05 Outubro 2015
Passados alguns dias desde o término da primeira visita do Papa Francisco aos Estados Unidos, cujo objetivo maior era encerrar o Encontro Mundial das Famílias (EMF) ocorrido na Filadélfia, senti a necessidade de dar um tempo para que as tantas emoções vivenciadas sedimentassem. Ao mesmo tempo em que outros sentimentos se inicializam em antecipação ao Sínodo dos bispos sobre a família em Roma, gostaria de compartilhar com os leitores do IHU um testemunho pessoal sobre minha participação no EMF e sobre como foi passar uma semana intensa na "cidade do amor fraterno" durante a visita papal às terras estadunidenses.
Os comentários são de Claudia Sbardelotto, leiga casada, mãe de cinco filhos (veja, abaixo, a imagem), atualmente residindo nos Estados Unidos.
Eis o texto.
Filadélfia. Até poucas semanas atrás, essa palavra me fazia lembrar de uma cena icônica da saga Rocky, em que o personagem interpretado por Sylvester Stalone sobe inúmeros degraus durante seu treinamento físico de boxeador. A Filadélfia também me lembrava de uma música do cantor Bruce Springsteen, famosa por fazer parte da trilha sonora de um filme dos anos 1990 com o mesmo nome. Hoje, essa cidade do Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, ganhou para mim um novo significado, que vai muito além das telas do cinema e das paradas de sucesso. Ela ficará marcada como a cidade que hospedou o Encontro Mundial das Famílias (EMF) e por ser uma das três cidades norte-americanas a receber a visita do Papa Francisco em 2015. Diferente da realidade das locações do filme e da música, em que a cidade é retratada vivendo uma situação de degradação e violência, a Filadélfia de 2015 têm ruas e calçadas limpas, prédios históricos restaurados, praças e bairros seguros.
Minha família atravessou o país para participar desse encontro trianual iniciado por João Paulo II em 1994. Meu marido, meus 5 filhos e eu saímos da Califórnia e viajamos quase 4.500 Km para estar na Filadélfia para a oitava edição do evento. Essa não é a nossa primeira vez. No ano 2000, fomos a Roma com nossos dois filhos mais velhos, na época, com 2 anos e 6 meses de idade, e lá, junto com mais de 6.000 famílias de diferentes países, participamos desse mesmo encontro com o então Papa João Paulo II. Dessa vez, 15 anos mais tarde, muitas foram as diferenças e os motivos a celebrar, a começar pelo número de filhos. Hoje, com 3 filhos a mais e completando 18 anos de casados, resolvemos celebrar o "ser família" de uma maneira diferente. Além disso, o número de participantes do EMF também cresceu: com 100 nacionalidades representadas e quase 20 mil famílias inscritas, o encontro foi considerado o maior até aqui.
A programação do evento incluiu 4 dias de congresso, ocorrido entre os dias 22 a 25 de setembro. No sábado, 26 de setembro, foi realizada uma vigília de oração com o Papa Francisco e, no domingo 27, a missa papal. Os jovens e crianças inscritos tiveram o seu próprio congresso, com uma gama de atividades que variavam desde palestras e músicas, preparação de bolsas de mantimentos para os pobres e os sem-teto, artesanato, até jogos de basquete com seminaristas, boliche com bispos e dança com irmãs religiosas, entre outras.
O congresso, cujo lema era "O amor é nossa missão: a família plenamente viva", foi realizado no Centro de Convenções da cidade. Ele estava organizado em sessões de palestras dirigidas a todos os participantes, normalmente, duas por dia, ministradas por palestrantes reconhecidos internacionalmente. Entre eles estavam renomadas personalidades do ambiente eclesial, como o novo bispo auxiliar de Los Angeles, Robert Barron; os cardeais Robert Sarah, da Congregação para o Culto Divino e Peter Turkson, do Pontifício Conselho Justiça e Paz, o capuchinho Patrick O'Malley, de Boston, o jesuíta Luis Antonio Tagle, das Filipinas; além de profissionais leigos como o Dr. Juan Francisco de La Guardia e sua esposa, a psicóloga Gabriela de La Guardia; o professor e escritor Scott Hahn, ex-pastor presbiteriano, convertido ao catolicismo; e muitos outros.
A seguir, cada participante do congresso podia escolher sessões em grupos menores com assuntos em torno da família, temas diversos que incluiam tópicos mais teológicos, como análises de documentos do Vaticano II, o lugar da mulher na família, na Igreja e no mundo, a encíclica Humanae Vitae, a encíclica ambiental do Papa Francisco e temas mais práticos, por exemplo, como crescer em virtude no relacionamento conjugal, como viver o namoro, dicas de como a família pode viver o seu chamado a ser uma Igreja doméstica, desafios de ser uma família "online" e p uso da internet, orçamento financeiro e ainda temas mais polêmicos como a homossexualidade na família.
Uma linha constante traçada pelos apresentadores do EMF, independente do assunto, foi a da chamada "ortodoxia afirmativa". Mesmo que esse termo não tenha sido mencionado especificamente, o seu princípio de afirmar a beleza e a verdade dos ensinamentos da Igreja - em contraste com a ideia de enfatizar o "não" ou aquilo que somos contra - foi amplamente destacado nas diversas palestras. Como diz o lema do encontro, a família precisa viver sua missão de amor para viver plenamente.
Todos os dias, havia a celebração da missa, muitos sacerdotes disponíveis para confissões e uma capela com a exposição do Santíssimo Sacramento. No mesmo local, havia uma área com estandes de diversas instituições católicas, como editoras, universidades, congregações, movimentos e grupos que trabalham na Igreja. Mas nem tudo estava ligado a temas religiosos. Várias atividades culturais foram oferecidas aos participantes do Congresso das Famílias, como uma mostra de cinema e exposições de arte.
De uma maneira geral, a organização do evento está de parabéns. A começar pela hospitalidade do povo da Filadélfia, uma cidade receptiva e atenta aos milhares de turistas que encheram as ruas da cidade. Os locais escolhidos para o congresso foram adequados, e a variedade de palestras oferecidas, imensa. Já os eventos públicos, quando o papa estava na cidade, geraram uma logística diferente daquela que experimentamos durante os dias de semana quando participávamos do congresso. Durante o sábado e o domingo, boa parte do perímetro central da cidade ficou fechado para o acesso de veículos, o que nos obrigou a caminhar muitos quiilômetros diariamente. Os locais por onde o papa passou tiveram uma segurança redobrada, com uma presença militar muito grande nas ruas, além de muitos agentes do serviço secreto estrategicamente posicionados nos prédios e edifícios. Uma revista completa era feita em cada pessoa que entrava no perímetro dos eventos. Chegamos a enfrentar 3 horas de fila para acessar a área onde seria realizada a missa papal, que teve a participação de quase 1 milhão de pessoas. Foi um grande exercício de paciência, principalmente para os pais com crianças pequenas.
Entretanto, nada disso diminuiu o espírito de alegria e fé que tomou conta da cidade naqueles dias. Entre as pessoas, ouvia-se muito dizer que a Filadélfia tinha se transformado na "Disneylândia católica", tal era o clima de festa e animação. Realmente, durante a semana da visita do Papa Francisco, a cidade fez jus ao significado de seu nome: Filadélfia, a "cidade do amor fraterno". Para fechar com chave de ouro, a presença do papa entre os milhares de peregrinos de diferentes partes do mundo e especialmente entre os cidadãos dos Estados Unidos trouxe palavras de encorajamento e esperança, palavras que penetraram nos corações.
Muito tocante foi o discurso de sábado, 26 de setembro, realizado num local histórico, local onde a declaração da independência dos EUA foi assinada. Nessa tarde, o papa falou sobre liberdade religiosa e imigração. Ultimamente, ambos os temas estão em alta aqui nos Estados Unidos e, pessoalmente, como católica e vivendo como imigrante nesse país, aquelas palavras tocaram fundo. Escutar que a religião não pode ser reduzida a uma subcultura sem direito à voz na esfera pública ou então ser utilizada como instrumento de ódio foi muito encorajante. Suas palavras sobre a imigração ressonaram fortemente, pois destacaram a importância dos dons e peculiaridades que cada imigrante traz à nova nação, ao mesmo tempo pedindo aos imigrantes que sejam cidadãos responsáveis e que contribuam para a vida da sociedade onde vivem.
Muitos sinais de Deus pareciam estar presentes naqueles dias. A fraternidade sentida, o catolicismo vivido na íntegra da palavra, na universalidade da Igreja, nas diversas gerações de pessoas que compunham as multidões, de bebês a bisavós, pessoas de diferentes lugares, línguas, estados de vida, pertença religiosa ou não. O sentimento era de que éramos todos uma grande família.
Um fato interessante ocorreu quando o papa terminou de fazer esse discurso. Ao deixar o mesmo púlpito usado por Abraham Lincoln, houve um breve silêncio, um sino começou a tocar e, a várias quadras de distância, no lugar onde estávamos para esperar o início da vigília, vimos que as pessoas apontavam para o céu. E lá estava um arco-íris brilhando no céu quase sem nuvens. Foi um momento muito emocionante.
Especialmente importantes foram as palavras e os gestos do Papa Francisco ao longo de sua visita, como quando ele deixou o discurso preparado de lado e falou de coração às famílias reunidas para a vigília de oração, usando a família de Nazaré - Jesus, Maria e José - como modelos de vida a seguir. Com o seu jeito típico e direto de expressar a realidade da família, o Papa Francisco foi direto ao ponto.
Para nós e também para muitos, a graça divina foi abundante e palpável. Poucos podiam negar a energia positiva e a paz que encheu a cidade naqueles dias agradáveis de setembro. Como família, a experiência de participar do EMF 2015 e de estar pertinho do papa foi inesquecível, uma oportunidade única.
Às vésperas do Sínodo dos Bispos em Roma, minha esperança é ver o resultado desse encontro expressado também no documento final, ou seja, que a família seja reafirmada como peça essencial e insubstituível na construção de uma sociedade mais fraterna e justa, de uma Igreja mais misericordiosa e atenta às necessidades de seu povo, povo que nasce na família, assim como fez o próprio Deus encarnado, Jesus.
Dessa forma, voltamos para o nosso cotidiano com uma alma renovada, nossos afetos fortalecidos e um desejo de viver nossa missão de forma mais plena: ser um santuário de vida e amor, expressando a riqueza e a beleza da família.
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A família plenamente viva: minha experiência no Encontro Mundial das Famílias 2015 na Filadélfia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU