O rosto da misericórdia no tempo de Bergoglio. Entrevista com Brian Kolodiejchuk

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12 Agosto 2016

“Ela [Madre Teresa] trabalhou com fé heroica e com um amor que não percebia. Por isso, sua santidade é muito maior, excepcionalmente heroica!” É uma frase estranha na boca do Pe. Brian Kolodiejchuk, a pessoa que melhor conhece a mulher que no próximo dia 04 de setembro será proclamada Santa pelo Papa Francisco. E uma pessoa candidata à santidade pode trabalhar sem amor? Antes de explicar esta afirmação, o padre canadense, que é membro dos Missionários da Caridade, o último ramo masculino fundado pela Madre Teresa, explica por que Madre Teresa é uma “pessoa-mensagem” para o nosso tempo.

A entrevista é de Alver Metalli e publicada por Vatican Insider, 08-08-2016. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Em uma entrevista concedida ao jesuíta Jacques Servais, Bento XVI disse que “é um sinal dos tempos” o fato de que a ideia da misericórdia de Deus seja cada vez mais central e dominante. A Madre Teresa é, então, um sinal dos tempos?

Sem dúvida, e de muitas maneiras. Podemos dizer que cada santo é um “sinal dos tempos” para essa época que lhe tocou viver, pois, de modo geral, Deus faz surgir um santo para dar uma mensagem a esse tempo; é uma forma que Deus tem para fazer que a Igreja e o mundo tomem consciência das necessidades do momento presente.

Primeiro com o Papa João Paulo II, depois com o Papa Bento e, atualmente, com o Papa Francisco, a misericórdia de Deus foi um tema predominante em seus ensinamentos, e com o Papa Francisco, sobretudo com o seu exemplo. Toda a obra da Madre Teresa e das Missionárias da Caridade concentra-se nas obras de misericórdia, tanto espirituais como corporais.

Em agosto, o Centro da Madre Teresa publicará um novo livro, precisamente sobre a relação da Madre Teresa com as obras de misericórdia. O livro reúne os ensinamentos da Madre Teresa sobre as obras de misericórdia e depois oferece exemplos de como as viveu, tomados dos testemunhos que foram recolhidos durante o processo. O título é: Um chamado à Misericórdia. Corações para amar e mãos para servir e será publicado primeiro em inglês e depois da canonização em outros idiomas; seguramente também em espanhol.

Por que ela disse de si mesma que queria ser um “lápis de Deus”?

Um lápis é algo insignificante, é apenas um instrumento que alguém utiliza para escrever uma mensagem. Quando você recebe uma carta, por exemplo, você quer lê-la para saber o que a pessoa lhe quer dizer; não se interessa pelo papel ou pelo instrumento que utilizou para escrevê-la.

Ao considerar-se a si mesma como um lápis, Madre Teresa queria colocar o acento na humildade do instrumento – ela mesma – e na grandeza de Deus, que se vale do “nada para mostrar sua grandeza”, como ela gostava de dizer. E outra coisa, um lápis é barato e acessível para todos, portanto, muito comum. Quem o usa – Deus – é quem faz grandes coisas, se esse lápis lhe permite agir com liberdade.

Há um momento que Madre Teresa chamava o dia da inspiração, quando ouviu a voz de Jesus que lhe pedia para fundar uma nova congregação. Não se pode compreender a escuridão se não se conhece a luz, e muitas pessoas não têm ideia dessa experiência. Em que consiste?

Agora sabemos que a Madre Teresa ouviu a voz de Jesus pela primeira vez no dia 10 de setembro de 1946, pedindo-lhe que fosse aos mais pobres dos pobres nos bairros pobres de Calcutá para levar-lhes sua luz e seu amor. Estas locuções interiores, e mais tarde, em 1947, as visões interiores, continuaram até entrado o ano de 1947. Antes disso, a Madre Teresa já havia passado pelas purificações regulares que São João da Cruz explica em seus escritos. Esta purificação a levou, em 1947, à experiência consoladora de uma união contínua e profunda com Jesus.

Muito se falou dos 50 anos de “noite escura da alma”. Pode-se dizer que corresponde à experiência de outros santos ou tem um significado diferente?

Mesmo depois de ter alcançado a união com Jesus, a experiência da “escuridão”, como ela a chamava, voltou. Depois de alguns anos, começou a dirigi-la um padre jesuíta, que a ajudou a entender a escuridão como o lado espiritual do seu trabalho. Era a forma de identificar-se com Jesus em seus sofrimentos maiores, no Horto das Oliveiras e na Cruz. Por sua vez, ela estava experimentando o que chamou de “a maior pobreza no mundo atual, isto é, de não ser amado, nem desejado, nem querido”. Para a Madre Teresa sua escuridão não era tanto para sua purificação, mas antes como expiação, era penetrar na escuridão dos pobres que não têm fé e, sobretudo, não têm amor.

Os únicos santos que tiveram uma experiência similar de escuridão por um tempo tão longo foram São Paulo da Cruz, que também experimentou períodos de consolo, e Santa Joana de Chantal. O que também é único na Madre Teresa é que sua escuridão, até onde sabemos, continuou até sua morte.

Como explica em uma santa este “silêncio”? E por que não é uma objeção para a santidade?

A santidade consiste na fé, na esperança e no amor, e, portanto, não consiste no que se sente, mas em como se age. Madre Teresa agiu com fé heroica e com um amor que não percebia. Portanto, sua santidade é muito maior, excepcionalmente heroica! Também podemos dizer que ninguém é canonizado por seus sentimentos, mas por suas obras; em última instância, por seu “amor em viva ação”, outra expressão que a Madre Teresa gostava de usar. Como nos diz o Evangelho: serão conhecidos por seus frutos.

Madre Teresa foi beatificada em 2003 por João Paulo II, que havia posto imediatamente em marcha a causa derrogando os cinco anos requeridos pelo Código de Direito Canônico. E tampouco se pode dizer que o Papa Francisco tenha perdido tempo. A que se deve essa pressa.

A Madre Teresa é excepcional, no sentido de que já em vida tinha uma reputação sólida e generalizada de santidade. As pessoas a consideravam e a chamavam de santa, inclusive na sua presença. Depois da sua morte, esta reputação de santidade e seu poder de intercessão (muitas pessoas estavam reportando favores e inclusive milagres por sua intercessão) permitiu ao Papa João Paulo II fazer pela primeira vez uma exceção à espera de cinco anos antes de começar (uma regra que se estabeleceu para confirmar com fatos a reputação generalizada de santidade, que é o requisito básico para que a Igreja possa começar uma causa de canonização).

No entanto, embora se fez uma exceção ao período de espera, o processo foi realizado conforme as normas canônicas; o processo em si não foi menos exigente que qualquer outro. Para João Paulo II, a Madre Teresa era uma “pessoa-mensagem” para o nosso tempo, que encarna muitos dos ensinamentos fundamentais do seu Pontificado, por exemplo, a “civilização do amor” e “o respeito pela vida”. Com o Papa Francisco, existe uma afinidade em seu carisma de ir aos marginalizados, às periferias da existência humana, aos mais pobres dentre os pobres.

É surpreendente que depois da morte da Madre Teresa, as Missionárias da Caridade tenham conhecido sua maior expansão. Eram 3.842 no momento de sua morte, trabalhando em 594 casas, e agora são mais de cinco mil em 758 casas de 139 países. Deve o fundador morrer para que a obra que nasceu dele se difunda no mundo?

Na realidade, as irmãs Missionárias da Caridade tiveram sua maior expansão no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, quando a Madre Teresa ainda estava viva. O fato de que a congregação continue a crescer é apenas um sinal de que seu carisma segue vivo e ativo na Igreja, segue dando frutos. Mas não é o caso de que se tenham expandido apenas após sua morte.

Você conheceu as quatro irmãs da Madre Teresa que foram assassinadas no Iêmen?

Não, não cheguei a conhecê-las.

O martírio faz parte do carisma das irmãs de Madre Teresa?

Ser mártir, assim como a santidade, é uma possibilidade que existe em toda vocação cristã. No entanto, o martírio é uma graça, e não sabemos para quem Deus a tem reservada, nem quem está “pronto” para recebê-la. Dito isto, a Madre Teresa esperava dar santos e mártires à Igreja, e depois da sua morte seu desejo lhe foi concedido.

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