12 Outubro 2017
O “Eu” e o “Ego”, o Bem e o Mal, a cooperação entre os homens e o ódio: o jornal La Repubblica, 11-10-2017, antecipou um trecho do novo livro do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, intitulado Il bisogno di pensare [A necessidade de pensar] (Ed. Garzanti, 188 páginas). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Analisando mais de perto o pensamento como ápice do processo cognitivo, é preciso dizer que existem duas disposições fundamentais do pensar: aquela voltada à construção, a chamada pars construens, e aquela voltada à destruição, a chamada pars destruens. (...)
A dimensão construtiva do pensamento é representada pelo logos, que quer lógica e produz sabedoria e sapiência. O pensamento como logos-lógica é exercido mediante verbos como observar, ponderar, considerar, reconsiderar, analisar, refletir, meditar. Às vezes, o pensamento como logos torna-se fonte, como que inspirado, e, nesses raros momentos, reproduz a lógica da criação, gera criatividade; os verbos que, nesse caso, o representam são intuir, idealizar, descobrir, criar.
A dimensão destrutiva do pensamento é representada pelo caos que quer descompaginar a lógica e que, neste ensaio, evocando Erasmo de Roterdã, eu chamo de loucura, mas que, mais propriamente, deveria ser chamada de crítica. Tal forma de pensamento se explica mediante verbos como criticar, desaprovar, investigar, atacar, contestar, estigmatizar, cortar, demolir. (...)
Existe a possibilidade de orientar o desejo do Eu sem identificá-lo com a voracidade do Ego? É possível desejar sem ansiar? Existe a possibilidade de não obedecer a nada de exterior e, ao mesmo tempo, porém, ser capaz de dizer sim às exigências da justiça, mesmo quando nos são incômodas, para não dizer inconvenientes? (...)
Ao tentar caminhar ao longo do sutil ápice a que remetem as perguntas apenas feitas, entrevejo uma dimensão da vida da mente e, consequentemente, do existir, da qual a tradição fala em termos de ideia e que eu pretendo apresentar mediante a imagem simbólica do amor celeste.
Há amores terrenos e, destes, não há necessidade que se diga nada, mas também há os amores celestes, e é destes que eu desejo falar. Acima de tudo, esclareço que, com essa estranha expressão, eu pretendo dizer as ideias (ou os ideais) na sua capacidade de exercer força. Por amores celestes, eu me refiro às ideias como forças não materiais que produzem em nós uma intensa atração, não desprovida de nuances eróticas, porque, não raramente, excita, inebria, conquista, seduz.
Como vocês chamam a interioridade de vocês, aquela espécie de território misterioso que faz com que vocês sejam aquilo que vocês são, para além do aspecto e do agir exterior, e que constitui a verdadeira personalidade de vocês? Chamam-na de psique? Mente? Eu? Ego? Si? Ipseidade? Identidade? Consciência? Alma? Espírito?
Cada um a chame como quiser ou, melhor, como sua formação permite; eu apenas lhes digo que, mediante o símbolo do amor celeste, eu pretendo remeter a uma força real, não material, dotada de grande atração, externa à mente comum, que se refere, aquece, dirige a interioridade humana e que constrói propriamente o pensamento, porque dispõe de acordo com uma certa ordem arquitetônica os conceitos que provêm da elaboração dos dados sensíveis.
A ideia-guia é comparável ao maestro de orquestra que sabe harmonizar os diversos musicistas; a sua ausência produz aquela confusão mental e comportamental tão bem descrita por Federico Fellini no filme “Ensaio de orquestra”.
E falo de amor, porque o amor é a força mais poderosa que existe. Imagino que muitos não concordem com essa minha afirmação e eu não tenho dificuldade em entender o motivo, dada a presença devastadora do mal.
No entanto, estou convencido de que, apesar da sua grande força, o mal e o ódio são menos fortes do que o bem e o amor, porque só o bem e o amor são capazes de construir, de dar energia positiva, de infundir a vida e de durar. Não subestimo a força do ódio, mas defendo que se trata de uma força segunda, que só pode destruir, nunca construir, e que, para existir, precisa dirigir-se contra a força primigênia e fundamental do amor, a única que sabe construir e edificar.
O ódio existe, age, às vezes vence, mas, mesmo assim, é sempre secundário, parasitário, rege-se sobre o trabalho alheio enquanto pretende negá-lo. O amor, em vez disso, é primário, criativo, não precisa de nada para existir, nasce de si mesmo. A diferença entre a força do amor e a do ódio é análoga à diferença entre uma criança que constrói castelos de areia e uma criança invejosa que só sabe destruí-los: o primeiro existe e trabalha para si mesmo, o segundo tem sentido em função do outro.
A propósito de trabalho, sabe-se que, de acordo com a física, a matéria nada mais é do que energia solidificada, portanto tudo o que vemos e tocamos é resolvível na energia. Energia vem do grego energheia, termo formado pela preposição “en”, que significa “em”, e pelo substantivo “ergon”, que significa “ato, obra, trabalho”: portanto, energia etimologicamente significa “em ato”, “em obra, “em trabalho”. E, se tudo é energia, tudo trabalha.
Agora, porém, preste-se atenção naquilo que Marco Aurélio afirma: gegonamen pros synergian, expressão normalmente traduzida como “Nascemos para a colaboração”, mas que, neste contexto, é mais incisiva no seu sentido literal: “Nascemos para a sinergia”. O sentido da vida humana como humana não é simplesmente trabalhar e produzir en-ergia, mas, na sua peculiaridade, consiste em suscitar uma energia mais refinada capaz de vínculos recíprocos até o ápice do amor e, que, por isso, chama-se sin-ergia.
O cristianismo não diz nada diferente ao falar de “amor ao próximo”. Tal lógica sinérgica está tão radicada em nós que, quando podemos vivê-la em plenitude no amor concretamente correspondido, a vida floresce e sorri, e não há nada de mais completo e de mais alegre.
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Por que o amor é a forma mais elevada de pensamento. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU