21 Novembro 2017
"Neste admirável mundo novo, Mukherjee relembra que mais do que qualquer outro pensador, foi Bateson quem anteviu o lado sombrio da genética que traria consigo um elemento tão poderoso que não tardaria até que fosse aplicado para controlar a composição de toda uma nação, quiçá da humanidade, assim como Platão havia imaginado há mais de 2.500 anos", escreve Felipe Cherubin, jornalista e filósofo, coautor de 'O Que É a Inteligência?', sobre a obra de Xavier Zubiri, em artigo publicado por O Estado de S. Paulo, 19-11-2017 .
Em 1962, James Watson, Francis Crick e os estudos independentes de Maurice Wilkins, baseado no trabalho de Rosalind Franklin, culminaram na descoberta da estrutura em dupla hélice do DNA, o que rendeu aos três pesquisadores o prêmio Nobel de Medicina.
A partir daí, os avanços cresceram vertiginosamente. O ‘Projeto Genoma’, iniciado em 1990, conseguiu sequenciar o código genético humano em 2003. O termo genoma corresponde ao conjunto de genes que constituem o DNA, espécie de ‘código da vida’ que armazena, no interior das células, todas as informações herdadas que orientam o desenvolvimento dos organismos.
Atualmente, todos nós podemos, a qualquer momento, mapear nosso próprio código genético e até compará-lo com de outras pessoas. Portanto, o que parecia inimaginável, tornou-se realidade, caso da empresa de biotecnologia e genômica 23andMe, que em 2007 recebeu investimentos da Google e hoje é uma das maiores do segmento, oferecendo a preços acessíveis (U$99) o mapeamento genético de seus clientes, gerando laudos que incluem doenças a que estão predispostos.
Assim, frente ao impacto estrondoso da revolução genômica, a chamada Bioética, campo da Ética especializada em questões relacionadas ao valor da vida como o aborto, eutanásia, controle de natalidade, sistemas prisionais etc, vem assumindo uma importância cada vez mais urgente, pois o genoma humano transformou-se em um livro aberto e inteligível e, como todo livro, pode ser reescrito, glosado e deletado, trazendo consigo espinhosos dilemas morais.
O neologismo ‘bioética’ foi cunhado pelo oncologista Van Rensselaer Potter (1911-2001) em Bioética: Ponte para o Futuro (Ed. Loyola, R$ 42), publicado em 1971 e considerado o marco inicial desta disciplina que nasceu nos Estados Unidos e logo se espalhou pela Europa, motivada, sobretudo, a partir das revelações chocantes de experimentos humanos na 2.ª Guerra. Outro livro do autor, Bioética Global, que estende suas ideias à biosfera, chega em novembro às livrarias pela Loyola, que conta ainda, em catálogo, com um repertório que abarca o que de melhor existe nesta área, caso de autores como Stephen Holland, Elio Sgreccia e Diego Gracia.
Membro da Real Academia Nacional de Medicina da Espanha e da Real Academia de Ciências Morais, o filósofo espanhol Diego Gracia foi protagonista do nascimento da bioética e hoje é uma de suas principais vozes. Falando exclusivamente ao Aliás sobre os desafios desta disciplina, enfatiza que “a ética do século 21 é bioética” e que os desafios estão concentrados em dois polos indissociáveis. Primeiro, o mapeamento do genoma humano e segundo, as relações sociopolíticas entre as nações derivadas desta descoberta.
Gracia acredita que chegamos a um ponto em que as soluções humanas transcendem os interesses individuais de nações, pois “diferentemente de outras épocas, como nos tempos da Cortina de Ferro e do combate delimitado entre socialismo e capitalismo, hoje, a confrontação é entre Norte e Sul” e neste caso, Gracia não se refere aos hemisférios geográficos, mas sim ao cenário sociológico. Ou seja, “o grande problema está no desenvolvimento insustentável do chamado Primeiro Mundo (Norte) e o subdesenvolvimento também insustentável do Terceiro Mundo (Sul) e este confronto é o da (e pela) vida. Só uma conscientização deste novo paradigma e suas implicações que ultrapassam fronteiras pode evitar futuras catástrofes globais.”
A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada pela Unesco em 2005, tem sido o principal documento internacional na promoção de princípios que norteiem todas as legislações nacionais rumo à sustentabilidade global, atuando mundo afora no sentido de educar e esclarecer sobre os novos paradigmas da revolução genômica que, hoje, são parte de nosso cotidiano.
Em O Gene – Uma História Íntima (Cia. das Letras, R$ 69,90), o médico Siddhartha Mukherjee percorre a historiografia de pensadores que tentaram compreender o fenômeno da hereditariedade e, em busca do ‘status quaestionis’, relembra uma metáfora de inspiração pitagórica representada em A República, em que Platão explicita uma “espécie de eugenia aritmética” em que, uma vez assumindo que os filhos são derivados aritméticos de seus pais, seria possível, por meios lógicos, uma intervenção que levasse pais perfeitos a terem filhos perfeitos em cidades perfeitas. Ou seja, a hereditariedade poderia ser entendida como um teorema social a ser solucionado para o bem da polis.
Já Aristóteles, conhecido por sua verve analítica, foi, de acordo com Mukherjee, mais bem-sucedido ao captar, dialeticamente, a questão essencial do problema, ao entender que a transmissão hereditária é um conjunto de informações usadas para gerar um organismo a partir da materialização destas mesmas informações e isso se daria, não apenas por meio do homem, como pensava Pitágoras, mas do casal e, por essa razão, se somos feitos de (e por) informações, deveria existir um código passível de leitura. Mas, como ele poderia ser materializado a ponto de ser lido e entendido?
Essa questão inspirou os trabalhos de Gregor Mendel (1822-1884), considerado o pai da genética moderna, seguido por discussões acaloradas que atravessaram os trabalhos de Lamarck (1744-1829), Darwin (1809-1882), Galton (1822-1911), William Bateson (1861-1926) e tantos outros.
Neste admirável mundo novo, Mukherjee relembra que mais do que qualquer outro pensador, foi Bateson quem anteviu o lado sombrio da genética que traria consigo um elemento tão poderoso que não tardaria até que fosse aplicado para controlar a composição de toda uma nação, quiçá da humanidade, assim como Platão havia imaginado há mais de 2.500 anos.
A Bioética é uma ciência bem recente, iniciada na década de 1970. Durante esse tempo de desenvolvimento, aprimorou-se como abordagem ética das questões relacionadas à vida. De fato, a Loyola foi pioneira em publicações editoriais nesse campo e conta com vasto catálogo. Alinhado à missão da editora, esse catálogo é aberto às diversas áreas do conhecimento e às suas diversas abordagens, conferindo credibilidade às obras e lhes garantindo excelência acadêmica. É importante ressaltar que a Loyola sempre firmou parceria com o Centro Universitário São Camilo, especialmente na pessoa de Padre Leo Pessini, grande pesquisador, autor e divulgador da Bioética. E esta parceria tende à continuidade e a manter-se na vanguarda editorial.
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'A ética do século 21 é a bioética', afirma filósofo espanhol - Instituto Humanitas Unisinos - IHU