhadora desorganizada de ocupar o centro da arena política e orientar os demais segmentos sociais aliados que ensejou a miragem da esquerda de vanguarda rural de pequenos camponeses pautando as soluções estruturais do país.
Ao contrário dos trabalhadores industriais inexoravelmente socializados na produção, os camponeses sem terra podem tentar resolver suas contradições pessoais imediatas no contexto da ordem capitalista, com a conquista de gleba para trabalhar. E devem ser apoiados incondicionalmente pelo mundo do trabalho e da democracia, na luta por este direito inalienável, mesmo se mostrando essa estratégia crescentemente aleatória, como assinalado por Gilmar Mauro, na dilacerante declaração ao Correio da Cidadania já citada.
O que pensa da atuação da esquerda socialista nesta eleição, sobretudo o PSOL, PCB, PSTU e PCO?
A assinalada vitória da contra-revolução mundial arrasou conquistas históricas do mundo do trabalho, com destaque para as organizações sindicais e políticas. Partidos fortíssimos, como os partidos comunistas francês e italiano, meios da resistência, apesar do colaboracionismo que praticavam, dissolveram-se como sorvete sob o sol. A despolitização, derrotismo, conservadorismo etc. dominaram multidões de trabalhadores das nações de capitalismo avançado.
No Brasil, o golpe foi terrível, devido à tardia e frágil conformação político-sindical dos trabalhadores que emergiram da escravidão, havia pouco mais de um século. A banda podre do Partidão, travestido em PPS, pôs-se a serviço do conservadorismo; o PC do B fez o mesmo, com alguma compostura. Nascido das vigorosas lutas operárias da segunda metade dos anos 1970, o PT avançou por poucos anos a luta pela autonomia operária, antes de receber do capital a direção do país, já como partido social-liberal.
As direções militantes e políticas da esquerda foram também golpeadas pelo período regressivo, fato agravado pelas superficiais raízes históricas; frágil implantação em operariado desorganizado; extração social, sobretudo estudantil e profissional. Tudo isso, somado à frágil formação e experiência das direções e da militância, criou e cria uma forte dissociação entre aparência e essência, um indiscutível hiato na realização efetiva da auto-proclamação como vanguarda dos trabalhadores.
É muito difícil ensaiar balanço mesmo telegráfico da atuação eleitoral dos grupos que se reivindicam anti-sistêmicos. Hoje, me auto-critico pela expectativa subjetivista da construção de frente, com programa classista, viabilizada pela magnífica vitória da pré-candidatura de Plínio Arruda Sampaio. Uma frente de esquerda pela base que reagrupasse política e organicamente a esquerda classista organizada e dispersa, na procura da construção de instrumentos e espaços para uma efetiva apresentação-concretização, mesmo embrionária, do programa do trabalho.
Não houve ainda um balanço efetivo, pelas direções dos partidos de esquerda com registro eleitoral, da verdadeira organização da derrota histórica que sofremos − menos de 1% dos votos, todos somados. Hecatombe acrescida do apoio à senhora Dilma Rousseff pela maior parte do PSOL e pelo PCB.
Quais são as perspectivas da Esquerda nos próximos anos? Acredita que deva ou possa ser reconstituída uma frente de esquerda?
Pelas razões assinaladas, mantendo-se as tendências atuais, creio que, caso ocorra uma frente de esquerda em 2014, ela possivelmente terá um sentido meramente eleitoreiro, como em 2006. Não deixará rastro quanto à construção da esquerda classista que necessitamos. Marx propôs que a emancipação dos trabalhadores devia ser necessariamente obra dos trabalhadores. Creio que sem salto qualitativo, mesmo exemplar, das lutas dos trabalhadores no Brasil ou no mundo, a tendência da esquerda no Brasil seja regressiva, ainda que avance parlamentar e numericamente.
O cenário nacional não é radioso, com o enorme colaboracionismo e governismo das organizações e direções sindicais e populares e com a impressionante desorganização e alienação dos trabalhadores. Internacionalmente, a tendência é também regressiva: avanço da restauração capitalista em Cuba; colaboração entre os governos da Venezuela e Colômbia; medidas antipopulares na Bolívia; isolamento do esforço titânico dos trabalhadores na Grécia; perda incessante de conquistas populares etc. Um duro cenário que exige um enorme esforço de ação e reunificação da vanguarda organizada e dispersa.
A idéia da história como linha circular onde, ao se perder o ônibus, paga-se apenas um bilhete mais caro no próximo, embota a consciência do drama atual. Os tempos esgotam-se e o declínio da humanidade é hoje tendência mais factível que a sua necessária superação socialista. Temos que nos apressar para não perdermos a última condução: a barbárie não é mais promessa e já se aninha perversa entre nós.
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2011: "novo’ governo permanecerá na esfera da naturalização da desigualdade. Entrevista com Mário Maestri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU