Por: Ana Paula Abranoski | 28 Março 2018
Na grande aventura da vida na Terra, todos têm o seu papel, mas estamos esgotando o que a natureza nos oferece, a humanidade interfere bruscamente no equilíbrio estabelecido no planeta. Foi com esta reflexão que no sábado, 24 de março, André Langer (FAVI) comentou o documentário Home: o mundo é a nossa casa, de Yann Arthus-Bertrand, exibido pelo ciclo de exibições e debates Cinema e Reconciliação, promovido pelo CEPAT, em parceria com o Studium Theologicum (Claretianos) e Paróquia Imaculado Coração de Maria. A iniciativa conta com o apoio do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
O documentário é uma verdadeira obra-prima, de uma beleza e uma profundidade indiscutível e mostra como o planeta Terra viveu ‘harmonicamente’ bilhões de anos. Contudo, também apresenta como, nas últimas décadas, o ser humano tem explorado exaustivamente a Terra em busca do lucro e do conforto de poucos, em uma sociedade capitalista, devastando a natureza em prol do que considera o desenvolvimento humano.
O texto narrativo do documentário foi inspirado no trabalho de Lester Brown, famoso ambientalista americano, com sua obra O Estado do Mundo (State of the World). Yann Arthus-Bertrand consegue retratar, através de imagens aéreas, como em algumas poucas décadas a humanidade interferiu no equilíbrio estabelecido no planeta.
Para Langer, o documentário também recorre a categorias teológicas para dizer o que está acontecendo, retratando a vida como um milagre e que a mesma continua sendo um mistério. A história é contada do ponto de vista da Terra, iniciando com um apelo “Ouça-me, por favor”. Langer destacou três categorias trabalhadas no documentário:
Apresenta como a vida vai se formando no planeta e como os seres interagem: existe uma retrointerrelação. Para Langer, a Terra mostrou que tem uma enorme capacidade de auto-reprodução e de auto-organização. A vida se tornou um ator da reprodução do seu meio. Aqui, Langer destaca uma espiritualidade ecológica por meio da beleza da Criação citada nas sagradas escrituras: “E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom” (Gn 1, 31).
Calculada em milhares de anos, a espécie humana é abordada em seu devir histórico, em sua interação com elementos da natureza, recursos, ambiente, ou seja, com a Terra.
Calculado em centenas de anos, quando comparado com a vida no planeta é muito recente. Em nome do crescimento econômico, através das tecnologias, do conhecimento e do poder acelerou o tempo dentro da perspectiva de produzir para inovar, com um enorme poder de destruição dos recursos, ignorando a miséria que gera.
Segundo Langer, este processo criou as raízes da crise ecológica. Desse modo, a natureza é vista como objeto e nós como os sujeitos fazendo dela o que bem desejamos, o que remete ao discurso de René Descartes (1596-1650) de que “somos senhores e dominadores da natureza”. A natureza é resumida a sua materialidade. Reforçando a ideia do antropocentrismo, o homem no centro de todas as coisas, a natureza fica ao dispor do desenvolvimento humano e a autonomização da economia.
Para compreender este movimento, Langer demonstrou o fluxo circular da riqueza, onde basicamente existem quatro tipos de agentes na economia: as Famílias (consumidores), as Empresas (produtores), o Governo (quem tributa) e o Resto do Mundo (Famílias, Empresas e os Governos de outros países). A economia moderna se destaca entre outras dimensões da vida em sociedade e passa a subjugar as sociedades.
Fonte: Economia sem segredos
De acordo com Langer, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2007 fez duas afirmações alarmantes: a) está havendo uma mudança climática; b) a causa dela é a ação humana.
Para Langer, o racionalismo conduziu à emergência da tecnociência e o trabalho passa a ter um viés de dominação e de tecnocracia. A produção econômica implica a destruição e degradação do meio ambiente. É preciso tomar uma decisão rumo à elaboração de um novo paradigma voltado à ecologia e não ao mercado. Nas palavras do Papa Francisco (Laudato Si’), nossa vida hoje é configurada a partir do “paradigma tecnocrático”, que é um “paradigma homogêneo e unidimensional” (LS 106). Nessa “cultura antropocêntrica”, a totalidade da existência humana é marcada pela técnica. Um novo paradigma deve passar pela concepção de ecologia integral, sem a compartimentação, fragmentação ou centralização em apenas uma dimensão da vida humana.
Na oportunidade, Langer ressaltou a importância do cuidado com a Criação, com a nossa casa comum. Trata-se de um desafio “ouvir o grito da terra e o grito dos pobres”. Compaginar o grito dos pobres com o grito da Terra, como diz o número 49 do documento do Papa: “Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o grito da Terra como o grito dos pobres”.
Por meio da conversão ecológica, mudanças no estilo de vida e engajados politicamente devemos tomar consciência de quem somos e de nosso lugar. Como consequência deste novo paradigma, é urgente “reconhecer que os outros seres vivos têm um valor próprio diante de Deus” (LS, 69). As outras espécies e ecossistemas têm um valor intrínseco.
A relação entre homem e natureza é muito frágil e precisa ser fortalecida, reconciliada. Não somos meros gestores deste planeta, devemos nos sentir parte dele. Precisamos de uma conversão ecológica, onde a humanidade tenha a capacidade de abordar a crise ambiental reconhecendo a importância de uma reconciliação com toda a Criação.
Langer nos trouxe alguns desafios a serem considerados em favor de uma ecologia integral:
- Novos estilos de vida, frente ao consumismo desordenado;
- Repensar o significado do humano, sendo necessário a mudança de um antropocentrismo explorador a um biocentrismo que participa;
- Uma reforma do pensamento, considerando o pensamento complexo. A ecologia integral requer uma verdadeira conversão na maneira de pensar. Nosso modo de pensamento mutilado conduz a ações mutilantes” (Edgar Morin).
Sofremos um grande impacto sobre Terra, mais do que poderíamos suportar. Nós consumimos em excesso e estamos extinguindo os recursos da Terra, como é possível ver nas feridas da Terra. Contudo, “é tarde demais para ser pessimista”, conforme o próprio documentário enfatiza.
Langer concluiu sua apresentação mostrando que os problemas fundamentais da humanidade são: aprender a pensar, a ser e a agir de maneira competente e transformadora e encerrou o encontro com uma mensagem de otimismo, do próprio texto do Papa Francisco:
“A esperança convida-nos a reconhecer que sempre há uma saída, sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para resolver os problemas” (LS 61), desde que assentada em uma nova epistemologia, nova antropologia, nova economia.
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Nosso planeta. “É tarde demais para ser pessimista” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU