18 Janeiro 2018
"A afirmação de que uma atitude ou um comportamento causaria “escândalo público” é exatamente isto, uma afirmação, não um argumento ético e, como qualquer afirmação sobre o certo ou o errado, precisa ser justificada com argumentos éticos" escrevem Todd A. Salzman, professor de teologia católica da Creighton University, instituição jesuíta em Omaha, no estado americano do Nebraska, e Michael G. Lawler é professor emérito também de teologia na mesma universidade, escritores do “The Sexual Person”, publicado pela Georgetown University Press (A Pessoa sexual - Por uma antropologia católica renovada, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2012), em artigo publicado National Catholic Reporter, 16-01-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em junho de 2017, Dom Thomas Paprocki, bispo de Springfield, Illinois, emitiu um decreto aos padres de sua diocese sobre o tratamento dos casais gays. É uma longa lista de coisas que não devem fazer.
Por exemplo, nele se lê: não presidirás uma cerimônia de matrimônio gay; não darás a Sagrada Comunhão a casais gays; e, o mais polêmico, não permitirás funerais religiosos para um cônjuge gay falecido. O motivo dado para a última proibição é que “ao menos que tenham dado alguns sinais de arrependimento antes da morte, os falecidos que viveram abertamente um matrimônio homoafetivo, criando um escândalo público aos fiéis, devem ser privados dos ritos funerais eclesiásticos” (grifo nosso).
Dom Robert Morlino, de Madison, Wisconsin, através de seu vigário-geral, o Pe. James Bartylla, seguiu essa diretriz ao negar um funeral católico a uma “Pessoa em uma União Civil ou Notória Homossexual”, apresentando o mesmo raciocínio. “A principal questão”, escreve Bartylla, “centra-se no escândalo e na confusão (levando outros à ocasião do pecado ou confundindo ou enfraquecendo as pessoas quanto aos ensinamentos da Igreja Católica no tocante à doutrina sagrada e ao direito natural) e, portanto, a tarefa pastoral é a de minimizar o risco de escândalo e confusão aos demais em meio à solicitude pelo falecido ou pela família”.
Ambas as diretivas citam como justificação o Canon 1184, que afirma: a não ser que antes da morte tenham dado algum sinal de penitência, aos “pecadores manifestos […] não se possam conceder exéquias eclesiásticas sem escândalo público dos fiéis” (grifo nosso).
A obrigação moral de evitar escândalos está baseada na Bíblia. Jesus adverte aquele que escandalizar os pequeninos de que “melhor seria para ele pendurar uma pedra de moinho no pescoço, e ser jogado no fundo do mar” (Mateus 18,6; cf. 1Coríntios 8,10-13). Afirma que “é inevitável que aconteçam escândalos, mas ai daquele que produz escândalos” (Lucas 17,1). O Catecismo da Igreja Católica define escândalo como “a atitude ou o comportamento que leva outrem a praticar o mal. Aquele que escandaliza torna-se o tentador do próximo. […] O escândalo constitui uma falta grave se, por ação ou omissão, conduzir deliberadamente o outro a uma falta grave” (Canon 2284). Claro está, portanto, que, tanto na Escritura quanto na Tradição, o escândalo é um problema sério e algo a ser evitado.
O que não está claro, no entanto, e o que não é definido, é o que constitui um escândalo e como se devem justificar as alegações de escândalo.
Embora ambos os bispos afirmem que permitir o ritual fúnebre para um parceiro homossexual falecido seria escandaloso por aparentemente perdoar relacionamentos homoafetivos, outros católicos afirmam que negar um funeral religioso a um cônjuge homoafetivo falecido causaria escândalo por aparentemente justificar a discriminação contra os homossexuais. Qual a justificativa para algum escândalo se sustenta?
Escândalo é um juízo moral pessoal de que o comportamento ou a atitude imoral de uma pessoa leva outrem a praticar o mal e o é assim, sugerimos nós, aos olhos de quem o vê. Perguntamos, entretanto, se existem critérios objetivos para determinar se aquele que contempla está, ou não, fazendo um juízo moral acurado de uma atitude ou um comportamento que o escandalizaria e o levaria a praticar o mal.
A afirmação de que uma atitude ou um comportamento causaria “escândalo público” é exatamente isto, uma afirmação, não um argumento ético e, como qualquer afirmação sobre o certo ou o errado, precisa ser justificada com argumentos éticos. Na sequência, sustentamos, em três seções, que existem orientações éticas e canônicas para justificar as alegações de escândalos e, além disso, que o escândalo público no caso em consideração será mais provavelmente causado pela atitude e pelo comportamento dos bispos do que com a permissão de exéquias a um cônjuge homoafetivo falecido.
O nosso primeiro ponto gira em torno da definição de escândalo e de como se devem justificar os seus motivos. Um escândalo, repetimos, é “a atitude ou o comportamento que leva outrem a praticar o mal”. Esta definição levanta a questão: Onde reside o escândalo no caso em discussão? Na permissão de um funeral religioso a um parceiro gay falecido que levaria outrem a envolver-se em comportamentos homossexuais, ou no comportamento dos bispos direcionando os padres a negar um ritual católico a um cônjuge falecido num casamento homoafetivo que levaria outros a se engajarem em atitudes e comportamentos discriminatórios para com casais gays em específico, ou a membros da comunidade LGBT em geral?
Como acontece com a maioria das questões éticas, muitas vezes existem normas múltiplas e conflitantes para orientar o juízo moral sobre uma atitude ou um comportamento. Antes de abordar estas normas, façamos uma distinção importante entre a moralidade de uma atitude e um comportamento.
A definição de escândalo apresentado no catecismo distingue, acertadamente, entre uma atitude e um comportamento. Trata-se de uma distinção comum feita na ética teológica católica, entre a bondade e a maldade de um agente moral, sua atitude, disposição ou caráter, com a correção ou incorreção de um comportamento ou ato.
Por que esta distinção? Porque uma atitude ou um comportamento nem sempre coincidem moralmente. O exemplo clássico é dar esmolas (um comportamento moralmente certo) por vangloriar-se (uma atitude moralmente má). Moralmente avaliamos o comportamento com base na maneira como ele impacta as relações e a dignidade humanas. No caso de dar esmolas, tudo se iguala; fazê-lo melhora a dignidade humana. O ato, portanto, é certo. Vangloriar-se, no entanto, é moralmente uma atitude má que, segundo Tomás de Aquino, torna o ato moralmente mau, mas não necessariamente torna o comportamento errado. Uma atitude má, não ser piedoso ou não ser caridoso, por exemplo, sempre tornam um comportamento certo ou errado moralmente mau. Um comportamento errado, no entanto, envolver-se em um ato homossexual, por exemplo, nem sempre é moralmente mau se é feito com uma atitude boa.
Em outras palavras, existem uma distinção e uma hierarquia moral importante nas mornas morais a orientar as atitudes e os comportamentos. As normas atitudinais ou virtudinais são absolutas. O indivíduo deve sempre ser justo, amoroso e misericordioso; ser injusto, não amoroso ou não misericordioso é sempre moralmente mau por definição, jamais poderá se justificar; agir assim tornaria moralmente mau até mesmo um comportamento certo. Normas comportamentais, no entanto, embora possam ser absolutas como a norma que proíbe o comportamento homossexual, não necessariamente torna um comportamento moralmente mau. Dependendo da atitude, assim como de uma consciência bem-informada, um comportamento mau pode não ser moralmente mau e pode até mesmo ser moralmente bom. Se um comportamento não é moralmente mau, segue-se que não há grave pecado e, portanto, nenhum escândalo público legítimo.
Com base na distinção entre atitude e comportamento, existem normas diferentes e, muitas vezes, concorrentes que devem ser consideradas na justificação de escândalos. As normas concorrentes no caso em consideração são numerosas: a proscrição do comportamento homossexual; o magistério do Papa Francisco sobre as atitudes/virtudes da misericórdia, compaixão e amor por todo o Povo de Deus, incluindo todos os homossexuais; o mandamento evangélico a amor a Deus e ao próximo com a nós mesmos; e a regra de ouro para fazer aos outros o queremos que façam a nós. As alegações de escândalo público dependem não somente do reconhecimento das normas que alguém crê estarem sendo violadas e que estejam causando o escândalo, mas também da crença de que qualquer desconsideração aparente destas normas levará outrem a praticar o mal.
Difícil é imaginar, e argumento algum é apresentado para alimentar a imaginação, que um funeral religioso para um cônjuge homoafetivo falecido levaria católicos a acreditar que a Igreja não ensina mais que o comportamento homossexual é errado ou que o comportamento homossexual é, agora, moral. Um estudo do Centro de Pesquisas Pew, feito em 2017, mostra que a maioria dos católicos americanos (67%) apoia o casamento homoafetivo. [1] Seria um exagero de imaginação moral declarar que o exemplo moral desta maioria é resulta do escândalo público causado por permitir o ritual religioso de um cônjuge homoafetivo falecido. É muito mais fácil imaginar que a negação dos bispos a exéquias eclesiásticas cause escândalo para esta maioria ao legitimar, aparentemente, mais ainda o tipo de discriminação católica que as pessoas percebem tantas vezes na Igreja contra os homossexuais.
A linguagem da Igreja, ao descrever a homossexualidade como um “transtorno objetivo”, e a linguagem capciosa da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA sobre a “discriminação não injusta” de homossexuais, em oposição à Lei de Não Discriminação no Trabalho (Employment Non-Discrimination Act), já causaram infinitamente mais esdândalos do que quaisquer exéquias a um cônjuge homossexual falecido.
À luz da distinção entre atitudes e comportamentos e as normas que as governam, claro está que o escândalo em debate aqui pode ser avaliado a partir de diferentes perspectivas.
Do ponto de vista dos bispos, as justificativas e o escândalo público podem se sustentar pelo comportamento homossexual dos casais homoafetivos e pelo medo de que permitir uma cerimônia fúnebre a um cônjuge gay falecido possa levar outros a crer que a Igreja perdoa tal comportamento, conduzindo outrem a envolver-se neste comportamento condenado.
Do ponto de vista dos fiéis católicos, o escândalo público ocasionado pelos decretos dos bisops pode levá-los a crer que a discriminação injusta contra casais homoafetivos e a violação das virtudes do amor, da misericórdia e da compaixão, tão presentes no coração do Evangelho e do papado de Francisco, são legítimas, levando-os a se engajarem nesta mesma discriminação e violação.
O magistério da Igreja contra o comportamento homossexual é claro, todos os católicos o conhecem e é altamente improvável que um simples – e provavelmente anônimo – funeral religioso leve alguém a crer que o magistério católico não está mais em vigor e que levem as pessoas a se envolverem em comportamentos homoafetivos. A Igreja ensina que a “discriminação não injusta” contra homossexuais é legítima e ética e que é muito mais provável que algumas pessoas creiam que os bispos estão justificando uma discriminação contra as pessoas homoafetivas na Igreja que vai muito além da norma por uma tal “discriminação não injusta” nas profissões seculares.
Em suma, sustentamos que os decretos dos dois bispos causarão provavelmente mais escândalos públicos entre os católicos americanos ao, aparentemente, legitimar a discriminação contra homossexuais. Sustentamos este argumento com uma consideração do Direito Canônico e pelo magistério católico sobre a liberdade e a inviolabilidade da consciência.
O nosso segundo ponto, então, é canônico e convida a uma crítica severa à compreensão da doutrina católica destes bispos. O catecismo ensina que “É pecado mortal [ou grave] todo pecado que tem como objeto [comportamento/ato] uma matéria grave, e que é cometido com plena consciência [da incorreção do comportamento] e deliberadamente” (1857).
A lógica dos bispos na origem de seus decretos elide demasiadamente fácil a matéria grave do comportamento homossexual em pecado grave para justificar a asserção que fazem dos escândalos. Não há dúvida de que, aos olhos da Igreja, o comportamento sexual dos casais homoafetivos constitui matéria grave; tampouco há a dúvida de que ele constitui pecado grave somente quando os participantes possuem pleno conhecimento e o fazem deliberadamente. Está além de toda dúvida razoável que o critério comportamental do “pleno conhecimento” se realiza no caso dos parceiros católicos homoafetivos, pois é bem-conhecido o ensinamento da Igreja Católica que condena todo o comportamento homossexual como errado.
O que não está além de toda a dúvida é se o critério atitudinal de agir “deliberadamente” é alcançado, pois um consenso deliberado pode se inferir de múltiplas maneiras. O catecismo ensina, de modo claro, esta postura católica: “A imputabilidade e a responsabilidade de uma ação [comportamento] podem ficar diminuídas ou suprimidas pela ignorância, inadvertência, violência, medo, hábitos, afeições imoderadas e outros fatores psíquicos ou sociais” (1735).
Ao falar da masturbação, o texto acrescenta que “Para formar um justo juízo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos e orientar a ação pastoral, se deverá levar em conta a imaturidade afetiva, a força dos hábitos contraídos, o estado de angústia ou outros fatores psíquicos ou sociais que minoram ou deixam mesmo extremamente atenuada a culpabilidade moral” (2352). Tal instrução se aplica a todo o comportamento que envolva matéria grave.
Na tradição moral católica estabelecida, qualquer decisão comportamental dever discernir não só a verdade moral objetiva proposta a ela, como também toda e qualquer circunstância subjetiva relevante na qual a ação moral acontece.
Portanto, não deve ser surpresa ver Francisco claramente ensinar esta doutrina em Amoris Laetitia ("A Alegria do Evangelho”), sua exortação apostólica de 2016 sobre a família, de diferentes maneiras, sem, de modo algum, abandonar ou minorar a doutrina ou as normas comportamentais morais católicas.
A Igreja, sustenta ele, “possui uma sólida reflexão sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes. Por isso, já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada ‘irregular’ vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante”.
Muito embora o comportamento esteja errado aos olhos da Igreja, um consenso deliberado pode ser atenuado por parte do agente e, se o consenso deliberado estiver ausente, não pode haver pecado grave.
Francisco limita a sua consideração das situações irregulares a parceiros que se divorciaram e voltaram a se casar sem uma anulação matrimonial e aos parceiros que vivem juntos [antes do casamento], porém sua análise aplica-se também a outras situações consideradas gravemente pecaminosas, tal como uma união homossexual. Fatores podem existir em todas as situações irregulares que limitam o “consenso deliberado” e a capacidade de tomar uma decisão moral plenamente informada (Amoris Laetitia, 301).
Se o agir deliberadamente estiver em ausente ou for, de alguma forma, minorado, não pode haver pecado grave e, portanto, não haverá escândalo em permitir exéquias a um parceiro homossexual falecido. Um jeito de evitar o escândalo desnecessário é efetivamente disseminar o magistério católico autêntico aos que podem ficar escandalizados muito facilmente.
Se houver alguma dúvida sobre a ausência de um consenso deliberado quanto ao comportamento grave das pessoas, nem os casais homoafetivos, nem os casais divorciados e recasados sem anulação matrimonial, tampouco os que coabitam [antes do casamento] podem ser acusados de pecado grave e, portanto, não se lhes pode negar um funeral religioso ou a Comunhão. Não se pode supor um pecado grave simplesmente porque há matéria grave. Se as condições para um pecado grave foram todas atendidas ou não somente pode ser decidido por um processo de discernimento orientado por um assessor de dentro ou de fora do sacramento da Reconciliação (Amoris Laetitia, 291-312) e culminar num juízo de foro interno de consciência pessoal.
Aqueles que não são culpados de pecado grave porque as consições para o pecado grave não foram preenchidas devem ser admitidos à Comunhão conforme prescrito no Cânon 912 do Código de Direito Canônico da Igreja Católica: “Qualquer batizado, não proibido pelo direito, pode e deve ser admitido à sagrada comunhão”. Se esta lei se aplica à Sagrada Comunhão, ela deve certamente se aplicar também, mutatis mutandis, às cerimônias fúnebres a um parceiro homoafetivo casado que morreu.
É falta de caridade, é injusto e discriminatório um bispo emitir um decreto negando honras fúnebres a um parceiro homossexual falecido pressupondo de que o falecido morreu em grave pecado. É também contra o Direito Canônico que prescreve que “devem-se conceder exéquias eclesiásticas (…) de acordo com o direito” aos fiéis defuntos que não são culpados de pecado grave porque não se sabe se todas as condições para o pecado grave foram atendidas.
Em terceiro lugar, além de confundir erroneamente matéria grave com pecado grave para justificar a afirmação de possíveis escândalos públicos, os dois bispos também ignoram a coerente doutrina católica sobre a autoridade e a inviolabilidade de uma consciência bem-formada. Já no século XIII, Tomás de Aquino estabeleceu esta autoridade: “Qualquer pessoa a quem as autoridades eclesiásticas, na ignorância dos fatos verdadeiros, impuserem uma exigência que afronte contra a sua consciência limpa pereça em excomunhão, em vez de violar sua consciência” (Aquino, Sentenças, Livro IV).
Na declaração da infalibilidade papal, do Concílio Vaticano I, em 1870, este ensinamento sobre a consciência ficou apagado diante de expressões exageradas de autoridade doutrinal do papa e dos bispos. O modo como os católico tomariam uma decisão moral seria então disposto pelo Papa Pio X: “[…] essa Igreja é por essência uma sociedade desigual, isto é, uma sociedade que abrange duas categorias de pessoas, os Pastores e o rebanho […]”. Este último “não tem outro dever senão o de se deixar conduzir e, rebanho dócil, seguir os seus Pastores” (Vehementer Nos, 8).
Não poderia estar mais claro: para fazer um juízo moral, segundo Pio X, tudo o que um católico fiel precisa fazer é seguir as instruções de seu pastor em poder hierárquico. Esta foi também a visão do Papa João Paulo II e, aparentemente, é a de Paprocki e Morlino.
A visão de consciência que o Papa Francisco tem reflete o papel, a função e a autoridade da consciência postulada por Tomás de Aquino e pelo Concílio Vaticano II:
“O homem ouve e reconhece os ditames da lei divina por meio da consciência, que ele deve seguir fielmente em toda a sua atividade, para chegar ao seu fim, que é Deus. Não deve, portanto, ser forçado a agir contra a própria consciência. Nem deve também ser impedido de atuar segundo ela, sobretudo em matéria religiosa” (Dignitatis Humanae, 3).
Nesta perspectiva católica autêntica, um católico faz juízos morais concretos ao seguir sua consciência pessoal, um juízo prático de que ele – ou ela – deveria ou não se engajar num comportamento particular, ou que deveria ou não ter esta atitude particular.
Dada a fraqueza humana universal, evidentemente, todo juízo prático de consciência pode estar em erro. Se o erro não pode ser atribuído a falhas morais, ao fracasso em juntar as provas necessárias, envolver-se na deliberação necessária, tomar o conselho necessário, por exemplo, o juízo prático da consciência não somente pode como também deve ser seguido.
Quando um católico fiel fez tudo o que podia fazer nas circunstâncias e dentro de suas limitações para reunir informações, ter o aconselhamento apropriado, deliberar, discernir, ele – ou ela – pode se recolher no juízo prático da consciência, mesmo se, conforme argumentava Aquino, o juízo for contrário à autoridade eclesiástica.
No caso em que os cônjuges homoafetivos julgam, de acordo com uma consciência bem-formada, que o comportamento sexual íntimo dentro da relação mantida não está errado, mas que é certo, eles estão moralmente justificados em seguir este juízo. O comportamento homoafetivo deles certamente violaria a norma católica que condena o comportamento homossexual, porém não seria uma atitude má nem gravemente pecaminosa. Ela não deveria, então, ser usada sem provas para justificar a alegação de um escândalo público.
Terminamos esta análise concluindo que, uma vez que matéria grave não pode ser presumida sem provas para ser também um pecado grave, Paprocki e Morlino correm um risco maior de escândalo público ao negarem exéquias eclesiásticas a um parceiro homossexual falecido, parecendo assim perdoar e promover a discriminação injusta contra casais homossexuais, do que se permitissem uma cerimônia fúnebre, desse modo parecendo perdoar e promover o comportamento homoafetivo.
Os decretos deles tanto carecem de uma justificativa ética, canônica ou moral que podem causar escândalos públicos, mas não o escândalo de promover o comportamento homossexual ao permitir a cerimônia fúnebre de um parceiro gay falecido, mas o de fomentar atitudes discriminatórias de juízo injusto e a condenação de parceiros homoafetivos. A falta das virtudes evangélicas do amor, da misericórdia e da compaixão em seus decretos, a pressuposição implícita e sem fundamentos deles sobre a condição da vida espiritual de uma pessoa morta, bem como a sua abordagem ultrapassada ao que diz Pio X diante da autoridade e da inviolabilidade da consciência pessoal podem todos causar o escândalo público da promoção da discriminação contra casais gays e de lésbicas.
Compreendendo o magistério católico sobre a autoridade da consciência, o Papa Francisco corretamente tem afirmado que nós, isto é, os pastores e os fiéis católicos também, custamos “deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites”. Segundo ele, “somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las” (Amoris Laetitia, 37).
O papa também convidou, em diversas vezes, a Igreja a se desculpar pela mágoa que ela tem causado às pessoas homoafetivas.
Os decretos que negam cerimônias fúnebres a um fiel católico gay falecido, com a pressuposição de conhecer a condição de sua alma, só pode causar escândalo público à maioria dos católicos que apoiam os gays e as lésbicas com orientação homossexual natural, e que se voltam para os seus líderes para também reconhecer, compreender e apoiá-los.
Em sua história, a Igreja já causou mágoas o suficiente aos homossexuais. É chegada a hora de esta dor terminar e ser substituída pelo entendimento, pela compreensão e pelo reconhecimento da dignidade de todo o ser humano, incluído todo ser humano homossexual.
[1] Conferir o texto “Changing Attitudes on Gay Marriage”, disponível aqui.
www.pewforum.org/fact-sheet/changing-attitudes-on-gay-marriage/
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O escândalo pode estar em não realizar exéquias para gays, dizem teólogos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU