01 Mai 2020
“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 4º Domingo de Páscoa - Ciclo A, que corresponde ao texto de João 10,1-10.
Todo 4º domingo de Páscoa é dedicado ao tema do Bom Pastor. Embora o Evangelho de hoje não fale de “aparições” do Ressuscitado, não nos afastamos do tema pascal: a “Vida” é o verdadeiro tema pascal.
A fé pascal é isso: crer na vida. E quando dizemos “crer na vida”, não estamos falando em professar crenças, dogmas, doutrinas... Dizemos viver; dizemos confiar no potencial de vida em nós mesmos e nos outros; dizemos rebelar-nos contra todos os poderes que asfixiam a vida; dizemos fazer-nos presentes junto àqueles cujas vidas estão feridas; dizemos ser humilde fermento que transforma e levanta a história; dizemos respirar em paz e continuar caminhando cada dia, apesar do fracasso, da doença e da morte...
Crer na Páscoa é uma maneira original de ser e de viver.
Para crer n’Aquele que é o Vivente, não é necessário sepulcros vazios, nem anjos e nem aparições milagrosas, pois tudo está “animado” (inspirado) pelo Anjo da Vida, tudo é milagre, todos os sepulcros estão vazios de ausência, mas cheios de boa presença, da Graça de ser que Jesus viveu.
Só é preciso que abramos o coração e os olhos para apalpar a Vida em todas as mãos e pés feridos, em tudo o que é e palpita: o caminhante anônimo, o imigrante expulso, os índios invadidos, o ancião solitário, a criança abandonada, os enfermos esquecidos, os sem teto-pão-trabalho...
A presença do Pastor Ressuscitado, que vem ao nosso encontro em cada passo, nos chama pelo nosso nome e nos diz no segredo do coração: “amigo(a), não temas; confia e vive!”.
O Evangelho é um contínuo chamado à Vida. Não qualquer vida, mas a Vida verdadeira, a Vida que deseja ser despertada para romper com tudo aquilo que a limita. Por isso, o relato do Bom Pastor é uma verdadeira catequese sobre o encontro com Aquele que é Vida e que é fonte de Vida em crescente amplitude.
Jesus não vem prolongar a vida biológica, vem comunicar a Vida de Deus que Ele mesmo possui pelo Espírito e da qual pode dispor. Ao mesmo tempo, vem ativar em todos nós as potencialidades de vida que ainda não encontraram possibilidades de expressão. Somos um manancial de vida que se visibiliza na criatividade, na capacidade de sonhar, no encontro compassivo com os outros, na comunhão com todas as manifestações de vida.
Em Jesus acontece algo totalmente novo; Ele traz uma nova maneira de viver e de comunicar vida que não cabe nos nossos esquemas. É justamente isso o que mais atrai em sua pessoa. Quem entra em comunhão de vida com Ele, conhece uma vida diferente, de qualidade nova, expansiva...
Nesse sentido, a experiência do Seguimento de Jesus é uma verdadeira “escola de vida”, cujo aprendizado nos leva ao âmago do nosso ser, para enraizar nossa vida no coração da Trindade, dele haurir a seiva da vida divina e deixar-nos plenificar pela graça transbordante de Deus.
Pois, em nossa vida flui a plenitude da Vida, e nossa vida flui para sua plenitude, em passagem ou páscoa permanente. Nada mais contrário ao espírito do Evangelho que a vida instalada e uma existência estabilizada de uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores...
Jesus de Nazaré “passou fazendo o bem”, não de qualquer modo. Aquele homem que movia multidões em toda a Galileia, por sua pregação e milagres, não era um revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso, deixou de ser inquietante e perigoso. Como Bom Pastor, aproximou-se e cuidou, de forma preferencial, dos mais fracos, pequenos, necessitados..., deixando-se “tocar” e “tocando” as situações humanas mais rejeitadas, mais quebradas, mais dolorosas, mais sofredoras e marginalizadas...
Como Bom Pastor, Jesus transbordou ternura sobre nossa humanidade ferida, despertando a vida atrofiada e escondida no interior de cada um(a).
Para o evangelista João, a “vida” é uma totalidade, ou seja, a vida presente, a vida atual, possui tal plenitude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”; uma vida com tal força que nem a morte mesma terá poder sobre ela. A vida eterna, então, não é um prolongamento ao infinito de nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa existência. Ela torna-se “eterna” desde já.
Precisamos adquirir uma consciência mais profunda da vida enquanto “seres já ressuscitados”, perceber as pulsações desta vida eterna que está em nós, do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as batidas do coração de toda a criação. Nesse sentido, a vida tem a dimensão do milagre e até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior o destino da ressurreição. “Minha vida é uma sucessão de milagres interiores” (Etty Hillesum). Vida plena prometida por Jesus.
Nem sempre sabemos viver de maneira intensa: conformamo-nos com uma vida estreita, estéril, fechada ao novo, carregada de “murmurações”, presa ao cotidiano repetitivo e “normótico”. O dinamismo do Seguimento de Jesus, no entanto, é gerar vida, possibilitar que o(a) discípulo(a) viva a partir da verdade mais profunda de si mesmo(a); ou seja, viver a partir do coração, do “ser profundo”.
A imagem de Jesus “Bom Pastor”, conduzindo e abrindo novos espaços para suas ovelhas, nos ajuda a conhecer nossa própria interioridade (redil) e despertar nossa vida, arrancando-a de seu fatal “ponto morto”, de seus limites estreitos e constituindo-a como vida que se desloca em direção a novos horizontes.
O seguimento proporciona vigor inesgotável, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria, compaixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo. Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
Somos Vida, não há lugar para o temor!
Na Igreja de hoje, assim como naquela de São João, devemos ser presenças de compreensão, de abertura, de acolhida, de compaixão, de tolerância e de perdão, caso queiramos multiplicar a vida em abundância e semear a esperança. Se nós asfixiamos as pessoas, se recusamos a acolhê-las como são, se as condenamos, não podemos pretender querer alimentar a vida em abundância n’aqueles(as) que nos são confiados. Todos nós temos esta responsabilidade de abrir espaços para que a vida vá se expandindo. É a mais bela das vocações e é a única maneira de ser fiel ao Cristo Bom Pastor.
Na vivência pascal somos tomados de uma “moção à vida”, que nos impulsiona a prolongar o ministério do Bom Pastor, sempre em favor da vida.
Para quem vive uma “passagem” autêntica (Páscoa) é impossível não ser movido a viver mais intensamente, a valorizar a vida e a colocar-se a serviço dela; porque, neste percurso litúrgico, cada pessoa experimenta a paixão eterna de Jesus pela vida e por todas as manifestações de vida na face da terra. No tempo pascal, cada seguidor(a) do Bom Pastor revisa sua própria vida à luz do amor criador e redentor de Deus; percebe o dom da vida na sua origem e alimenta a gratidão para expandir este dom como presença criativa e original.
- Jesus continua exercendo seu “pastoreio” através de seus(suas) seguidores(as); que ações concretas, você pode ativar no dia-a-dia, para que nelas transpareça o coração do Bom Pastor?
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Bom Pastor: na escola da vida... - Instituto Humanitas Unisinos - IHU