27 Julho 2017
É um papa de olhar carrancudo, com um sorriso de sombrio desapontamento, aquele que, na manhã de sábado, 4 de fevereiro de 2017, olha para os romanos. Alguns bairros da capital estão cobertos de cartazes anônimos e ilegais. Nos murais, uma longa frase: “A France’, hai commissariato Congregazioni, rimosso sacerdoti, decapitato l’Ordine di Malta e i Francescani dell’Immacolata, ignorato Cardinali... ma n'do sta la tua misericordia?” [Ah, Chico, supervisionaste Congregações, removeste sacerdotes, decapitaste a Ordem de Malta e os Franciscanos da Imaculada, ignoraste Cardeais... mas onde está a tua misericórdia?”]. Quem foi? Os suspeitos vão logo em uma direção: a direita clerical, inclinada à Tradição e, às vezes, ao fascismo. São os novos fariseus, aqueles para os quais a fé é apenas a árida Doutrina, com maiúscula.
A reportagem é de Fabrizio D’Esposito e Carlo Tecce, publicada por FQ Millennium, do jornal Il Fatto Quotidiano, 25-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Foi o próprio Papa Francisco quem os definiu assim, no dia 13 de dezembro passado, durante a meditação matinal na capela de Santa Marta: “O clericalismo na Igreja é um mal feio que tem raízes antigas e sempre tem como vítimas o ‘povo pobre e humilde’: não por acaso que o Senhor repete aos ‘intelectuais da religião’ que pecadores e prostitutas os precederão no reino dos céus”.
Clericais como os fariseus do Sinédrio que condenaram Jesus, “homens de poder” que “tiranizam o povo instrumentalizando a Lei”. A Doutrina, justamente. O papado revolucionário de Francisco cercado por inimigos: o mandato recebido do conclave para limpar a Cúria Romana dos tantos males mundanos (começando pela corrupção) provocou abalos. São muitos os “corvos”, novos e velhos, de batina ou não, que remam contra Bergoglio para forçá-lo a renunciar.
Em quase cinco anos, sobre ele, choveu de tudo: a farsa do tumor no cérebro; o segundo ato do Vatileaks; a retumbante revolta dos cardeais conservadores sobre as aberturas aos divorciados; aqueles cartazes anônimos e as orações para fazê-lo renunciar; a constante campanha de alguns meios de comunicação de direita e as resistências da Cúria Romana sobre as reformas econômicas.
Para encontrar um precedente desse tipo, é preciso voltar a mais de meio século atrás, com Paulo VI. O Papa Montini, sucessor de João XXIII, foi o epicentro do confronto pesado que se jogou sobre outra revolução: a do Concílio Vaticano II e que marcou uma divisão entre clericais e progressistas.
O Papa Roncalli morreu durante o Concílio, em 1963, e coube a Paulo VI continuar a sua obra. O peso daqueles tempos terríveis, nove anos depois, manifestou-se em uma frase montiniana que passou para a história. Ele a pronunciou no dia 29 de junho de 1972, solenidade dos Santos Pedro e Paulo, padroeiros de Roma: “A partir de alguma fissura, a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus”.
Na época, porém, não havia a web e as redes sociais como hoje. E também por isso a batalha antifranciscana ressoa difusamente.
Voltemos ao dia 4 de fevereiro passado. O primeiro a simpatizar com os cartazes foi o historiador Roberto de Mattei, ex-conselheiro de Gianfranco Fini e animador da Fundação Lepanto. Em um artigo do dia anterior no site Corrispondenza Romana, a agência de informação que ele dirige, De Mattei antecipou as acusações contra Bergoglio que apareceriam nos muros romanos depois de algumas horas.
No dia 5 de fevereiro, depois, no jornal Il Tempo, o próprio De Mattei exalta e desclassifica os cartazes como “pasquinada” e “pungente protesto em dialeto romano”. O historiador da direita tradicionalista também se orgulha de ser um devoto discípulo do professor Plínio Corrêa de Oliveira, mais conhecido como o “doutor Plínio”, pensador católico antidemocrático e contrarrevolucionário.
Falecido em 1995, o brasileiro “doutor Plínio” promoveu a associação TFP, Tradição, Família e Propriedade, da qual nasceram os Arautos do Evangelho. Em meados de junho, o presidente dos Arautos do Evangelho renunciou do seu cargo por causa de uma investigação iniciada pelo Vaticano. Ele se chama João Scognamiglio Clá Dias.
Em um vídeo divulgado pelo site Vatican Insider, Monsenhor Clá relata a 60 sacerdotes a transcrição de um diálogo particular: entre um padre e um demônio durante um exorcismo. A reunião é de fevereiro de 2016, depois da peregrinação de Bergoglio ao México. O diabo, de acordo com o monsenhor Clá, está entusiasmado com Francisco: “Ele é meu, é meu, ele faz tudo o que eu quero, ele é um estúpido. Ele me obedece em tudo, ele ama minha glória, ele ama a honra. Não importa o que for, ele está disposto a fazer por mim. Ele é um estúpido, é uma alma estúpida. Ele me serve”. Os sacerdotes que escutam, riem convencidos.
Continua o demônio através da boca do chefe dos Arautos do Evangelho: “O papa vai morrer, ele vai escorregar e vai cair no Vaticano. O doutor Plinio está incentivando a morte do papa”.
A guerra contra Francisco foi deflagrada em meados de 2015. Era o dia 21 de outubro quando o jornal Quotidiano Nazionale disparou uma farsa surpreendente: “Papa tem um tumor no cérebro”. Dez dias depois, em seguida, a Gendarmeria vaticana desmascarou os corvos do Vatileaks 2: um monsenhor espanhol que se chama Lucio Angel Vallejo Balda e uma estonteante mulher de 30 anos chamada Francesca Imaculada Chaouqui.
Desde então, o fronte anti-Bergoglio, que nos sites da direita tradicionalista é ridicularizado como um novo Lutero, uma espécie de antipapa escolhido pelo demônio em vez do Espírito Santo, é fortalecido por outros ataques, também de natureza teológica.
Uma fonte que frequenta a Casa Santa Marta conta à FQ Millennium: “Francisco está muito sereno e seguirá em frente na sua obra de limpeza e de renovação. A renúncia? Ele nunca pensou nisso, a menos que...”. A frase se interrompe. As reticências encobrem um tom, de repente, preocupado.
“A menos quê?”, perguntamos. “A menos que haja um escândalo enorme que invista contra alguma figura que goza da sua confiança. Veja, Francisco é, sim, desconfiado, mas, muitas vezes, escolhe por impulso, confiando no seu instinto, e algo pode dar errado.”
A renúncia, portanto, é o verdadeiro objetivo daqueles que, na Igreja, combate esse papa que veio “do fim do mundo”. As semelhanças com o primeiro Vatileaks são várias, mas a ratio é diferente.
O escândalo que marcou o fim do pontificado teutônico de Joseph Ratzinger começou no início 2012. O corvo da época, o mordomo “papal” Paolo Gabriele, agiu com boas intenções. Objetivo: trazer à tona as intrigas do círculo mágico relacionado com o famigerado cardeal Tarcisio Bertone e o ambicioso Georg Gänswein, e tentar salvar Bento XVI.
Mas o deslize sobre os negócios do IOR, o banco chamado de Instituto para as Obras de Religião, e sobre o poder temporal da Cúria tornou-se avalanche. Um ano depois, no dia 11 de fevereiro de 2013, Bento XVI anunciou a sua renúncia ao ministério petrino “por causa da idade avançada”.
Alguns meses antes de deixar o Palácio Apostólico, Ratzinger nomeou Gänswein prefeito da Casa Pontifícia. Por educação cristã, Bergoglio não o removeu. Mas, com uma tática, ousaríamos dizer, muito democrata-cristã, ele o deixou no dolce far niente de um cargo esvaziado pela presença discreta de Leonardo Sapienza, o governante da Casa Pontifícia. Cada dia de Francisco é supervisionado por Sapienza, não por Gänswein. Quando Bergoglio pretende se livrar de uma presença incômoda, ele sugere voltar para casa, no mínimo em oração, e abandonar a vida surreal da cidade-Estado.
Dom Gänswein, entre Francisco e Bento XVI
A Bertone, o cardeal que mora em um apartamento do Vaticano reformado com o dinheiro do Hospital Bambino Gesù, Francisco aconselhou que passe os últimos período concedidos pelo Senhor em Valdocco, casa-mãe de Dom Bosco, o verdadeiro lar de um verdadeiro salesiano.
Para Gänswein, ao contrário, como confirmado por dois importantes prelados à FQ Millennium, Bergoglio previu uma diocese na Alemanha: “Mas os bispos alemães concordam?”, pergunta retoricamente um colaborador de Bergoglio. Não, é claro que não. Os alemães, liderados pelo cardeal progressista Reinhard Marx, preferem que Gänswein fique em Roma ao lado do seu amigo Gerhard Ludwig Müller.
O nome de Müller é sempre citado pelos biógrafos de Bergoglio para indicar um acérrimo inimigo que dominava a partir do Santo Ofício, a atual Congregação para a Doutrina da Fé. Müller é contraposto ao idoso cardeal Walter Kasper, que compartilha plenamente as aberturas de Bergoglio aos divorciados, aos homossexuais, aos últimos da sociedade, aos quais as portas do Senhor não devem ser fechadas na cara.
Para alimentar o confronto totalmente alemão e totalmente papal, defende-se que Müller é um pupilo de Ratzinger. Na realidade, Bento queria enviá-lo para o Arquivo Secreto vaticano, rodeado pelos livros, certamente, mas inócuo. Ao contrário, Müller ansiava por ressaltar os seus dissabores em relação à Secretaria de Estado, onde Bergoglio colocou o ex-núncio Pietro Parolin, determinante para aumentar o papel do Vaticano no exterior, da resolução de paz na Colômbia com as Farc ao retorno dos Estados Unidos à Cuba ainda castrista.
Francisco e o cardeal Müller
Algumas semanas atrás, Müller convocou ao seu escritório quatro assistentes no predicado de receber uma promoção da Secretaria de Estado, que, porém, concedeu apenas duas. Por decoro, geralmente, informam-se os promovidos e não os rejeitados, mas o alemão trabalhou para agravar as distâncias, não para debelar os ressentimentos. Na Secretaria de Estado, porém, especialmente entre as segundas hierarquias, “uma aglomeração do clero com os leigos que seguem e executam” (citação de uma fonte nossa), encalham-se as iniciativas do Papa Francisco. Como a seção Migrantes e Refugiados do dicastério para o Serviço ao Desenvolvimento Humano Integral, que Bergoglio instituiu há alguns meses, pondo no centro o símbolo da piedade no mar, um colete salva-vidas laranja.
O movimento perpétuo de desistência dentro da Cúria também sancionou o maior fracasso do pontificado: a reforma da economia com a bússola da transparência. O cardeal George Pell, enfraquecido pela acusação de ter encoberto abusos na sua ex-diocese na Austrália, tinha que liderar a bolsa do Vaticano na Secretaria para a Economia, mas se encontrou alvejado pelas revelações da investigação australiana, dos livros do Vatileaks 2, que esboçaram o perfil de um gastador com tendência ao luxo, dominado pelo colega Domenico Calcagno, resíduo da época de Bertone, chefe da riquíssima APSA, o órgão que administra o patrimônio da Sé Apostólica.
Cardeal Pell e Francisco
Pell limitou-se à “compilação da folha de pagamento”, como repetem as nossas fontes, e não condicionou as estratégias de Calcagno, um cardeal da Ligúria colecionador de pistolas. Para conter Calcagno, em meados de 2013, Bergoglio enviou à APSA o Mons. Mauro Rivella, delegado para a seção ordinária da estrutura: “Eu espero que haja alguém honesto lá”, suspira um expoente da Cúria próximo de Francisco.
Outro aspecto desse confronto é muito recente. Com um comunicado de três linhas, no dia 20 de junho, o Vaticano anunciou a demissão de Libero Milone, nomeado há dois anos como auditor-geral das contas pelo Papa Francisco.
Milone fracassou: não conseguiu coordenar e sondar as despesas da cidade-Estado, como prova dos contrastes incuráveis entre a Secretaria para a Economia de Pell e a APSA de Calcagno. Depois da denúncia de Milone pela violação do seu computador no escritório vaticano, foi iniciada a investigação dos gendarmes que resultou no Vatileaks 2. Agora, o adeus do ex-chefe da Deloitte pode muito bem se tornar o prólogo do Vatileaks 3.
O emaranhado do antibergoglismo também se apoia em sites, blogs e jornais como Libero, Il Giornale, Il Tempo e Il Foglio. E reúne assinaturas de autoridade, horrorizadas com o novo curso franciscano em matéria de Doutrina e Liturgia: o escritor Antonio Socci; os vaticanistas Sandro Magister, Marco Tosatti e Aldo Maria Valli; outros ensaístas e colunistas como Riccardo Cascioli, Vittorio Messori e Rino Cammilleri.
Os pontos de referência dessa galáxia minoritária são os quatro cardeais que redigiram as fatídicas Dubia, plural latino de dúvidas. Os seus nomes, em ordem alfabética: Walter Brandmüller, Raymond Leo Burke, Carlo Caffarra e Joachim Meisner.
As Dubia foram entregues a Francisco no dia 19 de setembro de 2016 e contestam, fundamentalmente, as aberturas aos divorciados em segunda união por parte da Amoris laetitia, a exortação apostólica que Bergoglio publicou depois do Sínodo sobre a família. O papa nunca respondeu, e, em janeiro deste ano, o cardeal Burke até ameaçou um ato formal de correção do grave erro do pontífice. Para Burke, o Papa Francisco pode até ser acusado de “heresia formal”, que o faria decair automaticamente do ministério petrino.
Renúncia, decadência, morte. São as estradas percorridas por aquela Igreja que quer se livrar de Bergoglio.
A esperança da morte volta nas palavras de Dom Luigi Negri, ex-bispo de Ferrara. No dia 28 de outubro de 2015, em um trem Frecciarossa que partiu da estação de Roma Termini, o prelado está ao telefone com Renato Farina, assinatura do Comunhão e Libertação no jornal Libero, que colaborava com o Sismi de Nicolo Pollari, com o pseudônimo de “Betulla”.
Dom Luigi Negri, ex-arcebispo de Ferrara
Esta é a frase de Dom Negri: “Esperamos que, com Bergoglio, Nossa Senhora faça o milagre como fez com o outro”. O outro é João Paulo I, Papa Luciani, que morreu em 1978 depois de apenas 33 dias de pontificado.
Raymond Burke é um estadunidense do Wisconsin, que se tornou o antipapa dos tradicionalistas. Diz outro prelado renomado consultado pela FQ Millennium: “Burke é um personagem folclórico. Na realidade, entre os cardeais das Dubia, o único que tem uma certa densidade teológica é Caffarra, arcebispo emérito de Bolonha”.
Francisco e o cardeal Burke
Bento XVI nomeou Burke como chefe da Signatura Apostólica, o supremo tribunal da Santa Sé. Francisco o removeu, aposentando-o com uma cadeira supermundana: patrono da Ordem de Malta.
Os famosos Cavaleiros têm mais de dez séculos de história. Eles nasceram com as Cruzadas em Jerusalém. Hoje, a Ordem é um gigante da diplomacia humanitária: tem relações oficiais com mais de 100 Estados e, nas Nações Unidas, tem o status de observador permanente. A sede do governo é no Palácio Magistrale, na rua mais rica do centro de Roma, na Via dei Condotti. Mas o coração pulsante da Ordem bate no Aventino, entre as colinas mais belas e exclusivas da capital italiana: Villa Magistrale, onde o Grão-Mestre recebe oficialmente chefes de Estado e representantes de governos.
E foi dos Cavaleiros de Malta, sob a direção de Burke, que partiu outro desafio para Bergoglio, no fim de 2016. A partir da antiga confidencialidade da Ordem, vaza uma notícia importante: o Grão-Mestre Fra’ Matthew Festing, inglês, suspendeu do cargo de Grão-Chanceler o barão alemão Albrecht von Boeselager.
Von Boeselager, Fra’ Festing e Francisco
A cúpula dos Cavaleiros está estruturada como um governo. O Grão-Mestre é eleito de forma vitalícia e é o líder absoluto. O Grão-Chanceler, ao contrário, combina as funções de ministro do Interior e das Relações Exteriores. A culpa de Von Boeselager remonta a quando ele geria as imponentes ajudas de saúde, como Grão-Hospitalário. Durante o seu mandato, foram distribuídos preservativos em zonas do mundo devastadas pela Aids, em vários Estados africanos e asiáticos. Uma culpa grave. Os Cavaleiros de mais alto grau devem, por constituição, ser nobres e religiosos professos, isto é, ter feito a profissão dos votos solenes de castidade, pobreza e obediência.
Von Boeselager é considerado um católico liberal. O seu pai, Philipp, em julho de 1944, esteve entre os militares conspiradores da Operação Valquíria, a tentativa fracassada de derrubar o regime de Hitler. O irmão de Albrecht, porém, chamado Georg, foi nomeado por Francisco no conselho leigo do IOR.
Depois da suspensão, o Papa Bergoglio abriu um inquérito sobre a Ordem. A primeira decisão surpreendente abalou os Cavaleiros no fim de janeiro. A comissão de inquérito desejada pelo pontífice chegou a duas conclusões: Von Boeselager devia voltar a ser o Grão- Chanceler, e Fra’ Festing devia renunciar como Grão-Mestre. À espera do “conclave” para o sucessor, a Ordem foi confiada a um tenente interino e a um delegado especial da Santa Sé.
Mas a guerra continuou, alimentada também por Burke. A virada final, não sem outras surpresas, chegou no fim de abril. No dia 29, foi eleito o novo líder. Não um Grão-Mestre, mas, como sugerido pelo próprio pontífice, um tenente geral: o italiano Fra’ Giacomo Dalla Torre del Tempio di Sanguinetto. Em Roma, apesar da explícita proibição do Vaticano, também se apresenta Fra’ Festing. Ele quer se candidatar novamente. Esta é a primeira vez, em mil anos de história, que um Cavaleiro não obedece ao pontífice.
O mandato do novo tenente é o de reformar a Ordem. Os Cavaleiros orgulham-se de um patrimônio astronômico: 1,7 bilhão de euros. E, à rixa interna entre alemães e ingleses, está relacionado o caso de uma polêmica doação de 30 milhões de francos suíços por parte de um truste de Genebra. Dinheiro de origem misteriosa que é investigado pela magistratura suíça por peculato.
Nos ambientes clericais dos fariseus de direita, a derrota sofrida na Ordem de Malta é percebida como mais um golpe fracassado contra Bergoglio. É a mesma partitura que os conservadores tocam já desde meados de 2015, quando foi divulgada a farsa do tumor no cérebro de Francisco e evocou-se pela primeira vez a morte salvífica do pontífice.
Nas páginas do Avvenire, jornal oficial da Conferência Episcopal Italiana, foi até o diretor Marco Tarquinlo que indicou a fonte do boato: “Apesar de qualquer imundície que é esterilmente posta em circulação, o caminho da Igreja prossegue. (...) Podemos dizer? Sim, digamo-lo: somos simples e somos franciscanos, não ‘bisignani’”. Escrito com desprezo com minúscula, como um substantivo e não como um sobrenome,
Tarquinio se refere a Luigi Bisignani, negociador com duas condenações definitivas, pelo caso de propina da Enimont que transitou sobre as contas do IOR e pela loja paramaçônica P4.
Aluno reconhecido de Licio Gelli, venerável da loja P2, o condenado Bisignani, de simples office-boy andreottiano, na Primeira República, tornou-se um dos homens mais poderosos e invisível do berlusconismo, graças ao seu antigo vínculo com Gianni Letta.
Entre o negociador e a farsa, há um indubitável fio japonês: o oncologista Takanori Fukushima, que Bisignani conhece por histórias familiares. Fukushima teria visitado o papa, como vazou, mas não é nada verdade, e o médico teria até modificado uma foto dele que o mostra na companhia de Bergoglio. Como especialista em técnicas de despistatórias e membro da loja P4 e do Partido Democrático, ele tentou também culpar, sem sucesso, Joaquín Navarro-Valls, ex-porta-voz de João Paulo II e poderoso membro do Opus Dei, de ser o propagador da falsa notícia. E o fez com um artigo no Il Tempo, jornal muitas vezes no centro da batalha contra o bergoglismo.
Aquilo que aconteceu dez dias depois, no início de novembro, fornece um quadro mais claro: a Gendarmeria vaticana prende o Mons. Lucio Angel Vallejo Balda e a relações-públicas Francesca Immacolata Chaouqui, que, dentre outras coisas, orgulha-se de ser amiga de Marco Carrai, fidelíssimo d Matteo Renzi.
Francesca Immacolata Chaouqui e Mons. Balda
Ambos, o monsenhor e a relações-públicas, fazem parte da Cosea, a comissão-símbolo da renovação de Francisco para as finanças, e são acusados de ter fornecido a dois jornalistas, Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi, documentos confidenciais.
Também desta vez entrevê-se a sombra sinistra de Bisignani. O Mons. Balda o acusa de ser “o chefe” de Chaouqui, sic et simpliciter. Os inquéritos são dois: um vaticano, o outro, italiano, depois transferido de Terni para Roma e ainda não encerrado. No fundo, emerge o eterno perfil da maçonaria católica e da obscura nobreza papal, inclinada à Tradição.
Chaouqui ostenta credenciais recebidas da condessa Marisa Pinto Olori del Poggio, Sua Excelência Dama Grã-Cruz de Justiça da Sacra Ordem Militar Constantiniana de São Jorge. A condessa foi vice-presidente da Fundação Jerusalém, quando esta era liderada por Giancarlo Elia Valori, administrador e outra divindade da maçonaria católica inscrito no Grande Oriente da Itália, a maior obediência italiana, e na loja desviada da P2.
É um mundo que quer resistir à revolução franciscana de Bergoglio. O próprio Bisignani, na era Ratzinger, foi publicamente reconhecido como “grande amigo” de Marco Simeon.
Dom Carlo Maria Viganò, em uma feroz carta a Bento XVI, descreveu Simeon como símbolo do lobby gay protegido pelo cardeal Bertone. Textualmente.
O processo vaticano condenou Balda a 18 meses e Chaouqui a 10. Dois anos depois, o monsenhor voltou à sua nativa Espanha, mas as nossas fontes relatam tê-lo visto novamente na Itália, envolvido na organização de uma fundação. Além disso, o sacerdote deveria ser removido da ordem clerical.
A FQ Millennium contatou a advogada de defesa de Balda, Emanuela Bellardini, da Rota Romana, que se recusou a confirmar ou não as duas notícias. Chaouqui abriu uma pequena empresa de comunicação e escreveu um livro sobre o caso. Em uma entrevista ao jornal Il Fatto Quotidiano, ela aludiu andreottianamente a outros documentos exclusivos guardados em um cofre.
Bisignani, por fim, embora expulso da ordem dos jornalistas, continua escrevendo sobre Bergoglio no jornal Il Tempo. Esperando por um dramático cisma na Igreja.
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Inimigos demais para um papa só - Instituto Humanitas Unisinos - IHU