30 Janeiro 2018
Universidades católicas e faculdades eclesiásticas mais missionárias, mais capazes de dialogar em todos os âmbitos, de mostrar conexões entre as várias disciplinas científicas e de fazer rede no mundo. É isso que emerge a partir da leitura de Veritatis gaudium, a nova constituição apostólica que reforma e atualiza os estudos das universidades católicas e das faculdades eclesiásticas no mundo, assinada pelo pontífice com data de dia 8 de dezembro do ano passado e divulgada nessa segunda-feira, 29 de janeiro de 2018.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 29-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Já a partir do título, fica evidente o nexo com a exortação apostólica Evangelii gaudium, de 2013, que representa o roteiro do pontificado de Francisco. O documento papal foi publicado 39 anos após a constituição Sapientia christiana, promulgada por João Paulo II em 1979.
“A exigência prioritária hoje na pauta do dia – explica o papa – é que todo o povo de Deus se prepare para empreender ‘com espírito’ uma nova etapa da evangelização. Isso requer um decidido processo de discernimento, purificação e reforma. E, nesse processo, é chamada a desempenhar papel estratégico uma adequada renovação do sistema dos estudos eclesiásticos. De fato, estes não são chamados apenas a oferecer lugares e percursos de formação qualificada dos presbíteros, das pessoas de vida consagrada e dos leigos comprometidos, mas constituem também uma espécie de providencial laboratório cultural onde a Igreja faz exercício da interpretação performativa da realidade que brota do evento de Jesus Cristo.”
Diante das grandes mudanças da nossa época, da crise antropológica e ambiental, é necessária uma mudança de modelo de desenvolvimento. “O problema – escreve Francisco – é que não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar essa crise e há a necessidade de construir lideranças que indiquem caminhos. Essa tarefa enorme e inadiável requer, no nível cultural da formação acadêmica e da pesquisa científica, o compromisso generoso e convergente em prol de uma radical mudança de paradigma, antes – seja-me permitido dizê-lo – de uma corajosa revolução cultural.”
O texto consiste em duas partes. Na primeira, o proêmio, o papa estabelece quatro princípios fundamentais. Na segunda, estão contidas as normas comuns, as normas especiais (para as faculdades de teologia, de direito e de filosofia) e as normas finais.
Um segundo documento em anexo, assinado pelo cardeal Giuseppe Versaldi, prefeito da Congregação para a Educação Católica, contém as normas de aplicação da constituição.
O primeiro dos quatro princípios fundamentais do documento contidos no proêmio diz respeito à “identidade missionária”: é preciso voltar ao querigma, isto é, ao coração do Evangelho, ao essencial do anúncio cristão, “ou seja, da feliz notícia, sempre nova e fascinante, do Evangelho de Jesus, que cada vez mais e melhor se vai fazendo carne na vida da Igreja e da humanidade”.
A partir dessa “concentração vital e jubilosa sobre o rosto de Deus revelado em Jesus Cristo como Pai rico em misericórdia, deriva a experiência libertadora e responsável de viver como Igreja a ‘mística do nós’ que se torna fermento daquela fraternidade universal que sabe ver a grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano”.
O segundo critério é o diálogo sem reservas, “não como mera atitude tática, mas como exigência intrínseca para fazer experiência comunitária da alegria da Verdade e aprofundar o seu significado e implicações práticas. O que o Evangelho e a doutrina da Igreja estão atualmente chamados a promover, em generosa e franca sinergia com todas as instâncias positivas que fermentam o crescimento da consciência humana universal, é uma autêntica cultura do encontro”.
Daí a urgência de “rever, nessa perspectiva e nesse espírito, a arquitetônica e a dinâmica metódica dos currículos de estudos propostos pelo sistema dos estudos eclesiásticos, na sua fonte teológica, nos seus princípios inspiradores e nos seus vários níveis de articulação disciplinar, pedagógica e didática”.
O terceiro critério indicado pelo papa é o da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, isto é, tentar superar a fragmentação do saber e dos conhecimentos científicos. “O que qualifica a proposta acadêmica, formativa e de investigação do sistema dos estudos eclesiásticos, tanto no nível do conteúdo quanto do método, é o princípio vital e intelectual da unidade do saber na distinção e respeito pelas suas múltiplas, conexas e convergentes expressões.”
Hoje, como já notavam Paulo VI e Bento XVI, “há uma carência de sabedoria, de reflexão, de pensamento capaz de realizar uma síntese orientadora”, e, portanto, a missão especial confiada ao sistema dos estudos eclesiásticos precisa redescobrir a interdisciplinaridade: “Não tanto na sua forma ‘fraca’ de simples multidisciplinaridade, como abordagem que favorece uma melhor compreensão de um objeto de estudo a partir de vários pontos de vista; mas sim, sobretudo, na sua forma ‘forte’ de transdisciplinaridade, como colocação e fermentação de todos os saberes dentro do espaço de luz e vida oferecido pela sabedoria que emana da Revelação de Deus”.
E, por fim, o quarto princípio diz respeito à capacidade de fazer rede: não apenas do ponto de vista do princípio de que quem tem mais ajuda quem tem menos, mas também buscando valorizar a contribuição positiva e enriquecedora das realidades mais periféricas.
“Nos vários povos que experimentam o dom de Deus segundo a sua própria cultura – afirma o papa –, a Igreja expressa a sua autêntica catolicidade e mostra a beleza desse rosto pluriforme. (...) É evidente que essa perspectiva esboça uma tarefa exigente para a teologia e também, segundo as suas específicas competências, para as outras disciplinas contempladas nos estudos eclesiásticos”.
O papa confia “em primeiro lugar, à investigação feita nas universidades, faculdades e institutos eclesiásticos a tarefa de desenvolver aquela ‘apologética original’, que indiquei na Evangelii gaudium, a fim de ajudar a criar as predisposições para que o Evangelho seja escutado por todos. Nesse contexto, torna-se indispensável a criação de novos e qualificados centros de investigação onde possam – como almejei na Laudato si’ – interagir, com liberdade responsável e transparência mútua, estudiosos provenientes dos vários universos religiosos e das diferentes competências científicas, de modo a estabelecerem diálogo entre si, visando o cuidado da natureza, a defesa dos pobres, a construção duma rede de respeito e de fraternidade”.
As novidades mais “técnicas” referem-se a vários âmbitos. Vão da atualização das normativas, que se refere a todos os documentos posteriores à constituição de 1979, a algumas novidades ditadas pelas mudanças ocorridas na sociedade, por exemplo, com o “Bologna process”, o processo de reforma internacional dos sistemas de ensino superior da União Europeia – tendo iniciado em 1999, a Santa Sé aderiu a ele em 2003 – para implementar o Espaço Europeu de Ensino Superior.
Conectada a isto, está a Avepro (na sigla em italiano), a Agência da Santa Sé para a Avaliação e a Promoção da qualidade das universidades e faculdades eclesiásticas, instituída por Bento XVI para “promover e desenvolver uma cultura da qualidade” nas instituições acadêmicas diretamente dependentes da Santa Sé, garantindo padrões de nível internacional.
Depois, há todas as novas convenções estipuladas nas últimas décadas, assim como a instituição dos mestrados, que não era contemplada em nível normativo.
O documento diz respeito aos estudos universitários e às faculdades eclesiásticas, mas a Congregação liderada pelo cardeal Versaldi tem competência sobre todo o mundo da educação católica, incluindo as escolas infantis, fundamentais e médias.
Dos jardins de infância às universidades em todo o mundo, cerca de 70 milhões de estudantes gravitam na galáxia do mundo educacional católico. Também por isso, a Congregação, em vista do Sínodo dos jovens, promoverá um questionário específico – que se somará ao já preparado pela Secretaria do Sínodo – dedicado aos estudantes das escolas do Ensino Médio e das universidades, com perguntas sobre como vivem sua fé.
Nota da IHU-Online – A íntegra do documento, em português, pode ser lida aqui.
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Papa pede uma ''revolução cultural'' às universidades católicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU