16 Dezembro 2015
"Os erros da classe política francesa, o fato de estar cada vez mais distanciada da realidade, estão na base de dois graves fenômenos especulares: o crescimento da extrema direita ligada à Frente Nacional e o enraizamento dos jihadistas na comunidade muçulmana."
A reportagem é de Lorenzo Cremonesi, publicada no jornal Corriere della Sera, 14-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Gilles Kepel narra a gênese do terrorismo islâmico na França, à sombra dos resultados eleitorais. O célebre cientista político nos deu em primeira mão o seu novo livro que a editora Gallimard vai publicar na próxima quarta-feira: Terreur dans l’Hexagone, genèse du djihad français, uma obra importante, esperada, especialmente depois dos atentados do dia 13 de novembro.
Eis a entrevista.
Para onde a França está indo?
Estamos assistindo a um processo de radicalização, que cresceu nos tempos das revoltas violentas nas banlieue há 10 anos, mas explodiu especialmente depois da vitória dos socialistas de François Hollande nas eleições presidenciais de 2012. A afirmação agora da Frente Nacional, embora claramente reequilibrada no segundo turno, faz parte do mesmo fenômeno que desencadeou o islamismo radical. Ambos os casos representam um desafio frontal ao velho establishment político. Cerca de 40% dos eleitores que escolheram Le Pen no primeiro turno não são todos fascistas. Trata-se, em vez disso, de pessoas que manifestam desconfiança e rejeição à classe dominante no poder. E não importa que Sarkozy agora tenha se recuperado em parte. A mensagem é forte, inequívoca.
Um voto dominado pelo medo, pela demanda de segurança?
Certamente. As simpatias pela Frente Nacional são alimentadas pela falta de políticas claras em relação à imigração do mundo árabe. Impera o temor de que possa acontecer o que os pregadores islâmicos radicais chamam de "a grande substituição da população europeia original", com as massas de muçulmanos. A extrema direita, além disso, recolhe o descontentamento de muitos que acusam as autoridades de não terem sabido evitar os atentados do dia 13 de novembro. E, enquanto isso, esquecemo-nos de que a França tem uma longa e profunda tradição de estudos islâmicos. Graças ao nosso passado colonial, ao enraizamento na África do Norte, as nossas universidades sempre tiveram antenas e sensibilidades atentas. Temos os instrumentos para entender e reagir. Mas, hoje, essa tradição é ignorada, até mesmo desmantelada. A nossa fraqueza me lembra de perto a italiana. Estamos perdendo o desafio contra o radicalismo islâmico, que é cultural antes de ser político. Ele é combatido nas escolas antes das armas.
No seu livro, você se detém para examinar a perda de consenso de Hollande entre o eleitorado muçulmano depois de 2012. Como isso se explica?
Foi uma queda surpreendente. Cerca de 80% dos muçulmanos o escolheram. E, entre eles, também aqueles que eu defino como a terceira geração entre os filhos de imigrantes da Argélia depois da descolonização. A geração da qual hoje vêm tantos terroristas. Só poucos meses depois, esses mesmos eleitores retiraram a sua confiança em Hollande.
As causas?
São duas. Em primeiro lugar, a crise econômica, o desemprego galopante, especialmente entre os muçulmanos e os novos imigrantes, que gera raiva, alienação. Mas, depois, também a escolha socialista de aprovar o casamento entre os homossexuais. Foi então que os imãs nas mesquitas começaram a denunciar aqueles que eles definiam como "os corruptores corruptos". A sua campanha se tornou cultural, social, antes mesmo de religiosa. Os jovens muçulmanos já marginalizados se viram envolvidos em um braço de ferro identitário sobre os fundamentos da convivência civil, da tradição, da família, da relação homem-mulher, onde eles se tornavam os paladinos da nova moralidade. O desencanto político em relação aos socialistas e à esquerda secular, tradicionalmente bastiões da comunidade islâmica contra o nacionalismo xenófobo, assim, deu espaço aos jihadistas salafistas.
Quais são as raízes ideológicas dos novos jihadistas?
Eles vêm especialmente da incapacidade demonstrada pela Al-Qaeda de se comunicar com os muçulmanos europeus. Ficou evidente depois dos atentados do 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. No momento de seu maior triunfo propagandístico, a organização de Osama bin Laden evidenciava os seus limites. Continua sendo verticalista, os seus comunicados eram tediosos, doutrinais, ilegíveis. Foi então que, em 2005, apareceram os textos de Abu Musab al-Suri, um jovem teólogo de origem síria, que passou pela Espanha e desembarcou na França, que insistiu na criação de uma organização reticular de baixo para cima, fundada na militância via web. Especialmente Al-Suri teorizou a necessidade de mudar de objetivos: não atingir os Estados Unidos, mas se concentrar na Europa dos valores fracos, descristianizada, duvidosa, velha e em crise, verdadeiro ponto fraco do Ocidente, fácil de atingir e ainda mais de aterrorizar e colonizar.
Prós e contras da conferência sobre a Líbia?
Um fracasso. A comunidade internacional deve falar com as tribos, que são as únicas que controlam o território. A política dos governos de Trípoli e Tobruk não contam mais nada. Foi o erro de Bernardino León dar-lhes muita importância. E continua sendo o erro da ONU e da Europa, com a Itália em primeiro lugar. Além disso, há o problema de que muitas tribos controlam os poços de petróleo, vendem petróleo para as companhias estrangeiras e, portanto, se fortalecem, compram armas, escolhem se querem ou não se aliar com o Isis.
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"Os extremismos nascem do distanciamento de uma classe política da realidade." Entrevista com Gilles Kepel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU