Por: Vitor Necchi | 18 Julho 2017
As constantes agressões ao ambiente natural cometidas por grandes grupos econômicos, com a complacência de governos e dispositivos legais, têm levado a uma mobilização em nível internacional para que o ecocídio seja considerado delito universal. Esta é a proposta do jurista espanhol Baltasar Garzón, para quem os ataques sistemáticos contra a natureza por parte de corporações, que promovem explorações arbitrárias e abusivas, demandam novos desafios, em um cenário em que os governos não avançam na formulação de políticas e leis de proteção integral. Para que isso ocorra, é necessário uma alteração do Estatuto de Roma, que criou a Corte Penal Internacional. Isso se constitui em uma esperança para quem considera a natureza como um sujeito de direitos.
A advogada escocesa Polly Higgins, uma das mais renomadas ambientalistas do mundo, é uma das defensoras que os crimes ambientais sejam tratados como ecocídio. Ela lembra que em 1996, quando se discutiu o Estatuto de Roma (assinado em 1998), os crimes ambientais foram incluídos, mas depois acabaram eliminados da redação final por pressão de várias potências, como Estados Unidos, Reino Unido e França, além de grandes corporações multinacionais de agricultura, energia nuclear e combustíveis fósseis. Para a advogada, é preciso retomar o que foi perdido no Estatuto de Roma.
A falta de um ordenamento legal que trate desses temas cria situações como a verificada no Equador em relação a Texaco, que operou no país entre 1964 e 1992. A empresa, que atualmente integra a norte-americana Chevron, deixou na Amazônia equatoriana dejetos provenientes do vazamento ocorrido durante exploração de petróleo. Estima-se que 500 mil hectares e a saúde de milhares de pessoas foram afetados pelo resíduos.
Um grupo de índios iniciou uma disputa judicial para obter reparação, mas a batalha nos tribunais já dura 24 anos, desde que a empresa deixou o Equador, e quase nada se conseguiu. Em 2013, os indígenas obtiveram uma importante vitória, quando um tribunal condenou a Chevron a pagar 9,5 bilhões de dólares. No entanto, este valor não pode ser cobrado, pois a empresa deixou o país e não há como executar a sentença. O Equador tenta que Brasil, Argentina e Canadá bloqueiem ativos da companhia para que a sentença possa ser cumprida.
Garzón protesta que não há estruturas internacionais fortes em condições de exigir a responsabilização da matriz da empresa. Conforme o jurista, se hoje ocorrer um genocídio, haverá uma resposta nacional ou na Corte Penal Internacional. “Essa resposta internacional é o que falta nos casos de crimes contra o meio ambiente", defende.
Os problemas decorrentes da exploração dos ambientes naturais são verificados em vários países da América Latina. Na Argentina, por exemplo, o extrativismo está entre as principais atividades econômicas, com o objetivo de abastecer mercados globais. Isso vem devastando um volume expressivo de recursos do país, principalmente por conta da mineração e das monoculturas.
Há uma peculiaridade no país, onde ocorrem quase todos os tipos de exploração do ambiente: mineração, indústria petrolífera, agricultura e pesca. O resultado é uma forte subordinação à globalização e um conjunto de impactos negativos na sociedade e na natureza, que superam os benefícios advindos da economia.
O ambientalista Eduardo Gudynas avalia que, frente a essa situação, é indispensável buscar alternativas para se sair da dependência desse modelo e encontrar substitutos para os projetos extrativistas. O país está começando a promover essas discussões, ao mesmo tempo em que surgem posicionamentos de que essas críticas e resistências não bastam, pois, sem mineração, não haveria desenvolvimento, ou ainda que, sem o plantio de soja, a economia nacional entraria em colapso. O pós-extrativismo obriga a reflexões políticas importantes, entre elas o questionamento do quanto é uma alternativa passar de una mineração transnacionalizada para um modelo estatal.
Gudynas, projetando uma transição pós-extrativista, propõe alguns cenários possíveis levando em conta não apenas a realidade da Argentina, mas também discussões realizadas em países vizinhos. Na Argentina, o segmento extrativista mantém uma fatia relevante da economia, situação que não pode ser deixada de lado na discussão. Os commodities oriundos do extrativismo respondem por 70% das vendas externas do país, sendo que 40% se referem à soja e a outros cultivos agrícolas. Os números são tão expressivos que geraram um superávit na balança de comércio exterior nos últimos anos.
Há um elevado custo ambiental. A mineração e o plantio de soja, por exemplo, geram vários tipos de impactos, entre eles, contaminação de solos e água, desflorestamento, deterioração dos solos por conta da monocultura e danos provocados em populações que vivem em áreas atingidas. Esse conjunto de situações acaba gerando muitos conflitos locais, afetando o ambiente e a qualidade de vida das pessoas. Para agravar o cenário, empresas e o Estado hostilizam, criminalizam e judicializam a resistência das comunidades. O extrativismo não melhorou a vida da população, mas não é oferecida nenhuma alternativa econômica a longo prazo.
No Brasil, vários retrocessos são verificados nos últimos anos em relação à defesa do ambiente natural. Parlamentares antiindígenas conseguiram aprovar no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 215, com a qual pretendem não apenas impedir a demarcação das terras indígenas, mas também redefinir as terras já regularizadas e abri-las para a exploração do latifúndio e agronegócio. É o que afirma o Manifesto de Palmas em defesa da vida e da Mãe Terra, publicado no dia 30 de outubro de 2015.
Mais recentemente, no dia 11 de julho, o presidente Michel Temer sancionou a Medida Provisória – MP 759/2016, também conhecida como MP da Grilagem. Conforme o site do Senado, ela “dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal”. Ambientalistas apresentam leitura distinta e temem pelos desdobramentos dessa MP. O coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Márcio Astrini, é taxativo: “Sua aprovação foi uma vitória de bancadas como a ruralista”. Astrini conta que grande parte da MP foi redigida por grupos de interesse instalados no próprio Congresso. “Esses personagens há muito tempo querem ver aprovados retrocessos como os contidos na 759, porém muitas de suas propostas sempre tiveram bastante dificuldade para serem aprovadas, porque são débeis em apoio popular, em justiça social e mesmo por afrontarem a Constituição”, rememora. “A diferença é que agora seus autores encontraram um presidente servil a seus propósitos.”
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Ativistas se mobilizam pela instituição do ecocídio para coibir crimes ambientais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU