26 Junho 2018
“Estou no final da vida” assusta um vitalíssimo Richard Sennett, esse grande sociólogo estadunidense que hoje ensina em Londres. Veio a Buenos Aires (convidado pela Fundação Medifé) para dar a conferência O trabalho e seus relatos na Universidade de Buenos Aires. Ali, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelas mãos da ensaísta Leonor Arfuch e Carolina Mera, decana da Faculdade de Ciências Sociais. Amável e agudo, Sennett analisou o presente em chave da crise, esperança, fascismo e neoliberalismo.
A entrevista é de Hector Pavon, publicada por Clarín, 22-06-2018. A tradução é do Cepat.
Vivemos uma longa crise, aqui e em muitos pontos do planeta. Em que ponto acredita que estamos?
Dou-lhe uma resposta talvez surpreendente. Estou vivendo na Europa e acredito que o continente está em um estado mais terminal da crise que vocês aqui, e que haverá muito pouco desenvolvimento no campo do trabalho, por exemplo. Cada vez que venho à América Latina vejo que há um potencial que para nós não existe mais. Certo desenvolvimento de um modo mais socializado e aberto. Que para vocês é possível, e que para nós já não é. Vejo um esgotamento nos campos que conheço na Europa: as pessoas não têm ideias novas.
Não há ideias?
Não há ideias novas sobre o que fazer com a crise do neoliberalismo etc. Quando era garoto na Grã-Bretanha, ouvia as mesmas coisas que estou ouvindo agora.
E agora mais com o Brexit, não?
Sim, o Brexit... Isso de que os estrangeiros estão nos afundando ou que a União Europeia é uma conspiração do capitalismo. Esses eram discursos dos anos 1980. E não se pensou muito sobre como usar a internet ou como lidar com a mudança climática. E é claro que se falava dos migrantes. Mas, então, havia movimentos migratórios do sul da Europa para o norte da Europa. Italianos e gregos vinham a Grã-Bretanha, França, Alemanha, etc. Hoje, esse discurso – de intolerância – é dirigido aos muçulmanos. Refiro-me a isso, vocês não têm tal tipo de esgotamento. Talvez me equivoque. Você não concorda?
Não sei... estamos em crise o tempo todo. Essa é a sensação. E talvez as pessoas jovens não podem imaginar um futuro aqui, na região...
Então, talvez ocorra em todas as partes. Talvez me equivoque. Então, isso também é certo para nós. As pessoas não podem imaginar um futuro. Eu estou ao final de minha vida, de algum modo, o que mais desejo deixar como legado, é imaginar algo diferente. Ter trinta anos e não poder olhar para frente... Não, não se pode viver assim. Supõe-se que as pessoas mais velhas são mais pessimistas, mas eu não sinto assim. Gostaria que algo novo ocorra. Por isso, em meu livro Juntos, falo da cooperação.
Como chama esta época? A da crise, do ódio, da cooperação?
Bom, não lhe daria apenas um nome. Há diferentes questões. Para muitas partes da Europa, e América do Norte, esta é uma idade de retorno ao fascismo. Trump, Hungria, Polônia... São nossas sociedades as que estão rejeitando uma noção de um superego da ilustração... Viu o slogan no casaco de Melania Trump? “A verdade é que não me importa”, diz. Isto é do tipo de coisas do fascismo. Mas, nem todo mundo pensa assim. A América do Norte está retornando a outros valores. Mas, isto poderia muito bem ser o lema de Trump.
Mas, esta postura é o clima da época?
Em alguns lugares. Não em todo o mundo. Não diria que todos os cidadãos estadunidenses pensem assim, por exemplo. Nem tampouco todos os cidadãos britânicos são favoráveis ao Brexit. Está dividido. O problema é que a parte fascista fala como se representasse todos. E isso é um aspecto do fascismo, que universaliza a própria posição, que não há outra. É uma transgressão fundamental da Ilustração, que não há outra, não há oposição, uma vez que se toma o poder tudo é universal. E esse é o problema. Mas não é o caso, há muita gente que se opõe.
Como se desenvolve o conceito de comunidade, nesta etapa do capitalismo?
Pode ter uma consequência muito perversa, que a comunidade seja composta por uma só classe de pessoa. Por isso, não gosto dessa palavra. Porque com frequência a gente fala de exclusão, sobretudo a classe média, em nome da comunidade. Nos Estados Unidos ou na Europa, a palavra comunidade significa: “basta de muçulmanos”. Como eles não compartilham certos valores, então não são parte da comunidade.
Você é socialista. Este é um bom momento para isso?
Sim. Mais do que nunca.
Como praticá-lo?
Olhe, meus pais trabalhavam para o Partido Comunista com a ideia de que os sofrimentos das pessoas eram um modo de organizar... Hoje, acredito que os que são profissionais, por exemplo os jovens arquitetos, não têm seguridade trabalhista. Junto com os sindicatos, deveríamos encontrar uma maneira de conceber um modo distinto da carreira profissional. E isso quer dizer que a organização seja muito mais pessoal, não baseada no sofrimento, mas, sim, olhando mais para fora. Perguntar-se o que deseja fazer, onde quer estar dentro de 10 anos, como uma organização poderia te ajudar a fazer isso. Tradicionalmente, não pensamos que o socialismo poderia ajudar as pessoas a organizar suas vidas privadas. Agora, ajudar as pessoas a organizar sua cobertura médica, por exemplo, é uma forma de socialismo.
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“Na Europa, as pessoas já não podem imaginar um futuro”. Entrevista com Richard Sennett - Instituto Humanitas Unisinos - IHU