14 Janeiro 2014
De tão presentes no litoral fluminense, eles estão no brasão do Rio como símbolo da cidade. Hoje, a população do boto-cinza ou golfinho (Sotalia guianensis) está ameaçada de extinção local, alerta o Centro de Mamíferos Aquáticos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Por fotoidentificação, pesquisadores contam pouco mais de 2 mil animais em toda a costa e afirmam que a degradação das baías do Estado tende a agravar ainda mais o quadro.
A reportagem é de Thaise Constancio, publicada no jornal O Estado de S.Paulo, 11-01-2014.
Os golfinhos habitam as Baías de Sepetiba, na região metropolitana, onde há entre 1 mil e 1,2 mil animais, e da Ilha Grande, na Costa Verde, onde vivem entre 800 e 1 mil espécimes. Na Baía de Guanabara, também na região metropolitana, a intensidade das atividades industrial e portuária, dragagens, falta de saneamento e pesca predatória reduziram a população a, no máximo, 40 golfinhos – contra cerca de 400 na década de 1980.
“Se mantivermos os atuais níveis de poluição nas baías pelos próximos 10 a 20 anos, os golfinhos terão dificuldades de reprodução e podem desaparecer da costa fluminense em 50 ou 100 anos”, afirma o biólogo Leonardo Flach, coordenador da ONG Instituto Boto Cinza.
Principal acesso marítimo à capital e a mais seis municípios da região metropolitana, a Baía de Guanabara tem intenso fluxo de embarcações que compromete o hábitat da espécie. Grandes obras, como o Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), em Itaboraí, contribuem para o aumento da poluição sonora, por causa do tráfego de barcos carregados com equipamentos.
O barulho atrapalha a comunicação entre os golfinhos, que deixam de se alimentar, reproduzir e conviver. A espécie se orienta por sons.
Degradação
A poluição é outro fator importante para a diminuição expressiva da presença dos golfinhos na Guanabara, que recebe cerca de 10 mil litros de esgoto por segundo. “Por estar no topo da cadeia alimentar, o boto-cinza reflete o grau de degradação ambiental. Os animais da Guanabara estão contaminados por vários elementos químicos, o que afeta aspectos fisiológicos, como o sistema hormonal e reprodutivo, e a imunidade”, diz o oceanógrafo José Lailson, coordenador do Laboratório de Mamíferos Aquáticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Para Lailson, a fiscalização é insuficiente e a concessão de licenciamentos deveria considerar toda a extensão da baía, e não cada empreendimento, o que reduziria os danos ao ecossistema.
“Vemos uma sobreposição entre áreas de atividade industrial, pesca e vivência dos botos. Perde o mais fraco. Com o início das atividades do pré-sal, o tráfego será intenso, a área industrial pode se expandir e esse quadro tende a se agravar.”
Nos próximos anos, a Baía de Guanabara, por causa da extração de petróleo do pré-sal, receberá novos empreendimentos, como estaleiros, e terá obras de ampliação dos portos do Rio e de Niterói. Essas alterações tendem a afugentar mais ainda os golfinhos, até porque, nos fundos da baía, perto da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, serão realizadas obras para a construção do Porto de Itaoca, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. As dragagens já começaram. O porto receberá equipamentos de grande porte do Comperj.
Tratamento
Desde os anos 1990 há programas voltados à limpeza da baía. O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, criado em 1995, foi o mais conhecido. Após sete prorrogações e péssima reputação, foi substituído pelo Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da baía (Psam). Financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com apoio da Agência de Cooperação Internacional do Japão e do Estado, os programas consumiram cerca de US$ 2 bilhões para coletar esgoto. Como medida paliativa, a Secretaria de Estado do Ambiente constrói unidades de tratamento na foz dos rios com grande carga poluidora, até que o Psam esteja completo. A expectativa é de que, até 2016, 60% do esgoto despejado na baía seja tratado. Pelo contrato, o índice deve chegar a 80% em 2018.
Mortes. Somente neste ano, foram recolhidas cinco carcaças de golfinhos na Baía de Guanabara, o que representa 12% dos 45 animais mapeados em janeiro do ano passado. As carcaças apresentavam marcas de captura em redes de pesca.
Na Baía de Sepetiba, houve, ao menos, 40 mortes com carcaças apreendidas, mas há muitos casos em que os restos do animal não são localizados. Na Baía da Ilha Grande, especialistas recolheram sete carcaças.
O boto-cinza não é a única espécie que frequenta a costa do Rio, mas é uma das mais vulneráveis. O boto-nariz-de-garrafa ou golfinho-flíper, por exemplo, habitual frequentador do Arquipélago das Cagarras, na zona sul carioca, área de cria de filhotes, não é avistado ali desde 2011. O golfinho-toninha está a um passo de desaparecer. Pelas pesquisas do ICMBio há apenas 20 animais na orla, concentrados em Sepetiba.
Sepetiba segue Guanabara, e população vai cair
Com a maior população de botos-cinza da América Latina, a Baía de Sepetiba segue os passos da Baía de Guanabara. A área tem recebido grandes empreendimentos, como o Porto de Itaguaí, além de uma siderúrgica na zona oeste do Rio.
O coordenador do Instituto Boto Cinza, Leonardo Flach, afirma que, desde 2010, o número de animais mortos cresce acima de 2% da população e a disponibilidade de alimentos caiu. "Estudos mostram que a população de Sepetiba vai começar a baixar, como aconteceu na Guanabara."
A Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) informou que estuda fazer um zoneamento ecológico e econômico costeiro na tentativa de conciliar turismo, atividades produtivas e hábitat.
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Símbolo do Rio, boto-cinza corre risco de extinção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU