05 Mai 2017
“Eu sou a Porta das ovelhas” (Jo 10,7)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 4° Domingo de Páscoa (05/05/2017) que corresponde a João 10,1-10.
Todos os anos, o 4º Domingo de Páscoa inspira-se na imagem do “Bom Pastor”. Embora o Evangelho deste domingo não fale de “aparições” do Ressuscitado, não nos afastamos do tema pascal, pois Jesus afirma expressamente: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. A “Vida” é o verdadeiro tema pascal.
E imagem pascal deste 4º Domingo é a Porta da Liberdade, que possibilita uma vida sempre expansiva.
A Vida verdadeira implica saída de nossos espaços, muitas vezes atrofiados e de curto horizonte: por isso precisamos de uma porta, de uma saída. Não podemos, não devemos permanecer fechados, pois isso atrofia nossas possibilidades de vida, sobretudo se estamos reclusos no egocentrismo.
Equivocadamente distraídos por alguma complacência ou comodidade interna, nem sempre caímos na conta de que vivemos fechados; não percebemos o perigo letal da asfixia existencial; não sentimos as amarras da dependência ou os vícios que a vontade fragilizada já não consegue romper.
Nesse sentido, podemos entender a imagem da “Porta” enquanto espaço aberto que permite a vida fluir. Porque vida é, antes de mais nada, espaçosa, amplitude ilimitada que tudo abarca e que se expressa em infinidade de formas, todas elas habitadas pela mesma e única Vida.
Precisamos nos libertar, nos desatar, sair; precisamos de uma porta!
Escutemos Jesus que diz “Eu sou a Porta”. E é verdade, porque Jesus, “ressuscitado dentre os mortos”, abriu um espaço no hermético ventre da morte. Com seu próprio corpo e sua vida Jesus se transformou em Porta da Vida verdadeira e com a força do seu Espírito Ele nos liberta, nos desata para sair dos espaços atrofiados e passar para a vida ampla do amor, para a vida com os outros.
“Eu sou a porta”: aqui Jesus não se refere àquela peça de madeira que gira para fechar ou abrir, mas ao espaço por onde se tem acesso a um recinto. Por isso Ele diz que é a porta das ovelhas, não do redil. Todos aqueles que vieram antes dele não deram liberdade e asfixiaram a verdadeira vida.
Em Jesus, todo(a) seguidor(a) pode alcançar a verdadeira liberdade; “poderá entrar e sair”, terá liberdade de movimento. Jesus não busca seu próprio proveito nem o de Deus. Seu único interesse está em que cada ovelha alcance sua própria plenitude e viva intensamente.
A característica do Bom Pastor é que põe toda sua vida a serviço das ovelhas para que vivam, sem limitação alguma. Ao fazer isto, põe em evidência a qualidade de Vida que possui e abre a possibilidade para que todos os que lhe seguem tenham acesso a essa mesma Vida.
Uma porta aberta. Jesus se compara a uma porta... aberta! Somos impactados pela luz que vem de fora e pelo ar vivificante. Nós ouvimos sua voz. Ele se dirige a cada um e à sua voz nos colocamos em marcha. O oxigênio que aí respiramos é o Sopro do próprio Deus.
Jesus é uma Porta grande e aberta que favorece a circulação com toda a liberdade. Entrar por essa Porta é o mesmo que “aproximar-nos d’Ele”, “escutar sua voz”, “identificar-nos com Ele”.
Passar pela Porta implica também desvelar nossa verdadeira identidade enquanto “portas abertas”.
Cada um de nós é um mundo, dentro do Mundo. Este contato se estabelece pelos sentidos: saímos ao Mundo e entramos em nosso mundo através dessas cinco portas.
Por essas portas dos sentidos saímos de nós mesmos para o Mundo, ao mesmo tempo que o Mundo entra em nós.
Tomar consciência do como transitamos por estas portas é essencial para crescer em um modo transparente de existir. Porque há um modo de entrar e sair por elas que pode ser feita de maneira autocentrada e depredadora ou de maneira agradecida e geradora de comunhão.
Há um modo de ver, ouvir, saborear, tocar, sentir... que nos atrofia e nos isola em nosso pequeno mundo opaco e estreito, enquanto há outro modo que nos abre e nos expande em direção ao Mundo, e que vai se revelando como presença e transparência de Deus.
Expandir os cinco sentidos nos capacita sentir Deus como Presença primeira e constitutiva da Realidade, pulsando em todas as coisas. Porque, em definitiva, o que nossos olhos querem ver, o que nossos ouvidos querem ouvir, o que nosso tato quer apalpar... é o Rosto-mais-além-dos-rostos que se manifesta através dos outros. Assim, os sentidos não são somente portas entre nosso mundo interno e o Mundo exterior, mas umbrais que abrem ao Transcendente, que pulsa no mundo e ao qual só se pode chegar através do mesmo mundo.
O contexto social no qual vivemos nos revela que há uma doença que nos afeta praticamente a todos: em nossas vidas, há muito mais espelhos que nos isolam do que portas que nos universalizam.
No espelho nós nos vemos; e o que vemos não é o que somos, mas o que aparentamos ser. Desta percepção não saímos. A contemplação narcisista de nosso rosto atrofia o horizonte de nossa vida; o horizonte perceptivo é mínimo. O espelho é incapaz de revelar a verdade de nosso ser e de ampliar nosso mundo afetivo e relacional, não facilita a acolhida, o encontro... O centro do espelho somos nós mesmos.
As portas abertas, por sua vez, permitem ampliar nosso horizonte. Através delas purifica-se o ar denso e irrespirável do nosso interior, que geramos quando nos fechados em nós mesmos. Elas nos abrem à comunhão com a natureza, com os outros, com a realidade que nos cerca. Elas nos humanizam, pois servem para nos revelar aos outros quem somos, que eles fazem parte de nossa casa e que, abertas, indicam que eles podem entrar e sair livremente em nossas vidas.
Como seguidores(as) de Jesus, habitando em casas construídas sobre a rocha do Evangelho, deveríamos nos preocupar mais com as portas e janelas e menos com os espelhos. Outros rostos precisamos descobrir: concretamente, rostos feridos, excluídos, carentes de proximidade e abraço.
Muitas vezes, as portas nos protegem da diversidade, blindam nossa individualidade e parecem itens indispensáveis à sobrevivência. Assim, seremos prisioneiros de nossa estreita visão de mundo e faremos de nossa casa uma couraça que enclausura. Melhor a viagem que nos faz vulneráveis do que a segurança que nos rouba o horizonte. Melhor enfrentar o impacto do diferente e usufruir da liberdade do que inventar portas seguras que nos fazem cativos e solitários.
Seja uma porta sempre aberta: “entrada franca”.
- Nada de “cachorros” que atemorizem o visitante: seu orgulho, seu egoísmo, sua inveja, sua ironia, sua rudeza, seu preconceito.
- Nada de longas esperas que desanimam: esteja sempre atento, nem que seja para um cumprimento, um sorriso, um aperto de mãos, caso você não tenha tempo para uma conversa.
Uns instantes de intensa atenção bastam para acolher o outro.
- Nada de móveis que impeçam a circulação; mantenha sua casa disponível. Não imponha seus gostos, suas ideias, seus pontos de vista. Nada de retribuições que custam caro: se você oferece alguma coisa, faça-o gratuitamente e nada espere em troca.
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Bendita porta de saída para a vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU