12 Setembro 2016
"Há séculos de história repletos de subordinação feminina, há um preciso direito matrimonial que sancionava a inferioridade da mulher em relação ao marido, testemunhando os efeitos produzidos por um texto como a Carta aos Coríntios, de Paulo."
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado no jornal Avvenire, 11-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu acho que a professora Rosanna Virgili errou completamente o alvo ao criticar duramente, no jornal Avvenire do dia 1º de setembro, o meu artigo redacionalmente intitulado "O Islã, o cristianismo e a polêmica sobre o burkini", publicado no jornal La Repubblica do dia 27 de agosto passado.
O objetivo da minha contribuição, de fato, não era, de modo algum, a exegese e a hermenêutica do controverso pensamento de São Paulo sobre as mulheres, mas sim uma reflexão sobre a diferença entre Ocidente e Islã a partir de três fatos inequívocos: 1) que, durante séculos e séculos, no mundo ocidental e no mundo islâmico, houve uma flagrante submissão da mulher ao poder masculino; 2) que, hoje, no mundo ocidental, essa submissão da mulher não existe mais; 3) que o vestuário é uma clara indicação dessa evolução, já que, primeiro, as mulheres ocidentais não mostravam pernas e braços em público e usavam o véu na igreja, enquanto, hoje, agem totalmente ao contrário.
A meu ver, a submissão feminina do passado não pode deixar de ter uma raiz também no texto que, durante esses séculos, era o ponto de referência indiscutível, isto é, a Bíblia, incluindo o Novo Testamento, assim como, hoje, a condição da mulher no mundo islâmico também se explica com base no Alcorão.
Pretendendo negar essa minha abordagem e afirmar, em vez disso, que a submissão da mulher não tem fundamento bíblico, Virgili me abusa de informações incorretas, apresenta alguns textos de São Paulo e, depois, conclui: "Não se pode negar uma presença de autoridade e em nada ‘submissa’ das mulheres nas comunidades cristãs, que usavam ou não o véu quando rezavam, ou que se calavam durante as assembleias".
Assumindo beneficamente tal afirmação, acho que é preciso perguntar: mas depois o que aconteceu? Como é que essa presença de autoridade e em nada submissa das mulheres nas comunidades cristãs desapareceu de repente quase totalmente? Como a hierarquia eclesiástica do cristianismo pôde se configurar unicamente como masculina?
A menos que se sustente que a tradição eclesiástica operou tal leitura desviada da Bíblia a ponto de se configurar como traição, é evidente que a leitura tradicional tinha a possibilidade de encontrar na Bíblia não só o que Virgili afirma sobre o papel das mulheres, mas também o seu contrário.
E é exatamente o caso da passagem de São Paulo em 1Coríntios 11, 3-10 por mim citado no artigo em questão e que à mentalidade da época apresentava três conceitos específicos: 1) que a mulher está submetida ao homem, assim como o homem está submetido a Cristo, e Cristo está submetido a Deus, de acordo com uma clara hierarquia ascendente; 2) que a mulher não apenas está submetida, mas é até finalizada ao homem, no sentido de ter sido criada para o homem, do qual é chamada a ser a "glória"; 3) que a mulher deve cobrir a sua cabeça em sinal de aceitação da autoridade à qual está submetida.
O fato de Paulo dizer outras coisas em outros lugares diz respeito ao seu pensamento em si e por si mesmo, não à história dos efeitos produzidos por algumas de suas afirmações. Há séculos de história repletos de subordinação feminina, há um preciso direito matrimonial que sancionava a inferioridade da mulher em relação ao marido, testemunhando os efeitos produzidos por um texto como 1Cor 11, 3-10.
Portanto, não tem nenhum sentido, no contexto do meu artigo, dizer que São Paulo não pensava sempre assim, porque o mérito do meu raciocínio não dizia respeito a São Paulo em si, mas à evolução do Ocidente em relação à condição feminina.
Virgili, depois, me acusa de ter cortado indevidamente a passagem de 1Coríntios e de fazer "má informação bíblica", mas se trata de uma acusação infundada e que, aliás, pode ser dirigida novamente a ela mesma.
É infundada porque os oito versículos paulinos por mim reproduzidos na íntegra, sem qualquer corte mínimo, e porque os versículos que se seguem, nos quais Virgili insiste (11-12), não mudam em nada a questão da submissão feminina em nível eclesial: a paridade ontológica proposta por São Paulo em nível místico naqueles versículos não produz para ele a paridade eclesiástica.
Prova disso são os versículos seguintes, 13-16, nos quais São Paulo retoma o tema da diferença homem-mulher para dizer que a mulher deve ter a cabeça encoberta, e o homem não.
A acusação de cortes indevidos, além disso, pode ser dirigida novamente a Virgili, em primeiro lugar porque ela não cita os versículos de 1Co 13-16 para completar a perícope em questão, e, acima de tudo, porque, assumindo o papel de advogada de defesa de São Paulo, ela recorda alguns textos paulinos (1Co 7; Ef 5; Gl 3, 28), mas omite os mais embaraçosos a propósito das mulheres, como 1Co 14, 34-35 e 1Tm 2, 11-15.
Eis o primeiro: "Que as mulheres fiquem caladas nas assembleias, como se faz em todas as igrejas dos cristãos, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas, como diz também a Lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, perguntem aos maridos em casa; não é conveniente que a mulher fale nas assembleias" [versão da Bíblia Pastoral].
E eis o segundo: "Durante a instrução, a mulher deve ficar em silêncio, com toda a submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem. Portanto, que ela conserve o silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, pecou. Entretanto, ela será salva pela sua maternidade, desde que permaneça com modéstia na fé, no amor e na santidade".
É a partir de textos como esse que provém, na arte ocidental, a frequente representação da Serpente tentadora com o rosto de mulher, assim como a estruturação institucional masculina da Igreja, por cuja mudança as teólogas e as biblistas contemporâneas lutam justamente, teólogas e biblistas que são uma clara contradição do pensamento paulino, porque o Paulo histórico não teria lhes permitido ensinar.
Virgili afirma que "não há exegese sem hermenêutica". É muito verdade, mas a questão decisiva diz respeito à intenção que anima a hermenêutica. Porque, durante muitos séculos, os textos citados acima eram fielmente respeitados, e hoje, em vez disso, causam problema para a consciência, a ponto de nos envergonhar, e preferiríamos evitar isso?
Virgili remete ao Concílio Vaticano II, mas se trata de uma resposta parcial, porque o Vaticano II, por sua vez, foi a consequência de um processo que iniciou muito antes e que se chama de modernidade. Foi a modernidade que fez evoluir a consciência ocidental à paridade homem-mulher e, portanto, que fez sentir a inaceitabilidade de algumas expressões bíblicas, incluindo as de São Paulo mencionadas acima.
E também foi a modernidade que marcou a maior diferença entre mundo ocidental e Islã, incluindo o vestuário feminino. O Vaticano II chamou a modernidade de "sinais dos tempos" e viu nela o trabalho do Espírito de Deus que sempre auxilia a evolução do mundo.
Ser moderno em âmbito teológico não significa ser genericamente progressista. Ao contrário, significa conferir o primado não mais à autoridade do texto, mas ao bem do ser humano, a serviço do qual se chega até a curvar o texto bíblico e o patrimônio doutrinal da Igreja, porque se considera que não há nada de mais precioso do que a vida humana e o seu florescimento.
É a partir daí que nasce a intenção que alimenta aquela hermenêutica capaz de uma exegese nova e mais libertadora, que Rosanna Virgili enfatizou na sua infundada crítica ao meu artigo.
As mulheres segundo São Paulo ou segundo Mancuso? Artigo de Rosanna Virgili
Islã, cristianismo e a polêmica sobre o burkini. Artigo de Vito Mancuso
Afinal, Paulo era contra a mulheres?
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Paulo e as mulheres: a Igreja condicionada por alguns versículos. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU