27 Junho 2018
Estudo da Oxfam revela: eles formam um oligopólio global que abocanha grande parte do valor da venda de alimentos e deixa aos agricultores salários de fome.
O artigo é de Inês Castilho, jornalista, cineasta e pesquisadora, integra o corpo editorial de Outras Palavras, publicado por Outras Palavras, 25-06-2018.
Depois da campanha Por Trás das Marcas, de 2013, em que a Oxfam – uma confederação de 20 organizações que lutam contra a desigualdade em mais de 90 países – analisou a forma como operam as dez maiores empresas de alimentos e bebidas, com um foco central: os supermercados.
O objetivo é conscientizar consumidores e investidores sobre o que se esconde por trás dos alimentos que ingerimos cotidianamente, num sistema comercial que oferece produtos baratos e de qualidade aos países do Norte – União Europeia e Estados Unidos – e elites no Sul, com lucros enormes para as empresas que os vendem, enquanto os pequenos produtores e trabalhadores rurais, homens e mulheres que os produzem e beneficiam, passam fome nos países em desenvolvimento.
“A gente não está falando de um problema novo, mas ele está piorando, pela tendência de consolidação dos supermercados – que concentram poder e fragilizam a cadeia produtiva”, observa Gustavo Ferroni, assessor de políticas da Oxfam Brasil. “Os supermercados ficam com a maior fatia do preço pago pelos consumidores, enquanto os trabalhadores e pequenos agricultores recebem menos de 13% do total”.
A campanha da Oxfam tem como base uma nova pesquisa: Hora de Mudar – Desigualdade e sofrimento humano nas cadeias de fornecedores dos supermercados, conduzida pelo Bureau para a Avaliação de Impactos Sociais para Informação dos Cidadãos (Basic, na sigla em inglês). O estudo analisou a trajetória de 12 produtos comumente fornecidos às redes de supermercados do Norte global, a partir de países produtores nos continentes asiático, africano e latino-americano, em produção de pequena e grande escala. Em nenhum deles a renda média dos pequenos agricultores ou trabalhadores é suficiente para que tenham um padrão de vida decente.
Foram analisadas as cadeias produtivas do café (Colômbia), chá (Índia), cacau (Costa do Marfim), suco de laranja (Brasil), banana (Equador), uva (África do Sul), vagem (Quênia), tomate (Marrocos), abacate (Peru), arroz (Tailândia), camarão (Indonésia, Tailândia e Vietnã) e atum (Indonésia, Tailândia e Vietnã).
Do trabalho forçado em navios de pesca no Sudeste Asiático, aos salários miseráveis nas plantações de chá indianas e a fome enfrentada por trabalhadores das fazendas de uva na África do Sul, é flagrante o desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas nas cadeias de fornecimento alimentar. Para produtos como o chá indiano e o feijão verde do Quênia, a renda média dos pequenos agricultores ou trabalhadores foi inferior a 50% do valor necessário a um padrão de vida minimamente decente para eles e suas famílias.
As mulheres carregam o fardo maior: o estudo revela que o sistema alimentar moderno é construído principalmente sobre a exploração do seu trabalho. Estereótipos de gênero profundamente arraigados fazem com que seja maior o impacto entre as mulheres, tanto em pequenas propriedades de agricultura familiar como entre trabalhadoras.
Elas não têm direito de possuir terras, têm menos filiação sindical, assumem a maioria dos trabalhos de cuidado não remunerado, recebem ainda menos que os homens, têm barrada sua participação em posições de poder – e ainda são vítimas de assédio e violência sexual.
A concentração do setor de supermercados é grande por aqui: juntos, Pão de Açúcar e Walmart detêm 46% do mercado. O país é responsável por um dos casos mais gritantes de diferença entre o ganho dos supermercados e o dos trabalhadores. Um em cada quatro copos de laranja consumidos nos países do Norte global vêm do Brasil, e o preço do produto aumentou mais de 50% nos supermercados norte-americanos e europeus desde a década de 1990. No entanto, o valor pago a pequenos produtores e trabalhadores rurais no Brasil chega a apenas 4% do valor de venda final, enquanto os supermercados ficam com 35%. Cerca de 40% dos homens e mulheres que trabalham na colheita da laranja no Brasil vivem abaixo da linha da pobreza.
“Esse é o caso da laranja, mas vale para alimentos como melão, melancia, uva, aves e frango, carne bovina. Boa parte das cadeias de alimentos passa pelo Brasil, considerado uma potência agrícola, então a situação dos produtores e trabalhadores rurais está relacionada aos atores daqui, mas também do Norte”, diz Gustavo.
O valor pago pela colheita de laranja caiu 70% nos últimos 20 anos (1996-2016), reduzindo ainda mais a remuneração aos pequenos agricultores. A consequência disso é que os pequenos produtores abandonam o campo e vão para as periferias das cidades. Ou então permanecem no campo trabalhando para as grandes fazendas, que têm condições de atender às exigências dos supermercados em relação a preço e qualidade.
“Três empresas dominam o mercado da laranja brasileira por meio de práticas injustas, e elas receberam a maior multa já aplicada por cartel pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)”, explica Gustavo. “Mas há supermercados que são cúmplices delas. As processadoras de suco têm papel importante, mas mesmo com todo esse poder o maior valor ainda fica com eles.”
A partir dos resultados do estudo, a Oxfam está lançando uma campanha com diversos tipos de ações, durante os próximos três anos.
“É uma campanha multifacetada, on line e off line, em que a gente mobiliza cidadãos preocupados no Norte e no Sul, e trabalha com organizações de produtores e consumidores ampliando sua voz nessa demanda. Entramos em contato direto com os supermercados, fazendo pressão, e sempre que preciso atuamos também junto ao governo pela regulação do setor”, explica Gustavo.
Ele afirma que as ações no Brasil começam já no segundo semestre – mas não pode antecipar quais são. Os parceiros da Oxfam Brasil nesse projeto são a Repórter Brasil, a Contag e o Dieese.
Não por coincidência, o aumento do poder dos supermercados corresponde ao poder cada vez menor de pequenos agricultores e trabalhadores. Uma razão é a liberalização do comércio adotada por governos de muitos países, com a desregulamentação dos mercados agrícolas e da mão de obra – o que resulta na fragilização do poder de negociação de pequenos agricultores e trabalhadores.
Pesquisa com quase 1500 empresas em cadeias de fornecimento globais mostrou que menos de um quarto delas tem a presença de sindicatos, que a negociação coletiva está em declínio, que reduziram-se orçamentos governamentais para serviços de extensão, pesquisa e desenvolvimento voltados a pequenos agricultores. Mesmo onde a legislação garante salários mínimos, eles estão quase sempre muito abaixo do que é reivindicado pelos sindicatos e insuficientes para o sustento de um trabalhador e sua família (o chamado “salário digno”).
A Oxfam acredita que é possível reverter esse cenário. “Sabemos que o caminho não é fácil de percorrer, mas este relatório mostra que todos nós – governos, empresas e cidadãos – podemos fazer muito mais no sentido de tornar essa visão uma realidade para quem produz os nossos alimentos”, afirma o relatório. Para isso, é preciso que:
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Desigualdade: o poder obscuro dos supermercados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU