18 Julho 2017
"Estamos diante de uma concepção individualista e subjetivista da beleza, a cultura dominante diz ‘não é bonito o que é bonito, mas é bonito o que agrada’. Eu não concordo. A beleza é objetiva e não subjetiva", afirma Vito Mancuso, que no último dia 14 de julho esteve em Pozza di Fassa, no teatro da paróquia para falar sobre a "Responsabilidade da beleza".
A entrevista é de Fausta Slanzi, publicada por Trentino, 14-07-2017 . A tradução é de Luisa Rabolini.
A iniciativa é parte de um evento organizado por alguns dos “refúgios” das Dolomitas (Roda di Vaël, Rifugio Città di Fiume e Rifugio Pordenone) em colaboração com a Fundação Dolomitas UNESCO. O encontro da sexta-feira estava programado para acontecer no belo vale do refúgio Roda di Vaël, no coração do Catinaccio (em total sintonia com a ideia de beleza que o teólogo professa), mas as previsões de mau tempo sugeriram sua transferência para o vale, em Pozza.
O ser humano, como se relaciona com o valor da beleza?
Como se reconhece a beleza? Por algo que está diante de nós, não é algo que a mente produz, só o produz a partir do momento em que tem padrões já existentes. E quais são esses padrões? Vou citar Tomás de Aquino: claritas, integritas, debita proportio-armonia. A beleza tem a ver com a clareza, não é preciso raciocinar para entendê-la. Não por acaso, em grego o significado de estética é algo que atinge os sentidos, fica-se extasiado com a beleza. O sentido de transcendência que a beleza comunica - quando nos deparamos com algo belo, uma paisagem, o mar, as montanhas, as Dolomitas, um rosto, uma música – faz com que nos sintamos pequenos. A beleza, a verdadeira, é grande e você se sente pequeno em comparação à beleza das montanhas, do mar: você está na presença de algo que lhe transcende. A beleza leva a uma experiência espiritual, è um encantamento; leva para além de si mesmo. As Dolomitas estão ali e se alguém não gosta, é um problema de sua relação com um valor, uma epifania do ser que existe e que nos faz dizer que as Dolomitas são belas, independentemente do reconhecimento da UNESCO. Todas as pessoas formadas reconhecem a beleza nas Dolomitas, no mar da Sardenha, nos templos gregos, na música dos mestres como Bach; isso significa que, ao contrário do que defende a cultura dominante, a beleza é objetiva e não subjetiva.
O que é a responsabilidade para Vito Mancuso?
A responsabilidade é uma resposta: ‘respondeo’; isto é, responder a uma pergunta do ambiente, dos outro, do nosso corpo, da nossa alma ou da nossa mente. A consciência responsável é aquela que sabe ouvir e responder de forma efetiva, compreendendo a pergunta. Há duas premissas para ser responsável: a) capacidade de escuta e atenção; b) implementar o bem, a justiça e a harmonia. Estes são os componentes daquela atitude geral, daquela disposição existencial que chamamos de responsabilidade.
Quais são as esferas do agir humano que envolve a responsabilidade da beleza?
Eu pertenço a uma escola de pensamento que entende a beleza em harmonia com a verdade, entrelaçada com a bondade, a justiça e o ser verdadeiro: quando algo é belo leva você a ser verdadeiro, justo, bom e belo; ou seja, é uma filosofia clássica transcendental do ser, uma visão unitária e unificante. Toda verdadeira experiência de beleza é uma experiência de justiça, de verdade: se harmonizam, convergem, se entrelaçam. A beleza afeta todas as esferas do agir humano, é algo que tira de si, leva a entender que se está na presença de algo maior, expande o ego. Rompe os limites do ego: a experiência da beleza não está a serviço da minha vontade e do meu desejo, mas orienta o meu desejo para patamares mais altos. Não surpreendentemente a ciência diz que um dos critérios de verificação da verdade das teorias é a elegância: o entrelaçamento entre verdade e beleza. As esferas do agir humano estão todas investidas pela beleza: não por acaso, mais experiência de beleza temos, mais nos sentimos bem.
É possível também falar de uma acepção negativa de beleza?
Claro. Não há nada que não tenha uma acepção negativa: por exemplo, na religião, é o fanatismo, a superstição. A acepção negativa da ciência é o cálculo, a frieza, o cientificismo; na política é a ideologia, no passado, e hoje o economicismo. Portanto, há uma conotação negativa de beleza que chamaria de estetismo, que é aquela idolatria das obras de arte, de certa maneira de vestir, a idolatria do próprio corpo - queremos ser os mais bonitos, os mais viçosos, os mais sedutores – o que, no fundo, nos leva a ser também patéticos: para cada idade há uma beleza específica. Em vez disso, quem absolutiza a beleza cai no estetismo: quando é verdadeira se conecta com a verdade, com o bem e a justiça.
Como recuperar a beleza nas relações humanas?
Permitindo que sejamos educados pela experiência da beleza, do silêncio, da contemplação, da escuta: saber escutar é fundamental. As relações humanas podem ser prisões; pode surgir o desejo de fugir das relações humanas quando não somos mais capazes de escuta, de contemplação, de entender que o outro não está em minha função, nem eu devo estar em função do outro. Nas relações verdadeiras deve existir uma recíproca fertilização, um diálogo, uma dialética. Da mesma forma que escalar uma montanha requer diferentes etapas para a subida e para a descida, de acordo com as próprias possibilidades e disposições, assim ocorre com os relacionamentos humanos. Para recuperar a beleza nas relações humanas a dimensão essencial é a ruptura do egocentrismo. As pessoas que nos atraem têm uma personalidade rica sem ser egocêntricas: um rico si próprio, mas não egocêntrico. As pessoas que preenchem os momentos das nossas vidas são aqueles com os quais entramos em diálogo e isso pode ser aprendido com a natureza. A natureza é uma grande escola de escuta. É importante aprender os sinais dos outros, saber lê-los, interpretá-los, assim se cultiva a arte das relações humanas.
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"As Dolomitas? Tão lindas que parecem formas do espírito”. Entrevista com Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU