11 Outubro 2016
Enquanto representantes da Companhia de Jesus do mundo inteiro se reúnem em Roma para a sua Congregação Geral, há um ministério relativamente novo do qual podemos muito nos orgulhar: o Serviço Jesuíta aos Refugiados – SJR.
A reportagem é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicada por National Catholic Reporter, 06-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Este programa foi iniciado pelo Pe. Pedro Arrupe, superior geral dos jesuítas, que viu o impacto devastador da guerra sobre o povo no Japão, país onde cuidou das vítimas da bomba atômica de Hiroshima. A iniciativa fora ainda mais marcante porque ocorreu numa época na qual os jesuítas estavam sendo forçados a reduzir os custos devido ao número decrescente de membros.
Era 1980 e as vítimas de guerra desta vez eram refugiados fugidos do Vietnã.
“Ele não teve nenhuma grande ideia senão caminhar com estas pessoas e ver o que acontecia”, explica o padre jesuíta Thomas Smolich, diretor internacional do Serviço Jesuíta aos Refugiados. “Como jesuítas, não podemos simplesmente deixar de caminhar com o povo. Então começamos muito rapidamente a formar as pessoas, prepará-las para a realocação, muitas vezes em países de língua inglesa como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália”.
Hoje, o Serviço Jesuíta aos Refugiados atua em 45 países servindo 724 mil pessoas, 55% das quais são muçulmanas. Conta com uma equipe de trabalho de 1.800 pessoas e um orçamento de aproximadamente 50 milhões de dólares. É uma cifra bem pequena em comparação com os números do Catholic Relief Services, da Caritas Internacional, do Médicos Sem Fronteira e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR, que também trabalha com refugiados.
O lema do Serviço Jesuíta aos Refugiados é acompanhar, servir e defender a todos os refugiados.
“Ele é bem inaciano”, explica Smolich. “É bem coerente com quem somos. Escutamos as histórias das pessoas, caminhamos com as pessoas, ouvimos quem elas são, ouvimos o que querem e damos o melhor para prover serviços que vão ao encontro dessas necessidades. Mais do que qualquer outra coisa, ajudamos as pessoas a terem uma voz, uma voz para expressar o que têm acontecido, o que elas querem e o que podem fazer no futuro”.
Normalmente o Serviço Jesuíta aos Refugiados não se envolve em situações de conflito, embora esteja presente em Homs, na Síria, onde coordena uma série daquilo que o ACNUR chama de Programas de Proteção Infantil. Funcionalmente, são escolas para as crianças que não estão matriculadas ou que vão à escola apenas alguns poucos dias na semana.
Os que trabalham no programa são sírios, muitos deles tiveram, na verdade, de deixar Homs e voltar. “Queremos proteger os nossos filhos”, explicaram a Smolich quando o religioso visitou o local em julho deste ano. “Queremos dar a estas crianças uma oportunidade, independentemente do que vier a ser o futuro delas”.
“Dificilmente nós somos o primeiro grupo a estar num local”, informa Smolich. Em geral, o SJR é convidado pela ACNUR, pelo bispo local ou por alguma agência humanitária. Normalmente este trabalho se resume a um apoio psicológico e a educação.
“O acompanhamento psicológico é basicamente acompanhar as pessoas mesmo”, disse. “É ir na casa delas, saber das suas histórias, ouvi-las e, às vezes, reuni-las para compartilhas as histórias umas com as outras. Se for um grupo católico, podemos ter uma dimensão explicitamente religiosa no encontro”.
Estes grupos ajudam os refugiados a lidar com o trauma que vivenciaram, para que possam ter melhores condições de fazer a transição para o próximo estágio de suas vidas. “Todos nós nos sentimos melhor se tivermos um lugar onde podemos falar com alguém sobre o que nos aconteceu”, explica o jesuíta. “Nunca esquecemos as dificuldades, mas quanto mais lidarmos com elas, maior é a chance de sucesso”.
Esse “acompanhamento” é um traço característico do Serviço Jesuíta aos Refugiados. “Mesmo quando estamos distribuindo alimentos, sempre há um pouco de acompanhamento, de caminhar com as pessoas e aprender sobre a vida delas”, relata Smolich. O Papa Francisco parece gostar do “acompanhamento” e escolheu acompanhar os jovens para ser o tema do próximo Sínodo dos Bispos em 2018.
A educação é um outro foco importante do SJR. Ela vai da pré-escola à universidade.
“Às vezes nós coordenamos os programas; às vezes ajudamos os governos a coordená-los”, explica o jesuíta. “Formamos professores, damos bolsas de estudos a alunos refugiados e prestamos ajuda de várias maneiras”. Isso inclui escolas, cursos universitários online, e mesmo treinamento profissional para cabelereiros/as, manicures, carpinteiros e outras “coisas básicas que podem gerar renda”.
Normalmente, o Serviço Jesuíta aos Refugiados assume as tarefas que os outros não estão fazendo. “Em um grande acampamento no noroeste do Quênia, existe uma outra agência que vem há anos garantindo o ensino primário e secundário, então nós não atuamos aí”, explica Smolich. Neste caso, a SJR envolveu-se com a educação especial.
“Há uma quantidade incrível de paralisia cerebral nos acampamentos de refugiados”, diz Smolich. “A paralisia cerebral geralmente resulta de trauma do nascimento”. A falta de acompanhamento médico resulta em uma série impressionante de crianças com essa condição.
“Ninguém estava fazendo isso, e as pessoas diziam: ‘Precisamos de alguém para cuidar dessas crianças’”, explica Smolich. “Então, é isso o que fazemos. É bem provável que, em algum lugar, nós não estejamos fazendo todas as coisas, mas se somarmos tudo veremos que temos feito todo o tipo de intervenção educacional”.
Sendo uma iniciativa jesuíta, não deve surpreender que o SJR enfatize a educação. “Redobramos os nossos esforços em educação porque é algo que pode contribuir para o futuro”, acrescenta. “Nós temos essa tradição; ela fincou raízes em todo o mundo, falando francamente”.
“Formamos professores em todos os lugares”, porque “a melhor forma de impactar um sistema educacional é formando os professores”. Por meio da generosidade de uma grande fundação, o SJR está desenvolvendo um programa mundial de formação de professores. Este programa quer formar professores não somente com habilidades, mas com valores também. “Não é só domínio de classe e conhecimento”, disse. Tem a ver com “acompanhar” as crianças. É como nós as tratamos.
“Algo que não se consegue tirar de um refugiado é a educação que ela recebe”, reflete Smolich. O jesuíta ficaria feliz se as pessoas dissessem do SJR: “Esses são os caras que formam os refugiados. Esses são os caras que dão as habilidades aos refugiados onde quer que o vento sopre”.
Além do acompanhamento e do serviço, o SJR está envolvido também na defesa dos refugiados nos níveis local, nacional e internacional.
“No nível local, trabalhamos especificamente em casos particulares”, explica Smolich. “Chegou no acampamento uma menina. Ela vem sendo perseguida. Tem muita falta de segurança nesse local. O que podemos fazer? A quem podemos confiá-la? Como podemos fazer para que o ACNUR lhe dê a proteção necessária?”
No nível regional, temos a questão de como os governos estão lidando com os refugiados, por exemplo no Quênia com os refugiados somalis. “Estamos trabalhando juntamente com a conferência dos bispos do Quênia”, explica Smolich. “O que fazemos enquanto católicos, enquanto cristãos, enquanto pessoas que levam a sério a vida dos refugiados? O que temos de dizer neste momento?”
E depois existe a defesa mundial: “Fazemos várias atividades com outros grupos. Mas é preciso dizer, esse trabalho não é fácil definir. Como é uma defesa em nível global nessa era digital? Acho que ninguém descobriu a resposta ainda”.
“Certamente não é via Twitter”, diz ele. “Tuitar é importante, mas não transforma os corações e mentes; tampouco funciona publicar na internet documentos de 30 páginas contendo o que achamos sobre o assunto”.
Por exemplo, como está sendo a defesa mundial às pessoas na Síria neste exato momento? “Ninguém tem uma resposta pronta aqui, porque não há respostas fáceis no país”, admite. “Mas o que é o certo a fazer? E como conseguir que as pessoas olhem para a essa situação?” Dar aos líderes envolvidos documentos escritos ou fazer petições não funciona. “São coisas velhas. Estamos lutando para fazer com que as vozes dos refugiados, do povo sofredor, sejam ouvidas nestes contextos? É esse o desafio do momento”.
Dos cerca de 1.800 funcionários do SJR, só 65 aproximadamente são jesuítas. Isso exige um programa de orientação robusto, para manter o caráter jesuíta da organização, principalmente quando os colaboradores locais refletem o caráter religioso dos refugiados.
“Servimos a todos e não somos sectários”, explica Smolich. Mas “existem dimensões da espiritualidade inaciana que faz sentido a todo mundo que tem algum tipo de estrutura de valor, que tem algum tipo de estrutura de crença”. Parte disso é ter um senso de discernimento e acompanhamento.
“Isso tem tudo a ver com o lugar de onde se parte”, explica. “São as regras ou é escutar a história de alguém?” Seria uma grande teoria socioeconômica mundial? “Não”, responde Smolich, o “SJR diz que você começa com a criança de 10 anos que apareceu na sua porta e então a escuta. Depois fala com a mãe e o pai. E meio que tenta reconstruir as coisas a partir daí”.
“Tem a ver também com entrar em diálogo com as pessoas de fé para ver aonde a conversa nos leva”, pensa Smolich. “Onde esse diálogo nos leva em termos de respeitar e incorporar certa experiência para dentro de uma comunidade de refugiados?”
Em seu primeiro ano como diretor internacional, Smolich encontrou algumas das pessoas extraordinárias que o SJR ajudou. Em Déli, ele conheceu uma refugiada do Afeganistão que atualmente cursa mestrado em educação. “Ela é da tribo Hazara, que é vista com inferior pela classe governante”, disse ele. “Essa jovem é muito inteligente e quer fazer a diferença em seu país de origem. Ela está muito disposta”.
Uma outra refugiada vinda do Congo vive em Nairóbi numa casa de dois cômodos com 13 crianças além da irmã. Elas são a sua família, a família de sua irmã e a família de uma outra irmã que morreu. “Esta refugiada me contou um pouco de sua história, o que aconteceu com ela pessoalmente – a violação, ver membros da família serem mortos na sua frente, ver um sobrinho ser torturado. De alguma forma, quando chegou a Nairóbi, acabou encontrando o SJR”.
“Nós conseguimos colocá-la em contato com alguém que dá bolsas de estudos”, disse Smolich. “Embora a escola seja gratuita, têm os uniformes, livros e taxas a pagar”.
“Essa menina já passou por tanta coisa que sequer conseguimos imaginar; uma vida difícil, mais difícil do que qualquer coisa que poderíamos pensar aqui nos Estados Unidos, e no entanto ela possui santidade e esperança”, disse. “Não tem muito o que podemos fazer, mas estarmos presentes já é algo positivo”. A refugiada congolesa pediu que Smolich orasse por ela. Ele respondeu: “Só se você orar por mim também porque você é mais abençoada do que eu serei algum dia”.
Enquanto os jesuítas refletem, em Roma, sobre o estado da Companhia de Jesus, uma iniciativa bem-sucedida vai ser o trabalho do SJR em ajudar refugiados em todo o mundo. Infelizmente, é um trabalho que não se tornará irrelevante.
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Serviço Jesuíta aos Refugiados: Acompanhando, servindo e defendendo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU