02 Dezembro 2011
O nosso breve périplo em torno de uma das palavras mais importantes e alusivas da vida social – "autoridade" – concluiu em um pequeno escritório da London School of Economics. Na companhia do professor Richard Sennett.
A reportagem é de Franco Marcoaldi, publicada no jornal La Repubblica, 29-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Dificilmente poderíamos encontrar um melhor interlocutor para nós para fechar esta nossa investigação. Não apenas porque Sennett é autor de um ensaio de 1981, republicado pela editora Bruno Mondadori em 2006, intitulado justamente Autorità. Subordinazione e insubordinazione: l'ambiguo vincolo tra il forte e il debole. Mas ainda mais porque esse brilhantíssimo professor de Chicago, que há muitos anos se deslocava entre a London School of Economics e a New York University, é um acadêmico muito particular. Capaz de fazer convergir nos seus estudos sociológicos (centrados sobretudo no mundo do trabalho e na vida urbana) as contínuas reflexões de paixões não menos intensas pela arte e a filosofia, pela literatura e a música. Sobretudo a música, disciplina à qual Sennett era devotado como violoncelista de talento, se uma doença da mão não tivesse intervindo para lhe impedir de empreender aquela carreira artística. Não por acaso, no seu pequeno escritório, estão fixados nas paredes dois pôsteres que retratam as caixas harmônicas de muitos Stradivarius. E não por acaso o mundo musical continua sendo a estrela-guia dos seus estudos científicos. Eis a entrevista. Professor, eu lhe proporia novamente a primeira consideração a partir da qual esta viagem começou. Falo daquele duplo sentimento que, de um lado, nos leva a desconfiar da autoridade, na tentativa de descartá-lo, enquanto, de outro, evidencia uma necessidade generalizada dela. Essa duplicidade é totalmente natural, mas hoje salta aos olhos como nunca antes. A necessidade de autoridade é primário, mas, ao mesmo tempo, tememos a sua influência como uma ameaça à nossa liberdade. E é claro que essa tenaz se aperta ainda mais quando nos parece impossível proteger o espaço da legitimidade do da dominação. E é isso que ocorre na sociedade contemporânea, com o triunfo absoluto daquele neoliberalismo que substituiu a autoridade legítima pelo mercado: um deus escondido, cego e abstrato, que de fato anulou a tradicional esfera da autoridade enquanto unidade de medida da legitimidade do poder. Entre as definições de autoridade, há uma particularmente feliz de Mommsen: "Mais do que conselhos e menos do que uma ordem". Isso tem a ver com o meu caso, já que eu falo de relação temporária, vínculo entre desiguais, submissão voluntária. Porque o verdadeiro teste da autoridade não é representado tanto por aquilo que a figura dominante propõe, mas sim pelo grau de aceitação da figura submissa. Tome por exemplo a atual cultura popular: são totalmente evidentes a facilidade e a passividade com a qual se obedece coletivamente a um sistema de desejos materiais e de prazeres que nos são propostos. O fato é que, em um momento de crise social e econômica gravíssima, como a que estamos passando, justamente esse tipo de autoridade corre o sério risco de entrar em colapso. Ainda em seu ensaio de 1981, o senhor também tentava delinear os aspectos positivos da autoridade. Uma boa autoridade é aquela capaz de determinar a participação ativa daqueles que são chamados a segui-la. Eu escrevi muito sobre o mundo do trabalho e, como velho marxista, eu continuo pensando que aí está o verdadeiro coração da questão. Vou lhe dizer uma coisa que talvez vai lhe surpreender, mas eu acho que uma certa empresa artesanal do norte italiano oferece um excelente exemplo do que estou dizendo. Justamente porque faz referência a termos como cooperação e participação. Exatamente o oposto do que indicam os processos capitalistas hoje dominantes, que evidenciam uma crescente financeirização da economia e uma crescente injustiça social. Sei muito bem que, quando se fala de crise da autoridade, na maior parte dos casos, se faz referência à escola, à família, à política. No entanto, eu acho que deveríamos concentrar a atenção sobre o mundo do trabalho. Especialmente a esquerda deveria fazer isso, que, ao contrário, se preocupa muito com o poder e com a "politique politicienne", deixando de lado os processos sociais e comunitárias, a vida concreta das pessoas. Mas a maior ou menor vitalidade de uma sociedade está ligada às suas práticas cotidianas e generalizadas, mais do que a hipotéticas reformas políticas que caem do céu. O senhor escreveu que só reconhecendo dentro de nós a necessidade de autoridade é que conseguiremos retirar-lhe o espinho da onipotência. Só assim poderemos colocá-la à distância e, portanto, relativizá-la. Eu escrevi também que a essência dessa consciência interior se dá na relação entre a autoridade e o tempo. Ninguém é forte para sempre. Os pais envelhecem e morrem, os filhos tomam o seu lugar. A autoridade não é um estado ontológico, mas sim um evento temporal, governado pelo ritmo do nascimento e da morte. Ser consciente do vínculo entre força e tempo significa saber que nenhuma autoridade é onipotente. É somente um processo, um fluxo, uma relação, uma prática. Ainda nesse livro, o senhor tomava como modelo de autoridade o regente de orquestra. O senso comum propõe, a esse respeito, duas figuras opostas: o diretor-ditador (cujo protótipo, nem é preciso dizer, seria Toscanini) e o diretor-democrático. Questionado sobre isso, Lorin Maazel me disse que não se reconhecia em nenhum dos dois. E tinha razão. Porque essas distinções abandonam o tempo que encontram. O meu professor de violoncelo parecia justamente com Toscanini e, obviamente, lembrava os seus terríveis e célebres excessos de fúria. Mas ele acrescentava que, uma vez alcançada a recíproca confiança, essa fúria cessava. Como se vê, retorna novamente a ideia de autoridade como processo, busca de uma relação. Acrescento que, mesmo nesse âmbito, o problema da confiança se refere aos professores antes mesmo do que o regente. Pude verificar isso justamente com Maazel, vendo os professores literalmente se abandonarem a ele. Na consciência de que ele existia, estava ali para eles, até o fim. Eu não saberia encontrar uma melhor representação plástica da autoridade. Mas há também um outro aspecto em que a música, e a arte em geral, pode nos ajudar a definir a boa autoridade, que, por sua natureza, nunca é estática, definida, fixada uma vez por todas, como, ao contrário, pretende o poder político autoritário. Quem nos lembra disso é um pequeno episódio que se refere a Matisse. Estamos em 1914, e um grupo de admiradores vai ver os seus últimos quadros, nos quais as relações entre as cores parecem ter atingido níveis de sublime perfeição. Diante de tanto estupor cheio de admiração, Matisse responde: o que para vocês é o absoluto equilíbrio e a absoluta perfeição, para mim é apenas uma etapa da mudança necessária. O que quero dizer é que a boa autoridade é aquela que é perenemente posta em discussão. O artista, portanto, como modelo de autoridade em um mundo que parece ter que enfrentar o declínio da autoridade política conhecida no passado? Sei que pode parecer bizarro dito por quem estuda os fenômenos sociais. Mas eu acho exatamente isso: senão, não teria escolhido o regente de orquestra como figura paradigmática do livro sobre a autoridade, e o quarteto de cordas no meu novo livro sobre a cooperação, que a editora Feltrinelli irá publicar na Itália no ano que vem. Quanto à autoridade política, eu acho que deveria ser abandonada uma certa fantasia romântica que ainda a envolve. Senão, continuaremos indo ao encontro de decepções inevitáveis, como aconteceu recentemente com Obama. O Homo faber, apesar de tudo, continua sendo a figura central da nossa sociedade. São os objetos, os artefatos, as obras de arte que representam o verdadeiro laço entre as diversas gerações, portanto também a ocasião de confronto e de reações com relação ao passado. Segundo as modalidades das quais já se falou: primeiro, interiorização do modelo de autoridade, depois a sua objetivação, distanciamento e crítica. A relação com a autoridade pode se tornar profícuo se ele for pensado como algo semelhante ao ritmo cardíaco, como uma sucessão contínua de sístoles e diástoles. |
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O declínio da autoridade e o exemplo da música. Entrevista com Richard Sennett - Instituto Humanitas Unisinos - IHU