Os serviços ambientais da própria natureza devem ser vistos como soluções para atenuar os eventos climáticos extremos, defende o biólogo
A emergência climática exige "mudanças radicais" no estilo de vida da sociedade mundial e a intensificação de práticas que possam mitigá-la. Para reduzir a emissão de gás carbônico no planeta, o biólogo Rodrigo Tardin sugere o investimento em "soluções baseadas na natureza", como a proteção de ambientes marinhos e a preservação de animais que prestam serviços fundamentais para o ecossistema, como as baleias. "As baleias têm a capacidade de remover o carbono da natureza, mantendo-o nos seus corpos e não o devolvendo para o meio ambiente", menciona. Segundo ele, estudos realizados pelo Fundo Monetário Internacional - FMI indicam que cada baleia prestaria serviços estimados em dois milhões de dólares. "Se considerássemos o grande estoque de todas as baleias que existem atualmente, proteger as baleias seria o equivalente a gerar 1 trilhão de dólares, considerando os serviços prestados por elas ao ecossistema", informa.
Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp à IHU On-Line, Tardin também explica os efeitos da ação humana na diminuição de botos-cinza nas baías de Sepetiba e Guanabara, no Rio de Janeiro. De acordo com ele, os estudos realizados entre 2006, 2007 e 2008 e, posteriormente, em 2017, 2018 e 2019, mostram uma redução de 60% dos animais somente na baía de Sepetiba. "Ainda não sabemos dizer qual é a causa que tem gerado essa situação, e é difícil conseguir identificar uma única fonte, mas um aspecto importante a ser mencionado é o aumento das atividades humanas, principalmente portuárias e industriais, na baía de Sepetiba. Hoje em dia existem muito mais atividades na região do que há vinte anos: recentemente foram construídos dois grandes portos e houve um aumento das operações de importação e exportação, principalmente no porto de Itaguaí, que importa minério. Ou seja, a intensificação dessas atividades parece estar levando à degradação da baía", resume.
Rodrigo Tardin é doutor em Ecologia e Evolução pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, mestre em Ciências pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ e graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Atualmente, realiza pós-doutorado pelo Departamento de Ecologia da UFRJ, onde desenvolve pesquisas que investigam a influência dos fatores climáticos, oceanográficos e antrópicos na ecologia espacial e comportamental de cetáceos, com especial ênfase nos botos-cinza nas baías de Sepetiba e Ilha Grande.
IHU On-Line - Em seus estudos, o senhor tem detectado uma queda significativa da população de botos-cinza na baía de Sepetiba, no sul do estado do Rio de Janeiro. Por que isso tem ocorrido?
Rodrigo Tardin – Há um aumento da atividade humana na baía de Sepetiba e, especialmente a partir de 2010, estamos observando uma redução de mais de 60% no tamanho dos grupos de botos-cinza. Isso é um indicativo da diminuição do tamanho da população tanto em relação à média quanto aos números máximos. Em 2006, 2007 e 2008, era comum vermos grupos de 200 e até 300 animais. Os dados mais recentes, de 2017, 2018 e 2019, mostram que em nenhuma ocasião vimos agregações desse tamanho; a maior agregação observada nesse período foi de cem animais. Assim, observamos que a média do tamanho dos grupos teve uma redução nítida de 60%. Há 20 anos, víamos grupos com 60 indivíduos e, hoje, esse número não passa de vinte.
Além disso, os animais estão se comunicando menos. Os dados de 2020 mostram que, numa comparação com as observações feitas 20 anos atrás, os animais de hoje não estão vocalizando, apesar de serem uma espécie que usa o som para localizar as presas, para se localizarem no ambiente, para se comunicarem com outros animais, ou seja, o som é muito importante para eles. Apesar disso, observamos que durante esses 20 anos, eles têm vocalizado pouco e isso pode ser um reflexo do ruído subaquático na baía de Sepetiba.
Os animais também estão cada vez mais magros. Temos observado que a população de botos tem utilizado uma área maior da baía, e isso pode ser reflexo da falta de alimentos. Como não encontram mais alimentos nos lugares onde sempre encontravam, eles precisam gastar mais energia procurando alimentos em outras regiões da baía.
Ainda não sabemos dizer qual é a causa que tem gerado essa situação, e é difícil conseguir identificar uma única fonte, mas um aspecto importante a ser mencionado é o aumento das atividades humanas, principalmente portuárias e industriais, na baía de Sepetiba. Hoje em dia existem muito mais atividades na região do que há vinte anos: recentemente foram construídos dois grandes portos e houve um aumento das operações de importação e exportação, principalmente no porto de Itaguaí, que importa minério. Ou seja, a intensificação dessas atividades parece estar levando à degradação da baía. Mas, especialmente na baía de Sepetiba, há diversas atividades: pesca, turismo, atividades portuárias e industriais. Então, o que pode estar levando à redução da população de botos é justamente a sinergia entre essas atividades humanas e o aumento da poluição.
Vista aérea das Baías de Ilha Grande e Sepetiba e o seu entorno. Fonte: Mosaico gerado a partir de imagens do satélite Landsat 8 OLI (Operational Land Imager) obtidas no ano de 2016.
(Fonte do mapa: UFRJ)
(Fonte: Mar Sem Fim)
IHU On-Line - Além do caso da baía de Sepetiba, o senhor tem relatos de queda nas populações de outros cetáceos ao longo da costa brasileira? E as causas são as mesmas da região em que o senhor concentra seus estudos?
Rodrigo Tardin - Nas baías de Sepetiba, Guanabara e Ilha Grande, além do boto-cinza, existem outras espécies de golfinhos que se deslocam pela costa. O que ocorre na baía de Guanabara é um caso clássico de declínio de mais de 90% de botos durante os últimos vinte a trinta anos. Mas nem todas as populações estão declinando. No caso da baía de Ilha Grande, não temos detectado mudanças populacionais tão significativas. Continuamos observando animais saudáveis e grupos grandes. Isso possivelmente é um reflexo da saúde do ecossistema. Na parte oeste da baía de Ilha Grande, perto de Paraty e na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo, tem um ecossistema muito mais equilibrado e, portanto, essas populações estão estáveis.
IHU On-Line - A partir do caso dos botos-cinza de Sepetiba, como podemos compreender os efeitos do impacto da vida humana no planeta? Vivemos as consequências do antropoceno? Como a ação humana tem incidido sobre o comportamento e a sociabilidade desses animais?
Rodrigo Tardin – Vivemos as consequências do antropoceno e isso é visível desde o aumento significativo das atividades humanas a partir da década de 1950. Esse fenômeno tem incidido em diferentes componentes sobre quase todos os biomas, tanto terrestres quanto marinhos.
No ambiente marinho, temos observado a acidificação dos oceanos, o branqueamento dos corais, mudanças em eventos climáticos extremos e aumento da média das temperaturas. Enfim, temos observado uma série de mudanças climáticas que têm como causa principal, conforme os estudos apontam, o aumento das atividades humanas. A partir disso, é importante levar em consideração que os oceanos têm uma função vital para a manutenção da vida no planeta. Nesse caso, os botos-cinza são bons modelos para podermos discutir a conservação e proteção do ambiente marinho, porque eles são espécies consideradas “predadoras de topo”, ou seja, eles biomagnificam qualquer efeito dentro do ambiente.
Esse tipo de predador tem uma função importante porque evita a dominância de alguma espécie dentro do ambiente. Alguns estudos científicos mostram que quanto mais estável é um ecossistema, mais equilibrado ele está. Quando uma espécie domina o ecossistema, o ambiente tende a um desequilíbrio, mas se existe um “predador de topo” dentro do ecossistema, ele tende a regular o tamanho das populações de outros animais, principalmente dos peixes, neste caso. Então, como “predador de topo”, o boto-cinza regula as populações do ecossistema. Ele também é considerado uma espécie-chave: o desaparecimento do boto-cinza pode levar ao desaparecimento de outras espécies.
A ação humana tem causado mudanças no comportamento e na vida social desses animais. Há diversas evidências de que as atividades humanas, principalmente no mar, mas também as terrestres, afetam o comportamento dos cetáceos. Observamos mudanças de curta e de longa duração. O turismo, por exemplo, é uma fonte potencialmente importante que pode afetar o comportamento dos animais. Por exemplo, em função do turismo intensificado, os animais podem deixar de utilizar uma área que usavam para o descanso; ou seja, eles podem abandonar áreas temporariamente ou permanentemente. Se o turismo é intensificado durante o dia, os animais podem sair do local e voltar somente à noite, tendo um gasto energético muito maior.
Alguns estudos também apontam que as embarcações e atividades humanas, como comércio e transporte, têm levado os animais a mudarem seus padrões de mergulho, ficando mais tempo debaixo da água para evitarem casos de atropelamento. Além disso, como comentei anteriormente, todas as atividades humanas provocam ruídos, que podem causar o problema do mascaramento aquático, porque o ruído está na mesma faixa de frequência em que os animais vocalizam. A consequência disso é que eles não conseguem capturar as presas de forma correta, não conseguem se comunicar com outros indivíduos e podem ter seu processo de ecolocalização dificultado.
IHU On-Line - Como os cetáceos, em especial os botos-cinza, têm sido impactados pelas mudanças climáticas? Em que medida estudos sobre a vida desses animais podem nos apontar saídas para a crise climática?
Rodrigo Tardin – Hoje, vivemos uma crise climática que é perceptível pelos eventos climáticos extremos, como inundações, furacões e ondas de calor no ambiente marinho, onde a água tende a ficar numa temperatura muito alta, acima de 95% o ano inteiro. Essas ondas de calor tendem a desestruturar uma série de processos biológicos: afetam a reprodução dos animais, os processos migratórios, dificultam a alimentação. Além disso, os oceanos estão cada vez mais ácidos e isso dificulta o processo de construção e manutenção das espécies que vivem em recifes de corais. Associado a isso tem o processo de branqueamento dos corais, que são organismos importantes para a manutenção da diversidade biológica. Os recifes costumam ser regiões consideradas berçários, importantes ambientes para alimentação e reprodução de milhares de espécies no mundo todo. Se perdermos esses ambientes e essa interação ecológica importante, a consequência será a extinção de diversas espécies e a perda dos serviços que essas espécies prestam ao ambiente de forma geral.
Ainda estamos começando a entender os efeitos da crise climática sobre os cetáceos. Os casos mais evidentes que estamos observando em relação às mudanças climáticas são com animais que vivem na Antártica e no Ártico, em função da acidificação dos oceanos, do aumento da temperatura, da mudança na velocidade das correntes, na salinidade ou na diminuição do gelo da calota polar no Ártico. O gelo que cresce hoje é mais novo, recente e pode ser derretido mais facilmente. Ou seja, a modificação dos polos é um reflexo da crise climática.
Um exemplo dessa crise é a diminuição do krill, uma espécie de camarão que vive nos polos, que vai afetar os cetáceos. Diversas equipes do mundo todo estão tentando entender quais são os fatores que têm contribuído para a diminuição das populações de krill. O fato é que a redução dessa população vai afetar diretamente as baleias, que consomem toneladas de krill quando estão no processo migratório. As baleias, por sua vez, têm a capacidade de manter a estrutura do ambiente e aumentar a diversidade biológica das regiões em que estão. Isso ocorre principalmente porque elas são grandes fertilizadoras do oceano. As fezes das baleias são ricas em ferro e nutrientes que são difíceis de ser encontrados no mundo marinho. Como elas têm o comportamento de mergulhar a grandes profundidades e terem que subir à superfície para poderem respirar, esse movimento de subida e descida, em conjunto com as fezes, faz com que haja uma circulação de nutrientes de áreas profundas para áreas mais superficiais, aumentando a produtividade primária local. Esses elementos químicos são muito importantes para os fitoplânctons, que são os componentes mais importantes para a produção de oxigênio do planeta e, principalmente, para o armazenamento e sequestro do carbono que está na atmosfera. Por isso a fertilização é muito importante para aumentar as populações do fitoplâncton, que são uma grande ferramenta para mitigar as mudanças climáticas.
Além disso, a própria baleia, em função do seu tamanho, peso e da sua biomassa, é um importante elemento para garantir o sequestro de carbono. Imagine uma baleia de vinte, trinta metros, com quarenta, cinquenta toneladas. É possível armazenar uma quantidade de carbono enorme no corpo desse animal. Um aspecto interessante de pensarmos em relação às baleias é que muitas vezes, quando elas morrem, esse carbono não volta para a superfície. Quando ela não é consumida por outros animais, ela tende a afundar e esse carbono é sequestrado, ou seja, não volta para a superfície. Então, todas as baleias têm a capacidade de remover o carbono da natureza, mantendo-o nos seus corpos e não o devolvendo para o meio ambiente.
O Fundo Monetário Internacional - FMI fez uma avaliação do valor econômico das baleias, dados os importantes serviços ecossistêmicos que elas prestam para o ambiente, investigando quanto valeria uma baleia. Esse trabalho com abordagem de valoração foi feito por economistas e outros pesquisadores, que chegam a estimativas conservadoras de que cada baleia prestaria serviços no valor de dois milhões de dólares. Se considerássemos o grande estoque de todas as baleias que existem atualmente, proteger as baleias seria o equivalente a gerar 1 trilhão de dólares, considerando os serviços prestados por elas ao ecossistema. Esse tipo de abordagem é chamado de soluções baseadas na natureza, ou seja, ao invés de construirmos novas tecnologias para remover o carbono da natureza, poderíamos investir na própria natureza, em soluções como a proteção de animais que têm uma capacidade muito grande de mitigar os impactos das mudanças climáticas, como é o caso das baleias. Cada baleia tem a capacidade de sequestrar, em média, 33 toneladas de gás carbônico.
Quando falamos em mudanças climáticas, estamos falando da necessidade de uma mudança radical na sociedade: precisamos ter um desenvolvimento sustentável baseado no tripé econômico, social e ambiental. É importante continuar as atividades econômicas, mas ressignificá-las, pensando de que maneira podemos melhorar o ambiente para as próximas gerações. É importante pensar em estratégias para diminuir a liberação de carbono para a atmosfera e isso envolve mudanças no âmbito dos transportes, por exemplo. No caso dos oceanos, os navios liberam muito gás carbônico. Mas além de necessitarmos de uma remodelagem completa em relação às nossas fontes de energia, é preciso levar em conta que existem soluções que podem ser encontradas na própria natureza, as quais devem ser buscadas para mitigar as mudanças climáticas.
IHU On-Line - Quais são as maiores ameaças à costa brasileira e como intensificar a proteção a essas áreas? Qual o papel do Estado e da sociedade em geral?
Rodrigo Tardin – Quando falamos de ameaças de forma geral à costa, precisamos pensar em cada uma delas em sua individualidade e particularidade, mas não deixar de avaliar o todo e o efeito cumulativo que cada uma das atividades gera no ambiente. Isso inclui não só as ações humanas que afetam o ambiente marinho, mas também as atividades geradas em terra e que afetam o ambiente marinho. Estou falando do rejeito industrial, do esgoto doméstico e de vários poluentes que são descartados nos rios e desaguam no ambiente costeiro.
A interação entre a terra e o oceano é muito importante e tem sido bastante discutida recentemente. Entre as principais ameaças ao ambiente marinho que precisam ser melhor reguladas, fiscalizadas e mitigadas, destacam-se: a poluição, a pesca, o turismo e as atividades embarcadas, que levam a processos de eutrofização, extinção de espécies ou redução de espécies a ponto de suas contribuições para o ambiente não serem mais importantes ou necessárias como eram antigamente. É importante mitigar e controlar essas mudanças para ter um ambiente estável e estruturado.
Uma das maneiras para tentar mitigar as ameaças – que têm sido utilizada no mundo inteiro – é a criação de unidades de conservação, que existem tanto no ambiente terrestre quanto no marinho. Quando falamos em unidades de conservação marinha, estamos delimitando espaços que vão variar em termos de extensão, tamanho e no que irão proteger, ou seja, são áreas em que as atividades humanas serão mais fiscalizadas. As unidades de conservação têm diferentes características: existem as unidades de conservação integrais, que são restritivas, em que não podem ser realizadas atividades humanas, com exceção de pesquisas ou atividades educativas; e as unidades de conservação sustentáveis, que permitem atividades.
Ter uma rede de unidades de conservação marinha posicionada ao longo da costa brasileira é importante para a proteção da costa e para a conservação da biodiversidade. Elas precisam estar bem posicionadas, em locais onde a biodiversidade é alta e onde tenham atividades humanas danosas, para que justamente a criação de uma unidade de conservação nesse ambiente possa regular e fiscalizar a atividade humana.
Existem várias organizações e acordos nacionais e internacionais para fazer com que as ferramentas de proteção da costa sejam mantidas, como os acordos da ONU e os protocolos. Eles são discutidos constantemente por pesquisadores e órgãos governamentais, mas ainda temos um longo caminho para conseguir proteger a costa.
Além das unidades de conservação, outra ferramenta essencial é a educação ambiental, com maior intensidade, qualidade e melhor distribuída, especialmente nas escolas públicas. De fato teremos uma mudança no comportamento da sociedade e dos governos se conseguirmos sensibilizar a sociedade de forma geral, principalmente as novas gerações, de que é importante proteger o oceano porque dele temos recursos para nos alimentarmos, para a criação de vacinas e medicamentos, porque dele temos um ambiente para recreação. As pessoas precisam ter consciência de que a própria existência do ambiente marinho bem equilibrado pode e vai conseguir regular e mitigar os impactos das mudanças climáticas.