08 Novembro 2018
Produtores de eucalipto mudaram-se da Mata Atlântica para o cerrado, aumentando a grilagem de terras em comunidades indígenas e quilombolas e incentivando o desmatamento. A madeira produzida é comprada pela Suzano, que fabrica celulose e vende para grandes marcas internacionais.
A reportagem é de Anna Sophie Gross, da Mongabay, publicada por Repórter Brasil, 30-10-2018.
Durante décadas, dezenas de famílias viveram pacificamente na pequena comunidade de Forquilha, no interior do Maranhão. Ali, no sertão brasileiro, os moradores costumavam plantar sua comida e criar seus animais. Há cerca de sete anos, porém, um empresário abastado instalou-se na região e começou a converter a vegetação nativa em plantações de eucalipto. Se tudo corresse como o planejado, ele venderia as árvores para a Suzano, multinacional produtora de celulose e papel. É a gigante da celulose que alimenta grandes marcas internacionais, como a Kleenex, famosa por seus lenços de papel.
Em 2014, porém, Forquilha tornou-se uma cidade violenta. Homens armados que patrulhavam a cidade entraram ilegalmente nas casas das pessoas, destruíram móveis e ameaçaram matar moradores. Os bandidos vieram com uma mensagem: Renato Miranda, o empresário produtor de eucalipto, sempre fora dono daquelas terras e a comunidade teria invadido ilegalmente sua propriedade. Moradores foram informados de que tinham oito dias para arrumar seus pertences e sair.
“Ninguém sabia para onde ir, todos estavam apavorados, desesperados”, lembra Antônia Luís Ramalho Lima, esposa e mãe de 54 anos que ainda mora em Forquilha.
A violência aumentou. Homens armados sequestraram pai e filho, levaram-nos para um rio próximo e ameaçaram assassiná-los – a não ser que a família abandonasse sua casa. Três idosos da comunidade morreram naquele ano; eles haviam sido ameaçados dias antes da morte. Não tendo para onde ir, moradores permaneceram em suas casas. Ainda hoje, muitos deles vivem deprimidos e com medo.
Os cidadãos de Forquilha procuraram ajuda da polícia, mas não conseguiram. As tentativas de registrar reclamações com autoridades locais foram ignoradas. “Não pudemos ir à polícia porque ela estava do lado dele [Miranda]”, explicou Marcione Martins Ramalho, mãe de dois filhos. A polícia, comentou Ramalho, acompanhou os bandidos armados em uma de suas visitas.
Finalmente, em 2015, a comunidade recebeu o apoio de Diego Cabral, um advogado que ficou chocado ao saber que um processo na Justiça pedia a expulsão das famílias de suas casas. Cabral entrou com um recurso. Até hoje, o processo não foi julgado. A incerteza reina e moradores temem que as ameaças físicas e psicológicas recomecem.
“Sem terra não há para onde correr. A terra é vida para nós”, disse Marcione.
O terror vivido pelos cidadãos de Forquilha parece distante e desvinculado de nossas vidas diárias. Mas consumidores de lenços e de papel higiênico brasileiros, norte-americanos e europeus no final da cadeia de fornecimento de eucalipto podem estar, sem saber, alimentando conflitos de terras, grilagem, deslocamento violento de comunidades tradicionais e o desmatamento ilegal de grandes áreas de vegetação nativa no Brasil.
As plantações de eucalipto do país são incentivadas pela possibilidade de venda para a Suzano, a quinta maior empresa do Brasil, que em abril iniciou uma compra de US$ 12 bilhões da Fibria, outra grande produtora brasileira de celulose. Uma vez concluída, essa fusão fará da Suzano a maior empresa de papel e celulose do mundo.
A empresa hoje controla mais de 1,2 milhão de hectares no Brasil – entretanto, assim que obter a propriedade da Fibria, supervisionará uma área quase duas vezes maior.
Um dos principais compradores da celulose brasileira é a multinacional norte-americana Kimberly-Clark, fabricante de marcas famosas de papel higiênico e lenços. A Kimberly-Clark confirmou que obtém uma quantidade significativa de celulose de eucalipto no Brasil da Fibria e da Suzano, utilizada para fabricar “produtos de toalhas e lenços de papel, como Scott, Cottonelle, Kleenex e Andrex”.
De acordo com defensores dos direitos humanos e ONGs, os produtores de eucalipto têm explorado regularmente as deficiências nas regulamentações sobre os direitos de terra, enquanto os conflitos têm sido agravados por incentivos e subsídios do governo para a produção de eucalipto.
Ativistas no Maranhão alegam que a própria Suzano se comportou de forma semelhante a fazendeiros como Renato Miranda, roubando terras de comunidades tradicionais, deslocando famílias e tornando os meios de subsistência insustentáveis. A Suzano contesta essas alegações.
Renato Miranda não foi o único empresário que decidiu começar a plantar eucalipto no Maranhão. Há cerca de uma década, o cultivo da monocultura tornou-se investimento lucrativo na região. Antes, a maioria do eucalipto brasileiro era cultivada na Mata Atlântica. No entanto, a empresa inaugurou sua primeira fábrica de celulose no cerrado em 2015, nos arredores da cidade de Imperatriz, no Maranhão.
A expectativa dos empresários do agronegócio eram altas, achando que o eucalipto logo se tornaria a próxima grande safra do cerrado. Os fazendeiros correram para reivindicar amplas extensões de terra em lugares como Forquilha, às vezes legalmente, outras não.
A própria Suzano também reivindicou terras na região – cerca de 300.000 hectares, segundo o Forum Carajás – embora a empresa tenha se recusado a fornecer um número preciso.
No entanto, a expansão da empresa gerou polêmicas. De acordo com ativistas e acadêmicos, a Suzano reivindicou terras que já estavam sendo usadas por comunidades tradicionais para agricultura de pequena escala e colheita de frutas – seus principais meios de subsistência. A empresa fechou acordos com líderes comunitários para evitar conflitos, apesar de muitos que ali estavam dizerem que a terra, seu principal meio de subsistência, foi prejudicada pela monocultura.
Francisco das Chagas, que administra o Centro de Direitos Humanos no município de Santa Quitéria, no norte do Maranhão, descreveu a chegada da Suzano em 2002 como catastrófica para as comunidades locais. Como muitas comunidades e moradores não tinham tinham a escritura da propriedade, “a Suzano agiu de imediato e se autoproclamou proprietária dessas terras, portando documentos que consideramos falsos”, comentou. “Durante todo o tempo, eles tinham guardas de segurança e policiais ao seu lado”.
De acordo com Chagas, a comunidade Cabeceiro do Rio deixou de existir porque as plantações de eucalipto da Suzano usurparam a terra plana e arável que, antes, era usada para plantio pela comunidade tradicional. Sem ter como produzir na terra, os moradores se viram obrigados a migrarem para cidades e vilarejos vizinhos.
Em alguns casos, as comunidades tradicionais recorreram com sucesso ao governo local para reafirmar a posse da propriedade que historicamente ocuparam. Em outros casos, juízes simpatizantes aos apelos diretos da Suzano determinaram que as comunidades invadiram a propriedade da empresa e, assim, confirmaram o direito da Suzano à terra. Segundo Chagas, atualmente, existem 23 comunidades em conflito com a Suzano somente em Santa Quitéria.
A Suzano respondeu a essas alegações dizendo: “A Suzano, como outras empresas florestais brasileiras, cumpre rigorosamente todas as leis e regulamentos que envolvem suas atividades comerciais, inclusive no que diz respeito à compra de terras para o plantio de novas culturas”. Leia aqui a nota das empresas.
Apesar da corrida às terras do Maranhão e dos conflitos causados, os sonhos de eucalipto da Suzano no Norte ainda não se materializaram completamente. Muitas das plantações que se espalham pelo estado – plantadas pela empresa e seus empreiteiros – permanecem sem colheita.
José Antônio Gorgen, apelidado de Zezão, um dos mais conhecidos produtores de soja do Maranhão, explicou o porquê: se uma plantação de eucalipto está fora do raio de 300 quilômetros da fábrica de processamento da Suzano, o transporte das árvores é caro demais para ser lucrativo.
Renato Miranda, dono de uma dessas plantações, não vendeu uma única árvore até hoje.
A Suzano não está sozinha nas alegações de roubo de terras contra ela. Acusações semelhantes foram feitas também em relação à principal concorrente da Suzano, a Fibria. A empresa chegou ao estado do Espírito Santo na década de 1960, durante a ditadura militar, deslocando dezenas de quilombos em uma época em que não havia legislação para proteger os direitos à terra.
Uma vez deslocados, os membros da comunidade foram forçados a se dispersar; alguns se estabeleceram na periferia das cidades onde hoje quase todos vivem na pobreza, enquanto outros se juntaram ao movimento dos sem-terra, vagando entre os assentamentos informais e na luta por um pedaço de terra. Das 12 mil famílias quilombolas que viveram na região durante a década de 1960, apenas 1.200 permanecem residindo em pequenas ilhas cercadas por um deserto verde de árvores de eucalipto em desenvolvimento.
O ativista Marcelo Calazans, que trabalha para a Fase, uma coalizão ambiental e social do Espírito Santo, disse que a empresa também desflorestou áreas ao longo da mata ciliar dos rios. O Código Florestal brasileiro proíbe a remoção de vegetação nativa ao longo de rios, córregos, lagos e represas, pois serve como habitat para plantas e animais nativos, ao mesmo tempo em que previne enchentes e escoamento do solo.
A Fibria respondeu que “não adota ou tolera práticas ilegais em suas operações”.
Especialistas dizem que o governo brasileiro fracassou em grande parte em regulamentar a indústria de celulose e papel e não zelou pela proteção das terras de comunidades tradicionais, embora tenha fornecido apoio financeiro substancial à indústria.
Os proprietários de plantações normalmente recebem subsídios elevados do governo, recuperando cerca de 75% dos custos de produção em três anos. Ao mesmo tempo, o BNDES investiu generosamente em empresas de papel e celulose e tem participações significativas na Suzano e na Fibria. A compra da Fibria pela Suzano fornecerá ao banco aproximadamente R$ 8,5 bilhões, com o BNDES mantendo 11% do controle da companhia combinada.
“É chocante, na verdade, o quanto o governo brasileiro estimula uma concentração de riqueza e poder corporativo”, expressou Simone Lovera, diretora executiva da Global Forest Coalition (GFC), uma aliança internacional de ONGs que defendem os direitos dos povos das florestas.
“Não há nada pior que você possa fazer a uma terra do que plantar eucalipto. E, no entanto, até hoje, [grandes plantações brasileiras de eucalipto] são financiadas pelo financiamento climático como ‘reflorestamento’”, explicou Lovera.
De acordo com o Compromisso Climático do Brasil, estabelecido nos termos do Acordo de Paris de 2015, o governo federal compensará suas emissões de carbono ao reflorestar 12 milhões de hectares, dos quais, apenas 2 milhões serão de florestas nativas, enquanto 10 milhões de hectares serão plantações de monoculturas – incluindo eucalipto.
Os cientistas enfatizam que as plantações de eucalipto suportam pouca biodiversidade, enquanto também sugam grandes quantidades de água, o que pode afetar negativamente o fluxo dos cursos de água e os aquíferos vitais para os agricultores de subsistência. A Suzano e a Fibria refutam essa alegação, afirmando que: “uma pesquisa realizada por especialistas mostra que o consumo de água pelo cultivo de eucalipto não é diferente de outras culturas”.
“A Suzano não tem medo do governo [brasileiro], tem medo dos consumidores europeus”, disse Calazans. Mais de 70% da receita líquida da empresa é proveniente das exportações para mais de 90 países – apenas para celulose esse percentual sobe para 91%.
A Kimberly-Clark admite abertamente usar a celulose da Fibria e da Suzano para fabricar lenços de papel Kleenex e papel higiênico Andrex, mas disse que “como um dos maiores compradores de celulose de madeira, sabemos que proteger nossas florestas é fundamental para lidar com a mudança climática, conservação da biodiversidade e garantia de uma cadeia de suprimentos saudável e resiliente”.
Eles relataram que fizeram uma visita com vários acionistas às plantações de eucalipto da Fibria e da Suzano na Bahia e no Espírito Santo em março, durante a qual constataram que “um progresso significativo está sendo feito pelas empresas, mas [que] há mais trabalho a fazer”.
Claramente, com a população mundial crescendo, a demanda por papel higiênico e lenços de papel também vai disparar, com empresas de celulose e papel, e investidores como o BNDES, querendo aproveitar essa demanda com cada vez mais plantações de eucalipto. Mas, com a mesma clareza, as realidades apresentadas pela Kimberly-Clark e pela Suzano divergem extremamente da realidade dos cidadãos de comunidades tradicionais como Forquilha, onde Maria Sônia Silva de Carvalho ainda treme de medo quando ouve uma van passando à noite.
Essa reportagem foi produzida por meio de uma parceria de republicação entre Repórter Brasil e Mongabay e pode ser lida em inglês aqui.
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Demanda mundial por papel higiênico amplia desmatamento no cerrado brasileiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU