18 Outubro 2016
O que a mantém unida é a aversão a Francisco. A galáxia dos que não querem Jorge Mario Bergoglio abarca desde os lefebvrianos (que decidiram “esperar um Pontífice tradicional” para retornar à comunhão com Roma), até os católicos que seguem o partido Liga do Norte italiano, que comparam Francisco com o seu predecessor Joseph Ratzinger e lançam a campanha “Meu Papa é Bento”. E depois há os ultraconservadores da Fundação Lepanto e os sítios de internet vinculados a posições “sedevacantistas”, convencidos de que tem razão o escritor católico Antonio Socci quando defende a invalidez da eleição de Bergoglio somente porque no Conclave de 2013 uma votação foi anulada sem ser submetida ao escrutínio. O motivo? Um cardeal incluiu, por erro, uma cédula a mais na urna. A votação foi repetida imediatamente justamente para evitar qualquer dúvida e sem que nenhum dos cardeais eleitores apresentasse objeções.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi e Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 16-10-2016. A tradução é de André Langer.
E mais: prelados e intelectuais tradicionalistas assinam apelos contra as aberturas pastorais do Pontífice argentino sobre a comunhão aos divorciados recasados e sobre o diálogo com o governo chinês. A oposição ao Papa reúne pessoas e grupos que são muito diferentes entre si e que não podem ser assimilados em um grupo homogêneo: há o afastamento “soft” do jornalista on-line italiano La Bussola Quotidiana (A bússola cotidiana) e da revista Il Tomone (O timão), dirigidos por Riccardo Cascioli. Há também o ranger de dentes quase diário contra o Pontífice argentino publicado pelo vaticanista emérito do jornalismo italiano L’Espresso, Sandro Magister. Temos os tons apocalípticos e irreverentes da italiana Maria Guarini, que se ocupa do blog Chiesa e Postconcilio e também as críticas mais duras dos grupos ultratradicionalistas e “sedevacantistas”, que consideram que não houve um papa válido desde Pio XII.
O La Stampa viajou para encontrar-se com os protagonistas desta oposição a Francisco, numericamente reduzidos, mas com uma forte presença na rede, para descrever um arquipélago que, mediante a internet e com encontros reservados entre eclesiásticos, amalgama ataques frontais e públicos com estratégias muito mais articuladas. Em primeira linha contra Bergoglio está o escritor italiano Alessandro Gnocchi, assinatura de prestígio dos sítios Riscossa Cristiana e Unavox. “Bergoglio coloca em prática a programática rendição ao mundo e à mundanização da Igreja – acusa Gnocchi. Seu Pontificado baseia-se na gestão brutal do poder. Um envelhecimento da fé tão capilar não se havia visto em dois mil anos”.
Entre os muros paleocristãos da Basílica de Santa Balbina (no Aventino, Roma), ao lado das termas de Carcalla, a Fundação Lepanto é um dos motores culturais da oposição a Francisco. Entre os livros publicados, a agência de informação Corrispondenza Romana e os encontros que se realizam no salão do primeiro andar, opera uma sala de controle da frente anti-Bergoglio. “A Igreja vive um dos momentos de maior confusão da sua história e o Papa é uma de suas causas – afirma o historiador Roberto De Mattei, presidente da Fundação Lepanto. O caos tem a ver, sobretudo, com o magistério pontifício, que se mostra carente e contraditório. Francisco não é a solução, mas parte do problema”.
A oposição, acrescenta De Mattei, “não provém apenas dos ambientes definidos como tradicionalistas, que há muitos anos criticam a direção pós-conciliar, mas que se estendeu a bispos e teólogos de formação raztingeriana e wojtiliana”. Em vez de simples oposição, De Mattei prefere falar em “resistência”, a mesma que recentemente manifestaram 45 teólogos e filósofos católicos mediante a crítica contra a exortação apostólica Amoris Laetitia e 80 personalidades (que depois se tornaram alguns milhares, entre os quais há cardeais, bispos e teólogos católicos) com a declaração de “fidelidade ao magistério imutável da Igreja”. Entre os italianos, destaca-se o cardeal Carlo Caffarra, arcebispo emérito de Bolonha. Um dos maiores centros desta resistência, destaca novamente o historiador De Mattei, “é o Instituto João Paulo II para a Família, cuja cúpula foi recentemente decapitada por Bergoglio”. Outro alvo preferido dos tradicionalistas é a “contribuição que a política migratória de Francisco oferece à desestabilização da Europa e para o fim da civilização ocidental”.
Os ataques contra Bergoglio acontecem em nível global. “Na galáxia da contestação contra Francisco há um forte elemento geopolítico – observou Agostino Giovagnoli, professor de História Contemporânea na Universidade Católica e especialista no diálogo com a China. Eles acusam Bergoglio de não anunciar com força suficiente as verdades da fé, mas na realidade o acusam de não defender a primazia do Ocidente. É uma oposição que tem razões políticas disfarçadas de questões teológicas e eclesiais”. A China é um exemplo. “Há uma aliança entre determinados ambientes de Hong Kong, setores dos Estados Unidos e a direita europeia: eles recriminam Francisco por privilegiar o objetivo de unir a Igreja na China em vez da defesa da liberdade religiosa – indicou. São posturas que muitas vezes encontram espaço na agência católica AsiaNews. O Papa, de acordo com estes críticos, deveria afirmar a liberdade religiosa como argumento político contra o governo de Pequim, em vez de buscar o diálogo mediante a diplomacia”.
Quem dá voz a estas críticas, que têm, sem dúvida, representantes dentro da cúria, são alguns eclesiásticos próximos ao Vaticano, como o liturgista e teólogo Nicolás Bux, assessor das Congregações para o Culto Divino e para as Causas dos Santos. “Hoje – explicou ao La Stampa –, não poucos leigos, sacerdotes e bispos se perguntam: para onde estamos indo? Na Igreja sempre existiu a possibilidade de expressar a própria postura afastada das autoridades eclesiásticas, mesmo que se trate do Papa. O cardeal Carlo Maria Martini manifestava frequentemente, e inclusive por escrito, suas críticas ao Pontífice reinante, mas João Paulo II não o destituiu como arcebispo de Milão nem foi considerado um conspirador”. A tarefa do Papa, explicou Bux, é “tutelar a comunhão eclesial e não favorecer a divisão nem a contraposição, colocando-se à frente dos progressistas ou conservadores”. E, “se um Pontífice mantivesse uma doutrina heterodoxa, poderia ser declarado, por exemplo, pelos cardeais presentes em Roma, deposto do ofício”.
Em um “crescendo” de fileiras diferentes, com uma entrevista ao Il Giornale, interveio há alguns dias o pesquisador Flavio Cubierto, autor de um livro que critica o magistério social do Papa e assíduo frequentador de René Guenon e do tradicionalismo vinculado a uma direita esotérica e gnóstica. Ele declarou que “Bergoglio não atualizou a doutrina; demoliu-a. Ele se comporta como se fosse católico, mas não é”.
Em sua página oficial do Facebook, Antonio Socci defende que Bento XVI não quis renunciar e que ainda se considera Papa, mas compartilhando, de alguma maneira, o “ministério petrino” com seu sucessor. Esta interpretação foi desmentida secamente pelo próprio Ratzinger em várias ocasiões, desde fevereiro de 2014 até o recente livro Últimas Conversas. O Papa emérito declarou completamente válida a sua renúncia e manifestou publicamente sua obediência a Francisco. A teoria ganhou um reforço com a interpretação de algumas palavras pronunciadas em maio deste ano pelo arcebispo Georg Gänswein, prefeito da Casa Pontifícia e secretário de Bento XVI. Dom Georg, em uma apresentação de um livro, afirmou: “Não há, portanto, dois Papas, mas de fato um ministério ampliado (com um membro ativo e outro contemplativo)”. Socci publicou no final de setembro, juntas, as fotos de Bergoglio e Ratzinger com a seguinte frase: “Qual dos dois?” E escreveu: “Existe aquele que opõe o amor à verdade (Bergoglio) e aquele que as reconhece unidas em Deus (Bento XVI). Entre os muitos comentários que aparecem abaixo do artigo, Paolo Salcedo respondeu: “Francisco parece estar a serviço do Deus Arco-íris (que não impõe obrigações morais e religiosas) ao invés do Deus católico”.
Na internet, as críticas contra Francisco se acirram, com pessoas que, atrás da proteção da tela do computador, se entregam a invectivas furiosas, como se lê nos comentários abaixo dos artigos publicados nas redes sociais. No sítio “messainlatino”, que se dedica à promoção da liturgia antiga, mas que também publica comentários sobre o papa, fala-se da “maçante monotonia ideológica do atual Pontificado”. Na rede, há comentários sobre a Igreja que “se verá empurrada a dissolver-se em uma espécie de ONU das religiões, com um toque de Greenpeace e outro de sindicato”, posto que hoje “os pecados mortais são desclassificados e Bergoglio institui os pecados sociais (ou socialistas)”. No blog hiper-tradicionalista de Maria Guarini, Chiesa e Postconicilio, pode-se ler frases como esta: “Se o próximo Papa for bergogliano, o Vaticano se converterá em uma sucursal catomaçônica”.
As resistências nascem nos ambientes mais conservadores, mas também conta com apoios em alguns ultraprogressistas decepcionados. É o caso do sacerdote ambrosiano Giorgio De Capitani, que atacou incansavelmente Francisco a partir da esquerda, motivo pelo qual não faz parte dos grupos descritos até agora. Em seu sítio na internet não salva nada do Pontificado. “Quantas palavras desnecessárias e óbvias – disse. Paz, justiça, bondade. O Papa está dourando a pílula com palavras e gestos arranca-lágrimas. Francisco é vítima do próprio consenso e está provocando apenas ilusões, joga muita fumaça nos olhos, busca alguns aplausos e deslumbra alguns jornalistas ignorantões em matéria de fé”.
Giuseppe Rusconi, o jornalista italiano que se ocupa do sítio Rossoporpora, se pergunta: “nosso Pastor está realmente em ‘nosso’ primeiro lugar ou não demonstra privilegiar o indistinto rebanho mundial, sendo percebido pela opinião pública não católica como um líder aceitável para os desejos que expressa a sociedade contemporânea? O faz por estratégia jesuíta ou por desejo pessoal? E quando o Pastor volta ao redil, quantas ovelhas perdidas levará consigo? E quantas daquelas que deixou encontrará?” Esta variada galáxia do dissenso escolheu como ponto de referência alguns bispos e cardeais. Magister, em seu blog, lançou a candidatura papal do cardeal da Guiné, Robert Sarah, atual ministro para a liturgia de Francisco, amado pelos conservadores e tradicionalistas e muito citado em seus sítios e publicações.
Entre aqueles que são considerados verdadeiros “nortes” por este mundo estão em primeiro lugar o cardeal estadunidense Raymond Leo Burke, patrono dos Cavaleiros de Malta, e o bispo auxiliar de Astana, Athanasius Schneider. Mas, mais além da amplificação midiática que a rede oferece, não parece haver novos cismas no horizonte, depois daquele que Marcel Lefebvre provocou em 1988. Disso está convencido o sociólogo Massimo Introvigne, diretor do Cesnur: “Os bispos católicos no mundo são mais de 5 mil, a oposição consegue mobilizar uma dúzia e muitos deles já estão aposentados, o que demonstra sua pouca consistência”. Introvigne defende que esta oposição “está presente principalmente na internet e não tanto na vida real, e exagera-se seu valor: há, de fato, dissidentes que escrevem comentários nas redes sociais sob quatro ou cinco pseudônimos, para dar a impressão de que são mais numerosos”.
Segundo o sociólogo, há um movimento que “não tem êxito, porque não é unitário. Há, pelo menos, três tipos diferentes de oposição: a oposição política das fundações estadunidenses, de Marine Le Pen e de Matteo Salvini, que não estão interessados em temas litúrgicos ou morais, e que muitas vezes sequer vão à Igreja, mas na imigração e nas críticas do Papa contra o turbo-capitalismo. Em seguida vem a oposição nostálgica por Bento XVI, mas que não critica o Vaticano II. E, finalmente, a oposição radical da Fraternidade São Pio X ou de De Mattei ou Gnocchi, que rejeita o Concílio e tudo o que veio depois dele. Mesmo que haja algum eclesiástico dando seu suporte, as contradições entre as três posturas explodirão, e uma frente comum não tem nenhuma possibilidade de subsistência”.
Introvigne destaca uma característica comum de muitos destes ambientes. “É a idealização mítica do presidente russo Vladimir Putin, apresentado como ‘líder bom’ em contraposição a Francisco, o ‘líder mau’, por suas posições em relação aos homossexuais, muçulmanos e migrantes. Fundações russas muito próximas a Putin cooperam com a dissidência anti-Francisco”.
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Esses católicos anti-Francisco, mas que adoram o Putin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU