23 Fevereiro 2017
Luca Diotallevi, nascido em Terni em 1959, é professor de sociologia na Universidade Roma Tre. Formado em filosofia na “La Sapienza” e doutor em sociologia pela Universidade de Parma, aperfeiçoou seus estudos no exterior. É autor de diversos textos que tratam de laicidade, secularização, relação Igreja-Estado. Pela editora Rubbettino, publicou recentemente L’ultima chance [A última chance]. Fizemos-lhe algumas perguntas a partir do livro Fine corsa. La crisi del cristianesimo come religione confessionale [Fim da linha. A crise do cristianismo como religião confessional].
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada no sítio Settimana News, 20-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Professor Diotallevi, o seu novo livro, recém-publicado pela EDB, intitula-se “Fim da linha. A crise do cristianismo como religião confessional”. Por que, na sua opinião, a forma confessional do cristianismo, que prevaleceu na Europa do século XVI até os nossos dias, está em crise?
Era uma forma, uma das tantas que o cristianismo assumiu na sua história, formas sem as quais ele simplesmente não teria relevância, embora nunca se reduzindo a apenas alguma delas... Era uma forma, eu dizia, que dependia e, ao mesmo tempo, tentava influenciar algumas condições sociais. Em particular, era o fruto do impacto do Estado sobre o cristianismo, do primado da política sobre toda a sociedade e, portanto, também sobre o cristianismo. Hoje, simplesmente, o Estado não existe mais, e as condições que o tornavam possível também não. E, portanto, está em plena crise um cristianismo que se identificou com uma religião de forma confessional.
E pelo que ele foi substituído?
A substituição não ocorreu. Essencialmente, por três razões. Porque uma nova forma religiosa padrão ainda não se impôs. Porque o Estado está lutando para retornar (e, por isso, precisa comprar a aliança dos especialistas da religião confessional, que, assim, encontram um pouco de apoio novo). Porque o cristianismo, quando reconhece os riscos do clericalismo (subproduto do confessionalismo), compreende que não pode ser apenas religião.
A forma confessional do cristianismo despertou estruturas sociais e organizações que administram os meios de salvação, permitindo que a religião funcione como “infraestrutura estatal” e contribua para a definição da identidade pública e a legitimação do poder político, também através da contenção das expressões subversivas com relação à ordem social. Que efeitos sociais podem ser produzidos pelo fim da forma confessional do cristianismo?
A principal delas é que a religião (que, de fato, não está passando mal; ao contrário, está em curso um religious booming para todas as formas de religião diferentes da confessional), quando se liberta do disciplinamento confessional, vaga pela sociedade à disposição para qualquer instrumentalização: econômica (religião como entretenimento e bem ou serviço à disposição no mercado recreativo) ou política (pense-se na instrumentalização da religião para fins eleitorais por parte dos mais improváveis líderes políticos). Nesse contexto, também amadurecem fortes tentações no mundo católico, como a de se livrar da forma-Igreja.
A hipertrofia das “pastorais” e o consentimento do magistério para as formas mais extremas de diferenciação interna da oferta religiosa católica são apenas alguns dos seus aspectos. A indulgência em relação a movimentos ou cultos ou grupos autocéfalos (talvez chamados de “eclesiais”, porque são, de fato, “Igrejas diferentes da católica”), assim como a invenção e o crescente recurso à forma da prelazia pessoal são dois dos indícios mais visíveis, duas das políticas internas que, além das diferenças superficiais, nos mostram elementos de forte continuidade entre João Paulo II, Bento XVI e Francisco. No fundo, incumbem o abandono da reforma conciliar (pouco muda se ele é operado “à direita” ou “à esquerda”) e a redução do catolicismo a uma religião de baixa intensidade (low intensity religion).
Você afirma no livro que a crise do cristianismo como religião confessional poderia evoluir e, eventualmente, se resolver de muitas maneiras, talvez também em termos neoconfessionais e, mais em geral, neoestatais. Em que sentido?
No sentido de que uma grande fatia de empresários religiosos católicos (clero e paraclero) podem achar muito interessante a nova aliança oferecida a eles pelos protagonistas do neoestatalismo e do “soberanismo”. Pense-se nos silêncios da ortodoxia sobre Putin, de grande parte do mundo cristão estadunidense sobre Trump ou francês sobre Le Pen. Não é diferente do silêncio de grande parte do mundo islâmico turco sobre Erdogan, ou de tantos setores eclesiais sul-americanos sobre os autoritarismos tanto de direita quanto de esquerda. O clericalismo e o confessionalismo são, por constituição, propensos a desvios populistas e não liberais.
As expressões de insatisfação em relação à redução confessional do cristianismo permitem captar sinais que invocam uma retomada da forma eclesial. A que você se refere?
Ao fato de que, cada vez mais nitidamente, o evento e o ensinamento do Vaticano II, a leitura que Paulo VI ofereceu dele na Ecclesiam suam e na Evangelii nuntiandi, que se refletem na significativa vitalidade de algumas Igrejas locais, de certos setores do novo monaquismo, de certos setores do verdadeiro apostolado dos leigos (é o caso, dentre outros, da Ação Católica), continuam respectivamente nos significando e mantendo aberto outro caminho. Não a redução do cristianismo a religião de baixa intensidade, não as nostalgias confessionais de um neoclericalismo fraco, mas a “largura, comprimento, altura e profundidade” da forma eclesial.
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Cristianismo, fim da linha? Entrevista com Luca Diotallevi, sociólogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU