20 Fevereiro 2018
A grande recusa, como a teria chamado Dante, ocorreu em 8 de fevereiro, com a incomum e até mesmo surpreendente escolha de ficar ao lado dos pequenos agricultores africanos que as multinacionais do agronegócio talvez nunca cheguem a perdoar a Emmanuel Macron. O programa do qual Paris decidiu se retirar é chamado de 'Nova Aliança para a Segurança Alimentar e Nutricional' (sigla Nasan), uma iniciativa acordada na cúpula do G8, que se realizou em 2012, em Camp David.
Na esteira do título, com forte apelo bíblico, até as metas têm um vago sabor messiânico: em 10 anos livrar da pobreza e da fome 50 milhões de africanos através de uma parceria entre governos africanos, governos dos países ricos e empresas privadas. Mas uma verificação na metade do prazo, mostra que o projeto serviu para criar paraísos fiscais agrícolas, como os definiu a organização francesa Action Contre la Faim: oportunidades de lucro para grandes empresas do agronegócios, e não a emancipação dos pequenos agricultores, cujas condições até pioraram.
A reportagem é de Francesco Gesualdi, publicada por Avvenire, 16-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na verdade, o projeto surge da antiga crença de que para resolver a fome e a pobreza basta aumentar a produção. Para tanto, a única coisa a fazer é facilitar os investimentos por parte daqueles que detêm o dinheiro, ou seja, as grandes empresas nacionais e transnacionais. Daí a Nova Aliança que pede aos governos locais africanos de colocar à disposição terras e um contexto legislativo favorável às empresas, aos governos do Norte de colocar algum dinheiro na construção de algumas infraestruturas a título de cooperação, e às empresas privadas de colocar os investimentos e lucrar com isso.
As empresas que aderiram ao projeto são uma centena, com investimentos totais declarados em volta de US $ 5 bilhões, em seis países: Gana, Etiópia, Tanzânia, Costa do Marfim, Burkina Faso e Moçambique. O projeto não prevê a transparência entre os seus princípios, mas a partir de informações que acabaram vazando, descobriu-se que duas multinacionais sozinhas são responsáveis pelo atendimento de dois quintos do projeto: a Syngenta, empresa de sementes, subsidiária suíça de ChemChina chinesa, com 500 milhões de investimentos e a Yara, multinacional de fertilizantes que desfralda a bandeira norueguesa, com 1,5 bilhões de investimentos.
Até a Cargill, a multinacional agro-comercial norte-americana, não está em posição nada ruim, com 525 milhões de investimentos, e depois seguem, mais abaixo no ranking, outras multinacionais famosas como a Mars, Monsanto, Louis Dreyfus. De tudo isso se apreende que o resultado final da Nova Aliança será um reforço dos produtos agrícolas destinados à exportação (cacau, café, óleo de palma) e mais uma pressão junto aos agricultores africanos para que definitivamente se joguem nos braços de agricultura industrial baseada nas sementes selecionadas, fertilizantes e pesticidas.
Em suma, o oposto da ideia de soberania alimentar que tem como objetivo a produção para as necessidades locais e como estratégia de produção a autoprodução das sementes e a agricultura biológica, duas formas de respeitar a natureza e impedir que os agricultores acabem na armadilha das dívidas.
Já em 2016 o Parlamento de Estrasburgo havia pedido à UE para retirar seu apoio à Nasan. Em especial, ressaltava “o perigo de replicar na África o mesmo modelo de ‘revolução verde’ implementado na Ásia na década de 1960, sem levar em conta seus impactos sociais e ambientais”.
O governo francês, que participava da Nova Aliança como parceiro em Burkina Faso, não apresentou uma razão oficial para sua saída da Nasan, mas um funcionário do governo declarou ao 'Le Monde' que "a abordagem do projeto é muito ideológica e existe um risco real de acumulação de terras em detrimento dos pequenos agricultores". Os quais confirmam: "Para nós que produzimos para o mercado local, a Nova Aliança não traz nenhuma vantagem fiscal, enquanto as empresas que produzem para exportação garantem para si terras e todos os tipos de facilitações. Onde está o interesse pela segurança alimentar do nosso país? Os pequenos produtores têm mostrado que sabem produzir, mesmo recorrendo aos métodos tradicionais; garantem 40% do consumo interno de arroz. Apesar disso, a Nasan visa modernizar 30 mil hectares de terras e deixar 5 mil para as aldeias.O que significa mudar de uma agricultura do tipo pluvial para uma agricultura baseada na irrigação artificial. Mas a chuva é oferecida gratuitamente pela natureza e a água subterrânea, ao contrário, só estará disponível para aqueles que tiverem dinheiro, porque exige equipamento e energia. Em conclusão, os agricultores mais fracos continuarão a ficar ainda mais pobres e nossa segurança alimentar estará cada vez mais em risco".
Preocupações assumidas pelo Governo francês considerando que a saída do Nasan foi justificada pelo fato de que "a França prefere dar o seu apoio à agricultura familiar através da intensificação da agroecologia". Palavras sobre as quais é preciso ponderar, especialmente hoje, quando se fala tanto sobre “ajudar na casa deles”.
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Adeus Nasan: Macron faz a escolha correta e apoia pequenos agricultores africanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU