17 Setembro 2012
Madre Teresa, uma mulher que faz grandes obras por Deus, é um paradigma. Por tê-los feito enquanto superava a solidão e a dúvida, é um fascínio.
A análise é de David Van Biema, autor de Mother Teresa: The Life and Works of a Modern Saint, em artigo publicado no sítio do jornal National Catholic Reporter, 07-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No dia 5 de setembro de 1997, o mundo lamentou quando Madre Teresa - cujo trabalho com os mais pobres dos pobres a tornou um ícone mundial - morreu de uma doença cardíaca aos 87 anos.
Exatamente 10 anos depois, o mundo fez uma leitura atrasada quando um volume de cartas privadas Teresa revelou que a freira de sorriso incansável passou os últimos 39 anos de sua vida em agonia interna. Jesus, escreveu, não parecia mais presente para ela, na oração ou mesmo na Eucaristia. Em carta, ela descreveu uma implacável "secura" espiritual, uma "dor torturante." Seu sorriso era "um grande disfarce" em face da decepção. Ela admitiu, em certo momento, duvidar da existência de Deus. No fim, ela pareceu mais reconciliada com a sua condição, mas, como sabemos, ela morreu com isso.
A notícia foi desorientadora. O falecido Christopher Hitchens, constante crítico de Teresa, alegou estar provado que ela era uma "senhora de idade confusa, que, para todos os efeitos práticos, tinha deixado de acreditar." Sua Igreja Católica manteve-se imperturbável: O Papa João Paulo II já havia mencionado a sua "escuridão interior" como um "teste" que ela havia vencido. No entanto, para muitos, a questão mantém-se: Como, sem hipocrisia ou surto psicótico, tal alienação pode coexistir com tal devoção tão óbvia?
O paradoxo ainda me choca. Mas ultimamente eu encontrei a mesma voz binária em um conjunto de poemas de 3 mil anos de idade. Escritas por volta de 1000 a.C., as 150 orações no livro de Salmos que ajudaram a moldar o judaísmo e o cristianismo ainda são lembradas por algumas congregações e vivem na liturgia, em hinos e orações privadas. Algumas são pura alegria. A palavra "aleluia" se originou nos salmos. Mas também há muitos "salmos de lamentação", que soam como... bem, como a intimidade de Madre Teresa.
Aqui estão as palavras de Teresa, editadas a partir de três cartas:
Senhor, meu Deus, quem sou para que Você me abandone? A filha de Seu amor, que agora se tornou a mais odiada. Eu chamo, me agarro, quero, e não há ninguém para responder. A escuridão me rodeia por todos os lados. Se não houver Deus, não pode haver alma. Se não houver alma, então, Jesus, Você também não é verdade. O céu, que vazio. Tenho medo de escrever todas essas coisas terríveis. Elas devem machucá-Lo. No entanto, lá no fundo, em algum lugar no meu coração que clama por Deus continua rompendo a escuridão. O amor em mim para Deus cresce mais real. Eu me encontro inconscientemente contando a Jesus os mais estranhos indícios de amor. Deixe que Ele faça o que quiser de mim. Se a minha escuridão é luz para alguma alma, eu estou perfeitamente feliz.
E aqui estão as linhas principais do Salmo 22:
Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Apesar de meus gritos, minha prece não te alcança! De dia eu grito, meu Deus, e não me respondes. Grito de noite, e não fazes caso de mim! Quanto a mim, eu sou verme, e não homem. Um bando de malfeitores me envolve. Todos os que me vêem zombam de mim, abrem a boca e balançam a cabeça: “Ele recorreu a Javé... Pois que Javé o salve! Que o liberte, se é que o ama de fato!” Desde o ventre materno tu és o meu Deus. O Senhor me fará viver para ele, minha descendência o servirá, falará do Senhor para a geração futura, contará a justiça dele ao povo que vai nascer.
Os salmos de lamentação são cerca de 80% de lamento e 20% de celebração, sem transição. Sua extrema tensão inerente levou alguns estudiosos a sugerirem que eles eram originalmente diálogos entre peregrinos e sacerdotes, dos quais apenas parte dos peregrinos sobreviveu: as interjeições tranquilizadoras dos sacerdotes – a conexão perdida – foram extraviadas. (Alguns afirmam ter localizado o roteiro dos sacerdotes dentro do Livro de Isaías).
No entanto, as cartas de Teresa sugerem que duas posturas podem existir simultaneamente em uma pessoa - ou um poema. F. Scott Fitzgerald definiu uma "inteligência de primeira linha" como a capacidade de manter duas ideias opostas ao mesmo tempo. Soren Kierkegaard sugeriu que a crença religiosa pode ser possível apenas por um "salto para a fé". Tanto o salmista quanto Teresa parecem ter combinado Fitzgerald e Kierkegaard, uma dor profunda que, de alguma forma, convive com uma fé vertiginosa.
É um temperamento profundamente não moderno, e previsivelmente as lamentações recebem menos execuções nas igrejas e sinagogas do que os salmos mais felizes. Mas eles ainda são rezados por pessoas desesperadas em apuros - pessoas como Jesus, que citou o Salmo 22 primeiro, palavras angustiadas da cruz.
Você pode descartá-los como enigmas insolúveis. Mas só se você sentir que o que é insolúvel deve ser rejeitado.
Seus desentendimentos internos magnetizam. Eles são mais atraentes para mim do que os salmos de ação de graças, louvor ou sabedoria.
Assim como a Madre Teresa de 2007 é mais atraente do que o modelo de 1997. Uma mulher que faz grandes obras por Deus é um paradigma. Alguém que os faz enquanto supera a solidão e a dúvida é um fascínio. Assim como as lamentações, ela pode ser menos facilmente compreendida do que a Madre sorridente, mas, uma vez levada em consideração, ela é mais difícil de esquecer.
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Madre Teresa como um salmo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU