29 Julho 2017
"Só no fim do percurso histórico será possível saber, de um lado, o que permaneceu joio e deve ser jogado ao fogo e, de outro, o que permaneceu trigo e deve ser preservado", escreve o padre Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor das Pastorais Sociais.
Primeiramente, toda pessoa, grupo ou cultura constituem terreno propício para ambas. Basta um rápido olhar ao interior do próprio coração, ao ambiente familiar ou a qualquer forma de organização a que pertencemos para dar-se conta que trigo e joio fazem parte da condição humana. Encontram-se tão inextrincavelmente misturados e entrelaçados que é impossível destruir um sem afetar o outro. O problema é que normalmente sofremos de uma dicotomia crônica que opõe como adversários inconciliáveis os bons e os maus.
Os primeiros estão do lado de dentro do muro virtual e imaginário, pertencem ao time ou ao partido certo; os segundos estão do lado de fora desse muro, pertencem ao time ou partido errado. Como se o mundo fosse dividido nitidamente, simplisticamente entre os “nossos” e os “outros”. Conhecidos e estranhos fazem parte de dois campos diversos e adversos. Semelhante dualismo maquiavélico costuma ser cego ou míope para a ambiguidade que é marca registrada de todo ser humano, de toda a associação ou de toda a sociedade. Parte da suposição que as incoerências, incongruências e contradições encontram-se sempre do lado contrário.
Daí o corte taxativo entre puros e impuros, santos e pecadores, fiéis e infiéis, salvos e perdidos... Desnecessário acrescentar que, nesse caso, estamos a um passo do fanatismo e do radicalismo, do extremismo e do fundamentalismo, sejam tais “ismos” de ordem política, ideológica ou religiosa. Caminho que conduz diretamente à discriminação e ao preconceito, à intolerância e à perseguição – para não falar da violência e da guerra. Os resultados disso cotam-se aos milhões e milhões de vítimas!
Em segundo lugar, joio e trigo devem conviver lado a lado, lembrando que, pelo menos no jogo complexo e tortuoso das relações humanas e socioculturais, a erva daninha superar o próprio veneno e transfigurar-se e planta benéfica e esta, por sua vez, regredir à condição de erva daninha. Se na terra cultivada isso é impossível para trigo e joio, na travessia real e cotidiana da vida há sempre a probabilidade de um recomeço, de um verdadeiro processo de conversão. No intricado e labiríntico percurso da existência humana, ninguém está definitivamente condenado, da mesma forma que ninguém está definitivamente salvo. Disso resulta a importância de deixar a porta aberta e eventuais mudanças de rota e de meta.
Cortar o joio antecipadamente significa tolher de uma vez por todas a possibilidade de transformação. Em outras palavras, fazer um julgamento precipitado, eliminando todo e qualquer potencial de regeneração. E o que é mais grave, do ponto de vista da fé, significa especialmente fechar o campo para a ação do Espírito Santo ou da graça de Deus na trajetória histórica de cada pessoa ou cultura.
O terceiro aspecto põe em cena a solução evangélica proposta pelo Mestre: joio e trigo devem crescer e conviver até o tempo da colheita. Só então torna-se maduro um julgamento integral, pois todas as cartas foram jogadas sobre a mesa, experimentadas todas as tentativas de resgate. Não é mais possível voltar atrás! O velho sábio já dizia que “a vida é a arte de escrever sem borracha”. E a sabedoria popular acrescenta: “fruto que se colhe cedo demais amarga na boca, fruto que se colhe tarde demais apodrece e amargará no estômago”.
Mesmo assim, porém, ao final do percurso terrestre, o julgamento e a punição não pertencem aos homens, mas aos anjos; isto é, aos mensageiros de Deus. Faz lembrar as palavras do Papa Francisco: “Quem sou eu para julgar?" Qualquer juízo precoce ou antecipado pode induzir ao erro, tanto na condenação quanto na salvação. Somente o Senhor da história possui o direito e o dever para emitir a sentença definitiva. Os julgamentos humanos permanecerão sempre provisórios.
A conclusão é que os fios invisíveis que tecem a trama das relações humanas – fazendo, desfazendo e refazendo o tecido social – se mesclam, se confundem e se alternam sucessivamente. Tal como o choro e o riso, o bem e o mal coexistem um ao lado do outro. Além disso, quem pode decidir o que é bom e o que é mau? Em base a que critérios? Que leis e costumes levar em conta? Numa sociedade cada vez mais efêmera e “líquida” (Z. Bauman), onde encontrar referenciais pétreos? Só no fim do percurso histórico será possível saber, de um lado, o que permaneceu joio e deve ser jogado ao fogo e, de outro, o que permaneceu trigo e deve ser preservado. Nas etapas intermediárias, o bom senso, a busca do bem comum e as instituições reguladoras recomendam o respeito à dignidade, o reconhecimento plural dos valores e a solidariedade entre pessoas, povos, culturas e nações.
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Por que o joio e trigo devem ser deixados até a colheita? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU