23 Agosto 2016
Brian Kolodiejchuk, canadense, membro dos Missionários da Caridade, é o postulador oficial para a canonização de Madre Teresa de Calcutá, que será declarada santa em 4 de setembro. Ele editou a coleção de cartas e diários publicados em 2007 intitulada “Come Be My Light”, em que se revelou a luta da religiosa contra décadas de escuridão interior. Kolodiejchuk é também o editor de uma nova coleção de escritos de Madre Teresa – coleção intitulada “A Call to Mercy” – a ser publicada ainda este mês de agosto pela Image Books. Na entrevista concedida ao sacerdote jesuíta James Martin, Kolodiejchuk falou das primeiras experiências místicas de Madre Teresa e das lutas conterá a “noite escura”.
A entrevista é de James Martin, jesuíta, publicada por America,16-08-2016. A tradução é de Isaque Gome Correa.
Eis a entrevista.
Padre Brian, parabéns pela canonização de Madre Teresa. Eu gostaria de falar com o senhor sobre a “noite escura” dela. Pode começar nos falando sobre isso, sobre as cartas?
Graças a Deus que os jesuítas tiveram o cuidado de guardar estes documentos. A maior parte deste material era do Pe. Celeste Van Exem, diretor espiritual da Madre Teresa em Calcutá durante os anos de inspiração e seguimento. Depois estão Dom Périer, arcebispo de Calcutá, que também era jesuíta, e os jesuítas que vieram mais tarde: o Pe. Lawrence Picachy, depois Cardeal Picachy, e o Pe. Joseph Neuner.
Eles guardaram os documentos. Não havíamos percebido que eles estavam lá até início da coleta dos documentos. Quando vasculhamos os arquivos dos jesuítas em Calcutá e a casa do arcebispo, encontramos as cartas.
As cartas acabaram se tornando parte do processo de canonização, e quando isso aconteceu era só uma questão de tempo para que elas fossem reveladas – fosse hoje ou, digamos, a daqui 50 anos, quando os materiais fossem revelados. Mas um dos nove teólogos que analisaram a causa – a vida, as virtudes e a reputação de santidade – sugeriu que aquelas informações fossem publicadas. Na verdade, o arquivista da Província de Calcutá usou algumas das cartas em um artigo na revista Review for Religious, e o Pe. Neuner também escreveu algo usando parte deste material. Então, achei que o melhor seria publicar tudo o que tínhamos sobre a escuridão. Assim, a coleção “Come Be My Light” possui tudo, exceto uma ou duas cartas que viemos a conhecer depois.
Ela nunca falou com o senhor sobre estas experiências, é isso mesmo?
É um assunto sobre o qual ela nunca falou, e de maneira muito deliberada. As irmãs, ou mesmo eu, perguntamos sobre a “inspiração” – 10 de setembro [de 1946] – e ela nada respondeu; somente se o papa, em obediência, dissesse-lhe para falar algo. Era bastante sagrado para ela. Então ela conseguiu ser uma pessoa um pública e, ao mesmo tempo, capaz de manter consigo esta experiência. O Pe. Van Exem contou a um dos jesuítas em Calcutá tinha cinco caixas de materiais em sua posse. A Madre continuou fazendo pressão para que ele destruísse todas aquelas coisas. Agora tenho certeza que a perspectiva dela é diferente.
Felizmente, eles tiveram a sensibilidade de guardar tudo, pois este material revela uma parte muito importante da própria santidade da Madre Teresa e um aspecto importante do carisma das Missionárias da Caridade. Queremos estar em solidariedade com os mais pobres dos pobres, mas quando vai para o Ocidente, cada vez mais ela diz que a maior pobreza no mundo, hoje, é não ser amado, não ser desejado e não ser cuidado. E esta foi a experiência dela.
De forma paradoxal, a Madre estava tão unida a Jesus que ele pôde compartilhar com ela os seus maiores sofrimentos no Jardim, e a sensação de abandono na cruz, como outros santos tiveram. A parte singular desta escuridão relacionada com Madre Teresa é essa. A experiência de Santa Teresa [Teresa de Lisieux] foi mais no contexto de um julgamento de fé. E no final do século XIV e começo do século XX, esta era a grande questão: a fé e o significado do ateísmo. Mas esta pobreza moderna de não ser amado, de solidão, que a Madre Teresa estava vivenciando, é um tipo de pobreza espiritual também.
Pode descrever os tipos de experiências místicas que se iniciaram no ministério de Madre Teresa?
O começo – dia 10 de setembro [de 1947] – que chamamos de o Dia da Inspiração, nós pensamos ser um chamado especial. Porém percebemos que ele era apenas o início. Mesmo assim, quando escreveu, ela não disse exatamente o que aconteceu nesse dia. Na primeira carta, ela diz o que se passou – ela está ouvindo muito clara e distintamente a voz de Jesus, começando dentro do trem em 10 de setembro. Em seguida, ela vai para Darjeeling, em um retiro. A voz continua. Mesmo nos meses que se seguiram, em cada Comunhão, Jesus continua a pedir: “Queres tu recusar?”
Isso tem a ver com um evento do qual ninguém fazia ideia, que é que quatro anos antes ela fez um voto particular para dar a Jesus tudo aquilo que ele pedisse ou, dito de outra forma, ela prometeu não lhe recusar coisa alguma. Especialmente na segunda carta, onde há mais uma ideia de diálogo, a primeira coisa que Jesus diz é: “Queres tu recusar?”
“Então está bem” [diz Jesus, em resumo], “tu me disseste quatro anos atrás que não irias recusar nada e agora eu estou pedindo-te para fazer isto. Vais recusar?”
Tenha cuidado com o que prometemos a Jesus!
Exatamente! Exatamente!
De acordo com o seu entendimento, estas locuções eram auditivas, o que é raro na vida dos santos. É isso mesmo?
Elas se davam na imaginação. Não eram externas, como uma aparição ou algo assim. Mas não eram clara e distintamente parte de sua, digamos, meditação matinal. Ela mesma chamou de “a voz” aquilo que se passava. Segundo a religiosa, o que ela ouvia era muito claro, distinto.
A noite escura vem logo depois que o ministério de Madre Teresa começa. Isso até onde o senhor sabe, pois não está claro em “Come Be My Light” que esta noite escura durou até a morte da religiosa. Este é o seu entendimento?
Este é o meu entendimento. Tem um momento que está registrado no livro, em 1958, quando Pio XII morre e, como ainda fazemos quando os papas morrem, o bispo realiza uma missa para o repouso de sua alma. Nessa missa, Madre Teresa pediu por um sinal de que Jesus estaria feliz com o trabalho das Missionárias da Caridade. E, nesse momento, a escuridão é suspensa. Ela simplesmente diz que Jesus apenas deu-se para ela ao máximo – embora a união, a doçura daqueles seis meses, passou muito de pressa.
Gostaria de lhe contar uma história e saber da sua reação. Um bispo que era um dos conselheiros espirituais de Madre Teresa me relatou uma história. Ele contou que estava debatendo com ela a aridez na oração, e ela relacionou esta aridez com o fato de que não estava sentindo a presença de Deus. Os dois estavam em Calcutá. Daí então, um jovem se aproximou e estendeu os braços para abraçá-la. E ele disse para ela: “Isto é a presença de Deus também”. O que me leva à pergunta que sempre quis lhe fazer: O senhor acha que a formação inicial de Madre Teresa a incentivou a privilegiar os movimentos interiores em detrimento dos sinais exteriores da presença de Deus? Porque, quando li os diários e as cartas, por vezes quis dizer a ela: “Estás tu olhando para fora?” Isso faz sentido?
É uma boa pergunta. Um dos comentários que faz numa das cartas, pensando especialmente sobre o tempo de oração, diz assim: “Quando não estou na rua, posso falar contigo por horas”. Portanto há sentido em que todas estas experiências estejam mais no nível dos sentimentos. Por exemplo, ela vai dizer: “Sei que minha mente e meu coração batem para Jesus”.
Assim, ela se uniu a ele mais por vontade do que, digamos, por pura fé. Ela vê em torno de si a obra inteira se difundindo, crescendo. Ela está vendo a fecundidade da obra, e vê as pessoas reagindo. A Madre está vendo a generosidade dos que lhe ajudam. Para ela, isto também tem de ser a presença e obra de Deus.
Então ela realmente vê estas coisas. Por outro lado, sempre pensei que talvez as primeiras experiências místicas dela foram tão belas que ela simplesmente sempre as trazia presente, como qualquer um faria.
As pessoas dizem: “Nós éramos os diretores espirituais, e por que não estávamos ajudando mais ela? Isso aconteceu até o ano de 1961, quando o Pe. Neuner lhe dá uma ideia e diz: “Este é um lado espiritual de seu trabalho”. Tal dizer acendeu as luzes, conforme Neuner costuma relatar. Esse dizer a ajudou. Ainda era doloroso e difícil, mas pelo menos havia algum significado para o que vinha ouvindo; ela associou com o próprio sofrimento de Jesus, um sofrimento particularmente interior. Madre Teresa costumava comentar que achava que Jesus sofreu mais no Jardim do que no sofrimento físico na cruz, e agora nós temos uma ideia do por que ela dizia isso.
Agradeçamos a Deus por bons diretores espirituais.
Certo.
Para mim, isso tudo a coloca na categoria de uma das maiores santas de todos os tempos, porque os demais santos fizeram estas grandes obras com os pobres, mas sem consolo.
Certo.
E ela está vive em um ambiente complexo.
Nós, ao redor dela, pensávamos: “Não é fácil ser Madre Teresa”, com tantas exigências que há – até mesmo no avião as pessoas vinham ao seu encontro, queriam falar, pedir autógrafo ou bênção. Podemos pensar que ela gostava dessa rica vida interior, o que a teria mantido firme na obra. Mas então descobrimos o contrário.
É marcante. Gosto do que você diz sobre ela ser um modelo para os dias de hoje. É interessante que Deus lhe deu as graças que seriam necessárias hoje, mas que também a convidaria para participar no sofrimento que muitas pessoas atualmente passam.
Sabemos que os santos são criados em uma época específica, o tempo em que eles vivem. Esse é um dos motivos pelos quais a Madre Teresa teve aquela experiência. Será que foi por causa de um tal fenômeno generalizado, aquele tipo de pobreza espiritual? Mesmo se a pessoa for rica em termos materiais, trata-se realmente de uma experiência comum de vida moderna. É muito mais fácil ter aquele tipo de experiência de solidão, de não ser desejado e não ser cuidado, aparentemente.
Para concluir, pode nos dizer como foi estar com ela, como ela era pessoalmente e o que ela significou para o senhor?
Eu a conheci nos últimos 20 anos de sua vida, portanto tive a versão mais suave da Madre Teresa [risos]. No começo, ela sempre foi bastante exigente, especialmente com as irmãs. Mas o que realmente era marcante era o quão materna ela era. Todos os que a conheciam, até mesmo por breves instantes, chamavam-na de Madre, as irmãs a chamavam de Madre e assim com todas as pessoas próximas. Ela realmente desejou ser esta presença materna – esta é uma das coisas mais marcantes.
A outra característica marcante é que ela era uma pessoa comum. Às vezes, se a pessoa não sabia como ela se parecia e se estivesse presente no convento, a Madre não iria se apresentar, senão através da observação de como ela fazia as coisas mais simples, como uma genuflexão ou pegar água benta quando se entra. Ela foi uma santa realista com os pés no chão, muito prática, muito observadora. Não se podia pegar alguma coisa por ela. Nas refeições, ela via os que as irmãs estavam comendo, o que elas não estavam comendo, o que era dito, que tipo de clima estava havendo no ambiente – ela era bem observadora!
Como uma boa mãe.
Exatamente. Exatamente.
Pode-nos descrever os seus sentimentos quanto à canonização?
Humanamente falando, uma coisa que sinto é a satisfação de que a canonização está acontecendo depois de anos de trabalho e espera. Acho que o mais positivo é que, agora, em toda a Igreja, podemos rezar mais formalmente para a Madre Teresa – uma veneração pública, como dizemos. A sua mensagem, o seu exemplo, que já é forte para os nossos dias pode ficar ainda mais forte e ser mais difundido.
A outra parte de um santo é que eles rezam por nós. No começo do livro, há uma espécie de missão declarada: “Se for santa, serei uma santa da escuridão, e estarei nos céus pedindo para que seja dada a luz aos que estão nas trevas sobre a terra”.
Assim essa missão vai continuar. E vai continuar com mais força agora.
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A Santa da Escuridão. Entrevista com Brian Kolodiejchuk, postulador da causa de Madre Teresa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU