02 Março 2017
Eduardo Gudynas, especialista em temas relacionados ao meio ambiente e desenvolvimento, considera que os governos progressistas da região caíram na armadilha do desenvolvimentismo, que destrói a natureza.
Nesta entrevista, Gudynas analisa o processo eleitoral no Equador e reflete por que o correísmo não conseguiu a vitória no primeiro turno e por que as comunidades indígenas afetadas pela exploração do petróleo e da mineração lhe deram as costas e optaram pela direita.
O analista está familiarizado com a realidade boliviana. Seus últimos livros são: Extrativismo, um modo de entender o desenvolvimento e a natureza, publicado por CEDIB, e Direitos da Natureza, por Plural.
Nesse contexto, faz uma leitura da Bolívia e assinala que, no passado, era a esquerda quem promovia os referendos e outras formas de democracia consultiva; hoje, os progressismos nos governos procuram desestimulá-los.
A entrevista é de Juan Carlos Véliz M. e publicada por Página Siete, 28-02-2017. A tradução é de André Langer.
Por que o correísmo não conseguiu ganhar no primeiro turno?
Pecou-se por autossuficiência, assumindo que teriam uma grande maioria e que a oposição seria minúscula. Mais do que se equivocar, foram cegos.
De qualquer forma, o candidato apoiado por Rafael Correa conseguiu uma boa votação: 39%. Nisso operou todo o apoio do Estado, a publicidade em massa, a cooperação dos grupos econômicos beneficiados pelo correísmo e os militantes que, sinceramente, compartilham suas ideias. A oposição conservadora, embora dividida em duas opções, e a esquerda plural conseguiram subtrair-lhe os votos necessários para evitar uma vitória já no primeiro turno.
O que significam para o Equador e a região os resultados das recentes eleições?
São muito importantes para entender a dinâmica dos progressismos. Se compararmos com a Argentina, ali o progressismo kirchnerista perdeu a eleição presidencial e teve uma má votação. No Equador, ao contrário, tiveram uma boa votação e mantém a maioria parlamentar. Mas, da mesma maneira que na Argentina, deixa o país dividido, com confrontos muito duros, nervosos, irritados e que constantemente são incentivados pelo próprio Presidente.
Se compararmos com a Bolívia, o caso do Equador exemplifica que pode haver renovação sem se cair em reeleições presidenciais indefinidamente. Mas, assemelham-se pelo fato de que os progressismos se afastam e acabam entrando em confronto com muitos setores sindicais ou indígenas.
O que está acontecendo com os governos progressistas na região? Bateram no teto?
No meu modo de ver, o progressismo está esgotado, mas não é seu fim. Não compartilho os diagnósticos de vários analistas que falam do fim do progressismo, porque muitos só veem o que acontece no Brasil, onde a presidenta Dilma sofreu um impeachment, ou na Argentina, como se os outros países não existissem.
O progressismo, por enquanto, continua no poder na Bolívia, no Equador e no Uruguai, com certa estabilidade. Mas está esgotado no sentido de que já não produz novidades políticas, afastou-se das ideias iniciais de esquerda ao tornar-se cada vez mais obcecado pelo desenvolvimentismo baseado em extrativismos e ao manter-se no palácio de Governo a qualquer preço.
Não dialoga, não escuta. Sofre denúncias de corrupção em todos os países. Não duvida em atacar indígenas, camponeses ou diversos movimentos sociais quando esses os questionam.
Isso explica em parte o triste caso do progressismo de Maduro na Venezuela, que se aferra ao poder, mesmo que dia após dia aprofunda a crise.
Uma análise recente assinala que os indígenas nas regiões atingidas por projetos hidrocarboríferos votaram contra Lenin Moreno. O que está acontecendo com as bases da esquerda que não se mantêm leais e optam pela direita?
A análise das eleições mostra que quase todas as regiões onde se está promovendo a mineração ou os hidrocarbonetos votaram contra Moreno.
É, especialmente, um voto de castigo contra Correa. Não passa despercebido que pouco tempo atrás diversas comunidades indígenas amazônicas começaram a reagir por causa da invasão de seus territórios por empresas de mineração, sobretudo uma de capital chinês.
Houve tumultos e outra vez se caiu na violência para impor o extrativismo. O Governo militarizou a região e judicializou líderes indígenas.
Este é, justamente, um exemplo de um progressismo que não sabe ouvir. Mostra, além disso, que não acreditam em toda essa publicidade de que a mineração ou os poços de petróleo trazem bem-estar local ou que se compensará os moradores com bônus em dinheiro.
Mas, o chamativo é que esses grupos locais estão tão zangados com os progressismos que se voltaram para os candidatos da direita, embora tradicionalmente muitos apoiassem a esquerda ou o partido indígena.
É como se eles não quisessem correr riscos com a esquerda e quisessem garantir uma mudança radical que só veem como possível com a direita. Este processo é preocupante, e vimos expressões similares em outros países andinos.
As táticas progressistas de imposição dos extrativismos estão provocando reações políticas que, em última análise, alimentam as alternativas conservadoras. E o mais triste é que esses conservadores também serão extrativistas, embora de outra maneira, como acontece agora na Argentina com o governo Macri.
Por que os governos chamados progressistas já não seduzem mais?
Os progressismos, em suas práticas reais e não nos discursos publicitários, caíram na armadilha do desenvolvimentismo que explora a natureza e os territórios e em acreditar que o bem-estar era mais consumo. Para manter-se no poder, eles atacaram a esquerda chamando-a, por exemplo, de esquerda descafeinada ou assediaram ou tentaram cooptar as organizações de base, reduzindo suas autonomias. Então, o progressismo impede renovações na esquerda, e isso faz com que já não seja mais sedutor. O livre pensamento e a crítica, tão necessários para a renovação, são atacados como traição.
Como você vê o caso boliviano? O presidente Morales quer uma nova reeleição, embora essa porta tenha sido fechada pelo “não” de um referendo, e agora culpa a mentira.
A situação da Bolívia é comovente, um país e que gosto tanto, já que seu progressismo está repetindo muitos dos erros cometidos nos países vizinhos. Sem dúvida, a primeira coisa a se respeitar é o marco legal, ter um senso republicano e isso implica em aceitar os referendos.
Esse foi o grande aprendizado da esquerda no Cone Sul. Por exemplo, a esquerda do Uruguai ganhou assim como perdeu referendos, mas, acima de tudo, ao aceitar os resultados demonstrou maturidade e isso lhe permitiu crescer ainda mais.
No passado, a esquerda promovia os referendos e outras formas de democracia consultiva; hoje, são os progressismos no governo que procuram desestimulá-los.
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América Latina. “O progressismo afastou-se das ideias iniciais da esquerda”. Entrevista com Eduardo Gudynas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU