30 Novembro 2016
“Ter o sentido do pecado pessoal, reconhecer que nós somos os primeiros que podemos opor resistências à misericórdia de Deus, é a única coisa que nos prepara verdadeiramente para colaborar na obra de sua graça”, escreve Luis Dri, em texto publicado por Tierras de América, 28-11-2016. A tradução é de André Langer.
“Ser confessor não se improvisa – disse o Papa. Tornamo-nos confessores quando começamos, nós mesmos, por nos fazer penitentes em busca do perdão”. E esta indicação, que se encontra na carta que Francisco escreveu para o Ano Jubilar da Misericórdia, tem uma importância fundamental. Ter o sentido do pecado pessoal, reconhecer que nós somos os primeiros que podemos opor resistências à misericórdia de Deus, é a única coisa que nos prepara verdadeiramente para colaborar na obra de sua graça. É o que o Papa diz na sequência: “Nunca esqueçamos que ser confessor significa participar da mesma missão de Jesus e ser sinal concreto da continuidade de um amor divino que perdoa e salva. Cada um de nós recebeu o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados; disto somos responsáveis”.
Na Misericordiae Vultus, o Papa Francisco diz duas coisas de grande importância.
A primeira, que os confessores não são donos da misericórdia; eles são objeto de misericórdia e dispensadores do perdão que outro, Deus, concede por sua Graça. A segunda, que para aprender a ser confessor, em primeiro lugar, é preciso saber olhar para si mesmo. Se meu coração não está contrito não consigo compreender o outro que vem para pedir perdão. Não estou me referindo a um desconhecimento do outro devido à má vontade do confessor, mas que depende de uma postura interior do confessor que não lhe permite penetrar em profundidade a alma daquele que tem diante de si, porque não a sente vibrar com o mesmo desejo que a sua. Quando o Salmo 50 fala de “um coração contrito e humilhado” que o Senhor não despreza, está oferecendo ao penitente uma indicação sobre a maneira de se aproximar do sacramento da Reconciliação, mas ao mesmo tempo diz ao confessor que olhe para si mesmo para não se transformar em juiz dos outros. O confessionário não é um tribunal, o confessor não é um juiz: é o sinal da misericórdia “visceral” de Deus em Jesus.
Neste sentido, a vida ensina muito: a saber ouvir, a compreender, a não ser precipitado, a ter paciência para dar espaço ao penitente em vez de tirar conclusões, a aceitar que chega até onde ele quer chegar com quem se confessa, a segui-lo no esclarecimento até onde quer esclarecer. Às vezes, sentam-se diante de mim e perguntam: “Como posso lhe dizer o que gostaria de dizer?” Sentem-se desconfortáveis e têm dúvidas: “Diga-o como quiser, como lhe parecer mais fácil”, encorajo-os.
Ser confessor não se improvisa; tornamo-nos confessores.
No começo, quando era jovem e inexperiente, confessava rápido, ouvia com a orelha voltada para quem estava falando, mas pensando que já sabia o que ia dizer, dava algum conselho rápido e passava para outro. Hoje, escuto mais. As pessoas têm necessidade de ser ouvidas. Santo Afonso Maria de Ligório dizia: “Devo ouvir o penitente como se fosse o único, embora tenha uma fila esperando”. E quando não há ninguém esperando, rezo, leio e espero. Agora, por exemplo, estou lendo aos poucos a vida do cardeal Eduardo Francisco Pironio.
É um argentino que ocupou cargos importantes na América Latina. Foi secretário-geral e depois presidente do CELAM (Conselho Episcopal da América Latina, NdA) quase no começo dessa instituição, nos anos 70. Depois, o Papa Paulo VI o chamou a Roma como prefeito da Congregação para os Religiosos e dos Institutos Seculares, e João Paulo II o colocou à frente do Pontifício Conselho para os Leigos, onde, entre outras coisas, colaborou na criação da Jornada Mundial da Juventude. Eu tive a sorte de conhecê-lo e ouvi-lo, e o aprecio muito. Ouvi-o pregar um retiro nos anos 80.
Ele gostava de falar com o mate na mão. Era um bispo culto e atento a tudo o que se movia na nossa América Latina: no México, na América Central, nos países andinos e na América do Sul. Tinha sempre um conhecimento profundo do que acontecia à nossa volta. Nós temos as “Reflexões sobre a Esperança”, baseadas em textos que ele usava muito, como o dos discípulos de Emaús ou do Primeiro Livro dos Reis, capítulo 9, quando Elias se desmoraliza e o Anjo o acorda e o encoraja a prosseguir o caminho. São ensinamentos que depois de ouvi-los ficaram gravados na memória. O cardeal Pironio transmitia paz, serenidade e fé.
O fato de poder ler, meditar e rezar é uma oportunidade muito valiosa na vida de um confessor. Sem dúvida, para mim. Há dias que não consigo me concentrar muito na leitura, porque vem uma pessoa após outra; outros dias, sim. Não tenho estatísticas de quantas pessoas se confessam em média por dia ou por semana no Santuário da Pompeia; mas são muitíssimas, isso pode garantir. Sobretudo nos finais de semana e nas primeiras sextas-feiras do mês. Também posso dizer que a presença de penitentes no Santuário aumentou nos últimos anos.
O Papa é uma das razões deste aumento.
Um homem de cerca de 60 anos veio para me ver, não faz muito tempo, e me disse que não se confessava desde que fez a Primeira Comunhão. Portanto, há várias décadas. Tinha muitas razões, mas fundamentalmente dizia que não acreditava no valor da confissão e também que não tinha coragem para se confessar. “Mas, vendo e ouvindo este Papa, vim”, disse-me. Também acrescentou outro detalhe. “Vi a luz do confessionário acesa e entrei”. Mesmo assim, depois de ter tomado a decisão de se confessar, continuava a ter dúvidas. Não sabia como proceder. Reconhecia que era um pecador, mas não via nada bom no fato de contar seus pecados no ouvido de outro homem; de outro homem como eu – pensei –, que podia ser mais pecador que ele.
Tomei a Bíblia e lhe perguntei se podia ler sem óculos e lhe assinalei um ponto: João, capítulo 20, versículo 22. “Recebam o Espírito Santo. Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados”. Disse-lhe algumas palavras, dizendo-lhe que a confissão não é apenas uma exteriorização de coisas que vão contra a moral, o próximo, enfim, contra a vida, mas que é receber a força de transformação misericordiosa que não é nossa, nem sequer do presbítero. Uma força que a Igreja chama “sacramental” e que, se Deus quiser, nos dará a força para estar à altura dos nossos propósitos.
E confessou-se.
Depois me disse que durante mais de 30 anos havia se sentido oprimido e angustiado, e que agora se sentia libertado.
Se não tivesse encontrado as portas da igreja abertas, a luz do confessionário acesa e o impulso interior que o Papa lhe havia dado, não teria tomado a decisão de entrar e confessar-se.
Deus estava esperando por ele.
De: Padre Luis Dri, com Andrea Tornielli e Alver Metalli. “Non aver paura di perdonare”, Rai-Eri, outubro de 2016.
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Ninguém nasce confessor; torna-se confessor. Os conselhos do “confessor do Papa” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU