25 Setembro 2017
“A originalidade do serviço teológico consiste em abordar a Palavra e em apelar às outras fontes, ativando o princípio da razão e até mesmo a criatividade do teólogo para um desígnio e uma construção teológicos usando todos os materiais de que dispõe.”
A reflexão é do teólogo e padre italiano Michele Giulio Masciarelli, professor da Pontifícia Faculdade Marianum, em Roma, e do Istituto Teologico Abruzzese-Molisano, em Chieti, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 20-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que é teologia? É a primeira pergunta que devemos nos fazer para poder falar, em seguida, sobre a sua importância para a pastoral. Pode-se responder a ela de muitos modos.
Respondo a ela motu proprio, recorrendo unicamente às minhas convicções pessoais, amadurecidas na vida pastoral (especialmente na vida diocesana e paroquial) e nas várias décadas de ensino da teologia, naquela forma cíclica e completa que se requer na formação dos futuros pastores dos seminários maiores, além do ensino universitário.
Evidentemente, faço uma seleção entre as inúmeras definições possíveis da teologia, privilegiando aquelas que, em geral, abrem o seu serviço à Igreja e à pastoral em particular.
1. A teologia, um serviço da Palavra
A teologia parte da Palavra para receber dela o primeiro conteúdo da sua reflexão, para oferecer a ela um serviço original, que não deve ser confundido com os outros serviços da Palavra (querigma, catequese, homilia, magistério).
A originalidade do serviço teológico consiste em abordar a Palavra e em apelar às outras fontes (liturgia, patrística, história do dogma, história da teologia, história da piedade, hagiografia etc.), ativando o princípio da razão e até mesmo a criatividade do teólogo para um desígnio e uma construção teológicos usando todos os materiais de que dispõe.
A teologia não substitui nenhum outro serviço da Palavra, mas também não se deixa substituir por nenhum deles. Entre eles, ao contrário, cria-se uma circularidade virtuosa, uma proteção mútua, uma vigilância recíproca, uma alimentação intercambiável.
A teologia sofreu de uma espécie de carência de identidade: é uma competência de que todos precisam, mas sobre a qual muitos alimentaram uma desconfiança imotivada, enquanto se custou a reconhecer ao teólogo uma clara e importante vocação eclesial. Agora, porém, felizmente foi tematizada a personalidade eclesial do teólogo como crente-pensador, intelectual-eclesiástico, discípulo do Evangelho e mestre do conhecimento [1].
2. A ciência do mistério
A teologia medita sobre o mistério, o não Objeto, já que o mistério é Deus mesmo, que não se deixa objetivar, muito menos dominar como uma ciência qualquer tenta fazer com o seu objeto (estas também, porém, sem nunca conseguir isso plenamente).
O mistério não se deixa racionalizar, menos ainda geometrizar. Deus é Deus, e a teologia deve respeitá-lo na sua alteridade e diferença; a teologia deve deixar que Deus seja Deus, aceitando o fato de que – no fim – só Deus é teólogo: “Se só Deus conhece Deus, nós devemos nos calar ouvindo-o? Não, escutá-lo, para o homem, é dar graças pela palavra ouvida, que é palavra de vida. Portanto, não é possível simplesmente repetir o que se ouviu, como exige o Alcorão, segundo o qual a teologia é herética em si mesma. Essa escuta ativa, com a ação de graças, pode ser chamada de teologia? Sim, se definirmos teologia como o ato pelo qual Deus se fala, doando-se a si mesmo e aos homens. Isso contém em si, implica, chama e exige o ato do homem que lhe responde. Esse ato não é somente teologal, isto é, movido pela palavra e pela vida divina, mas também teológico: ele participa desse conhecimento que Deus tem de si mesmo no ato de se doar a si mesmo: assim, esse conhecimento pode ser chamado de intelectual, mas é para designar a inteligência que Deus tem da sua liberdade” [2].
A teologia, por isso, não renuncia à sua obra, encorajada pelo fato de que Deus mesmo se oferece ao conhecimento e à reflexão, já que lhe aprouve “revelar a si mesmo” [3] de muitas maneiras, “com gestos e palavras intimamente ligadas entre si” [4], mas, sobretudo, com a encarnação do seu Filho no seio da Virgem Mãe, assumindo, desse modo, a nossa condição humana, inscrevendo-se, por isso, na nossa existência enraizada em um contexto espaço-temporal e assumindo a nossa estrutura comunicativa com o seu conjunto de sinais e símbolos, com as suas regras expressivas de objetividade, reciprocidade, gradualidade etc.
Por causa do seu Objeto não capturável (o mistério), a teologia também se qualifica – assim como todos os outros saberes – como uma ciência do limite: aliás, Deus é mistério para todos os serviços da Palavra e será mistério também no Céu, quando e onde “o veremos tal como ele é” (1Jo 2, 3).
3. A cultura da fé
A teologia é ciência sagrada, porque parte da fé da Igreja e volta a ela para ajudá-la a assumir uma nova visão, justamente, a da fé pensada, que é uma exigência permanente, porque é a própria pessoa crente que exige crer e pensar juntos, sem nunca trocar um pelo outro [5].
A teologia tenta tornar a fé inteligível, que é diferente de racionalizá-la: a inteligibilidade é o limiar máximo ao qual a teologia chega e é daquilo que o crente precisa. “O ‘mérito’ da teologia, com efeito, nada mais é do que a inteligibilidade daquela fé em nome da qual se levanta a questão da ‘legitimidade’ da instituição teológica” [6].
A teologia raciocina sobre a fé, que é o mistério acolhido e vivido por uma comunidade de graça, como é o povo santo de Deus. Por isso, não há uma fé pública e uma teologia privada. “A fé sempre implica pertença a um todo e, justamente por isso, um sair do fechamento de si. Mas a Igreja também não é um espaço espiritual não tangível, em que cada um tem que escolher aquilo que mais lhe agrada. Ela é concreta, na palavra vinculante da fé. E é voz viva, que diz as palavras de fé” [7].
A teologia nasce da experiência de fé, cujo primeiro início é a conversão, mas cujo nome sintético e global é a santidade: “O discurso sobre a conexão entre teologia e santidade não é, portanto, sentimental ou pietista, mas tem o seu fundamento na lógica das coisas e tem do seu lado o testemunho de toda a história. Não é possível pensar em Atanásio sem a nova experiência de Cristo de Antônio abade; Agostinho, sem a paixão do seu caminho pela radicalidade cristã; Boaventura e a teologia franciscana do século XIII, sem a nova e gigantesca atualização de Cristo na figura de São Francisco de Assis; Tomás de Aquino, sem a paixão de Domingos pelo Evangelho e pela evangelização; e se poderia continuar assim ao longo de toda a história da teologia” [8].
1. Pensar a Palavra para servir e louvar a Deus
A dimensão eclesial não tira cientificidade da teologia, mas a torna possível, cria-a e garante-a: “Para a ciência teológica, a Igreja não é uma instância estranha. Ao contrário, ela é o fundamento da sua existência, a condição da sua possibilidade. E a Igreja, por sua vez, não é um princípio abstrato; ao contrário, ela é um sujeito vivo, é conteúdo concreto. Pela sua natureza, esse sujeito é mais amplo do que toda pessoa individual; ou, melhor, do que toda geração individual” [9].
É por isso que, nos últimos tempos, ressalta-se cada vez mais o caráter eclesial da teologia e a vocação eclesial do teólogo [10]. De modo que não existe uma fé sem o sujeito eclesial que a vive e a encarna na história, assim como não pode ser teologizada por um sujeito privado, mas sim por um sujeito eclesial: aqui, entende-se por que as “relações de colaboração” entre teologia e magistério são essenciais [11], porque o nascimento, o crescimento, a defesa da fé na comunidade crente são confiados principalmente aos “mestres da fé” [12].
Em particular, a teologia reflete sobre a vida crente e orante da Igreja, assim como ela se manifesta na liturgia, já que esta é “o cume ao qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte da qual emana toda virtude” [13].
Afirmamos que a teologia deve ser pastoral porque o cristianismo é religião de salvação; agora, devemos completar o discurso dizendo que a teologia deve ser pastoral porque o cristianismo é religião-de-louvor.
2. Mediar a Palavra com as “cruzes da hora”
A teologia é uma ponte: esforça-se para conectar a palavra de Deus e a vida da Tradição com as “cruzes da hora” (P. Mazzolari). Isto é, é um grande e insubstituível serviço de mediação: a Palavra de sempre e para todos deve ser referida e adaptada ao momento histórico, às condições existenciais do povo de Deus em uma dada hora histórica e em uma particular curva geográfica, porque, entre outras coisas, nunca se deve esquecer que “o cristianismo é história e geografia” (Giorgio La Pira). Trata-se de tornar Jesus indígena, fazer com que ele se torne contemporâneo e conterrâneo dos homens.
Depois de ter “identificado” com o ato de fé em Jesus de Nazaré o Senhor e o Mediador, o problema capital dos cristãos é o de ajudar os homens a experimentarem a contemporaneidade com ele, porque, sem viver a contemporaneidade com Cristo, somos como aqueles que não o conhecem, não creem nele ou o rejeitam.
Saber da sua existência não é suficiente; é preciso viver dele e com ele; também não basta viver para ele e como ele (o cristianismo não é, acima de tudo, ética e imitação de Cristo). A teologia sabe ajudar tanto em uma quanto em outra obra cristã.
1. P.-A. Sequeri. L’istituzione teologica, editado por Giuseppe Colombo. In: Aa.Vv., Il teólogo. Milão: Glossa, 1989, p. 8.
2. G. Chantraine. Che cos’è la teologia. Casale Monferrato: Piemme, 1989, p. 10.
3. Const. dogm. Dei Verbum, n. 1.
4. Const. dogm. Dei Verbum, n. 2.
5. Cf. dois preciosos livros de P. Rossano: Vangelo e cultura, Milão: Paoline, 1985; La fede pensata. Sul dialogo tra Vangelo e cultura. Milão: Camunia, 1988.
6. P.-A. Sequeri. L’istituzione teológica, editado por Giuseppe Colombo. In: Aa.Vv., Il teologo, cit., p. 9.
7. J. Ratzinger. Natura e compito della teologia. Il teologo nella disputa contemporanea. Milão: Storia e dogma, 1993, p. 57.
8. Ibidem, p. 55.
9. Ibidem, p. 57.
10. Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Donum veritatis sulla vocazione ecclesiale del teologo (02-05-1990), nn. 6-12.
11. Ibidem, nn. 21-31.
12. Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Donum veritatis, cit., nn. 13-20.
13. Const. dogm. Sacrosanctum concilium, n. 10.
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O que é ''teologia''? Artigo de Michele Giulio Masciarelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU