A onda de violência no Ceará. 'Crimes de pobres contra pobres e o sucesso financeiro não compartilhado com quem ocupa posições subalternas'. Entrevista especial com Luiz Fábio Paiva

Ataque a ônibus no Ceará | Foto: Jornal da Paraíba

Por: Patricia Fachin | 18 Janeiro 2019

A onda de violência que atinge o Ceará há duas semanas não é uma novidade no estado. De acordo com Luiz Fábio Paiva, professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência – LEV da Universidade Federal do Ceará – UFC, o estado “vivencia há pelo menos trinta anos situações de violência e conflito entre grupos armados em bairros da capital e interior do estado”. Segundo Paiva, antes do surgimento das quatro facções que hoje dominam o Ceará, gangues e quadrilhas de traficantes já controlavam os territórios e impediam a livre circulação em alguns bairros. “Durante todo esse tempo, eles realizaram assassinatos que eram interpretados pelo poder público como ‘acertos de contas entre bandidos’. A maior parte desses crimes nunca foi efetivamente investigada e os culpados devidamente responsabilizados, deixando a sensação de que esses grupos eram autônomos para fazer isso sem interferência do poder público. A situação se deteriorou a partir de 2016 quando, depois de longas negociações entre pessoas envolvidas nas práticas de crimes, no Ceará, se constituiu o domínio de coletivos criminais conhecidos como facções”, relata na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.

As facções, informa, “desterritorializaram e reterritorializaram conflitos entre grupos armados”, atuam com “uso de explosivos capazes de afetar grandes estruturas como viadutos” e “passaram a ter um peso muito maior na vida das comunidades, adotando medidas de punições contra quem ousou desafiar suas ordens”. Entre as punições, menciona, “práticas de tortura passaram a ser difundidas contra desobedientes, suspeitos de envolvimento com grupos rivais e pessoas acusadas de delatar práticas criminosas”.

Luiz Fábio Paiva pesquisa as transformações sociais que estão ocorrendo em Fortaleza por causa do crime e da atuação das facções, e ressalta que “atualmente chama atenção a capacidade das facções em arregimentar pessoas, sobretudo jovens, para suas frentes”. A lógica desses grupos, diz, “é econômica e afetiva”, e eles realizam “um trabalho pedagógico no convencimento de que o crime pode ser um caminho para alcançar respeito e sucessos econômicos em uma sociedade injusta e corrupta”. As facções, explica, “alimentam “uma espécie de razão para que jovens se associem e realizem ‘missões’ em nome do coletivo. Cada ‘missão cumprida’ gera status para quem a cumpre dentro do grupo. Em linhas gerais, os meios para o sucesso dentro da facção dependem do sujeito cometer crimes/missões, entre eles o assassinato de outras pessoas consideradas inimigas”. E complementa: “Não poucas vezes são crimes de pobres contra pobres, enquanto algumas pessoas efetivamente têm sucessos financeiros que, aparentemente, não são compartilhados com quem ocupa posições subalternas e acaba preso por estar fazendo missões como transportar drogas, fazer assaltos ou praticar crimes de pistolagem”.

Luiz Fábio Paiva (Foto: LEV)

Luiz Fábio Paiva é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará - Uece, mestre e doutor em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará - UFC. Atualmente leciona no Departamento de Ciências Sociais e no Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFC. Coordena os projetos de pesquisa “(In)segurança na fronteira: sobre como os moradores de Tabatinga falam do perigo e da violência na Tríplice Fronteira Amazônica (Brasil, Colômbia e Peru)” e “Novo cangaço no interior do Ceará: reflexões sobre a fala do crime”.


Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor caracteriza o atual quadro de violência no Estado do Ceará, e em particular em Fortaleza?

Luiz Fábio Paiva – O Ceará vivencia há pelo menos trinta anos situações de violência e conflito entre grupos armados em bairros da capital e interior do Estado, quando esses grupos eram apenas gangues e quadrilhas de traficantes realizavam controles territoriais, proibindo a livre circulação dentro do bairro. Durante todo esse tempo, eles realizaram assassinatos que eram interpretados pelo poder público como “acertos de contas entre bandidos”. A maior parte desses crimes nunca foi efetivamente investigada e os culpados devidamente responsabilizados, deixando a sensação de que esses grupos eram autônomos para fazer isso sem interferência do poder público. A situação se deteriorou a partir de 2016 quando, depois de longas negociações entre pessoas envolvidas nas práticas de crimes, no Ceará, se constituiu o domínio de coletivos criminais conhecidos como facções.

Esses grupos passaram a ter um peso muito maior na vida das comunidades, adotando medidas de punições contra quem ousou desafiar suas ordens. Práticas de tortura passaram a ser difundidas contra desobedientes, suspeitos de envolvimento com grupos rivais e pessoas acusadas de delatar práticas criminosas. Observou-se, também, a intensificação dos homicídios, agora executados em ações de invasão ao território inimigo e realização de chacinas como a das Cajazeiras, em que quatorze pessoas foram assassinadas. Se na configuração anterior o conflito era restrito ao bairro, agora ele se estende por todo o estado, com envolvidos enfrentando as ameaças de grupos rivais em qualquer lugar que estejam. “Vestir a camisa da facção” é estar disposto a fazer o que é necessário em nome do coletivo. Isso é algo importante, porque ações como os ataques de 2019 não são fruto de extenso planejamento, mas da cobrança de lideranças em relação ao cumprimento de ordens que devem ser cumpridas por todos aqueles que se comprometeram com as atividades do coletivo.

É importante destacar que, no estado do Ceará, atuam quatro facções: o Primeiro Comando da Capital - PCC, o Comando Vermelho - CV, a Família do Norte (atualmente menos presente em função de conflitos internos que levaram a ser absorvida pelo CV) e a facção originária do estado conhecida como Guardiões do Estado - GDE. É importante destacar que os integrantes do PCC e CV não são apenas pessoas oriundas de outros estados, mas sujeitos que faziam o crime no Ceará e estão articulados por laços e compromissos a esses grupos. O CV é, em boa medida, um grupo local, que funciona como contraponto ao GDE e reclama para si a hegemonia do crime no estado. No início de 2016, esses grupos pareciam irmanados em um compromisso de pacificar o estado, mas a situação se complicou e desde meados de 2016 GDE e PCC estão em conflito armado com o CV e o que restou da FDN.

IHU On-Line - Quais são as causas da violência e desde quando ela tem se acentuado na região?

Luiz Fábio Paiva – Existem variadas causas, mas atualmente chama atenção a capacidade das facções em arregimentar pessoas, sobretudo jovens, para suas frentes. A lógica desses grupos é econômica e afetiva, realizando um trabalho pedagógico no convencimento de que o crime pode ser um caminho para alcançar respeito e sucessos econômicos em uma sociedade injusta e corrupta. Cada uma das facções atribui a seus membros certos códigos de honra e moralidades que regem a relação entre os “irmãos”. Ao mesmo tempo ela constrói seus inimigos que são tanto o Estado e as forças policiais quanto as outras facções. Alimenta-se uma espécie de razão para que jovens se associem e realizem “missões” em nome do coletivo. Cada “missão cumprida” gera status para quem a cumpre dentro do grupo. Em linhas gerais, os meios para o sucesso dentro da facção dependem do sujeito cometer crimes/missões, entre eles o assassinato de outras pessoas consideradas inimigas. Não poucas vezes são crimes de pobres contra pobres, enquanto algumas pessoas efetivamente têm sucessos financeiros que, aparentemente, não são compartilhados com quem ocupa posições subalternas e acaba preso por estar fazendo missões como transportar drogas, fazer assaltos ou praticar crimes de pistolagem.

IHU On-Line - Que transformações sociais estão ocorrendo em Fortaleza por conta do crime?

Luiz Fábio Paiva – É importante esclarecer que a pressão de quem faz o crime contra a população não é uma novidade para os mais pobres da cidade de Fortaleza. Em 2005, quando iniciei minhas pesquisas sobre violência era possível observar que as classes populares sofriam com assaltos, assassinatos e proibições de circulação dentro do próprio bairro. A situação dos ataques, no começo de 2019, exterioriza para além da periferia a força que o crime exerce na cidade há bem mais de dez anos. Claro que o período de supremacia de gangues e quadrilhas de traficantes foi diferente dos últimos dois anos em virtude da extensão e intensidade do trabalho feito por facções. Esses coletivos se constituem como fenômenos de massa capazes de realizar ações com grande impacto social como chacinas, expulsões de grande número de famílias dos seus locais de moradia e ataques sistemáticos em todo o estado. Também, vivenciamos uma situação de enfrentamento ampliada. Antes cada bairro tinha o seu próprio conflito circunscrito às suas fronteiras, o que não existe com as facções, pois qualquer lugar é um potencial local para o enfrentamento.

Em certa medida, as facções desterritorializaram e reterritorializaram conflitos entre grupos armados. A quantidade e a qualidade das armas também mudaram, com ações de grande porte e uso de explosivos capazes de afetar grandes estruturas como viadutos. Sua capacidade de agenciamento é muito maior e a articulação entre os diversos grupos e subgrupos que a compõem não tem precedentes no estado.

IHU On-Line - Parte da sua pesquisa é sobre os efeitos sociais da violência em populações que vivem em territórios marginalizados. O que tem constatado sobre o tema?

Luiz Fábio Paiva – As populações mais pobres do Estado do Ceará tiveram que aprender a conviver com o crime. Os mais jovens, inclusive, foram socializados em situações de extrema letalidade. Enquanto meu filho de quinze anos nunca experimentou a morte de nenhum familiar ou amigo por assassinato, eu tive a triste oportunidade de conversar com jovens que passaram por essa experiência duas, dez, quinze, vinte vezes. O que isso significa? Comunidades inteiras são afetadas por homicídios que se apresentam como o destino de determinadas pessoas. A maior parte dos moradores da periferia busca sua sobrevivência fora do mundo do crime, driblando, literalmente, o assédio para fazer determinados serviços para o mercado ilegal de drogas. Uma minoria, no entanto, se envolve e acredita que esse é o seu destino. Sempre recomendo que ao entrevistar um adolescente acusado de assassinato os jornalistas não se preocupem em perguntar se ele não tem respeito pela vida do outro. Perguntem o que ele pensa sobre a própria vida. A morte não é algo para depois de muitos anos, é algo para daqui a pouco, poucos dias, está logo ali atrás da porta. Assim, milhares de pessoas morreram em Fortaleza, nos últimos anos, contando com a crença de que não existia outro destino possível.

Os governos estaduais, historicamente, negligenciaram a morte dessas pessoas e os conflitos decorrentes delas. Centenas de sistemas de vingança proliferaram no estado como “normais”, sendo explicados por agentes públicos como problemas dos bandidos. Então, por mais que as ações dos últimos dias sejam de maior intensidade, elas não são, do meu ponto de vista, uma surpresa ou novidade em relação ao que se cultivou como projeto de sociedade nos últimos anos, no Ceará.

IHU On-Line - Como a violência tem se espraiado para os territórios marginalizados e quais são os efeitos sobre a população?

Luiz Fábio Paiva – Os estudantes das melhores escolas de Fortaleza realizam, diariamente, seus projetos de vida, que passam pela universidade, bons empregos, possibilidades de viagens internacionais, lazer, conhecer pessoas e compartilhar sucessos com seus familiares. Isso não é resultado do acaso, é resultado de um processo no qual famílias cultivaram valores e projetos de vida. A sociedade não é algo diferente disso, pois os elementos que a sustentam passam por aquilo que cultivamos coletivamente.

Nas periferias, jovens crescem sem as mesmas possibilidades e sem os incentivos necessários para que cultivem excelentes projetos de vida. A maior parte consegue realizar o milagre de encontrar saídas. Agora, uma parte desses jovens não consegue e poderia conseguir se recebesse os incentivos certos. Muitos, simplesmente, não os encontram na família, na escola, nos serviços de assistência social, nos amigos etc.

Quem está realmente oferecendo possibilidades para construção de projetos de vida em contraponto à sociedade que os rejeita? As facções, acolhendo, falando sua linguagem e oferecendo oportunidades por meio das missões deles prosperarem dentro do mundo do crime. Essa capacidade de agenciar jovens é a maior força das facções e não existe possibilidade de isso acabar apenas com enfrentamento policial. Mesmo que matem todos, a ideia ainda estará presente e acolherá aqueles que não encontraram na sociedade meios de realizar seus projetos de vida. Isso deveria ser levado muito a sério, mas infelizmente é completamente negligenciado pelo poder público.

IHU On-Line - O que explica a adesão das pessoas ao tráfico? Isso se tornou uma opção de vida em alguns estados do país ou é uma consequência de problemas sociais?

Luiz Fábio Paiva – Não existe uma causa para a adesão ao tráfico e é importante entender que o envolvimento com o crime não é apenas dos mais pobres. É possível observar pessoas de classe média e muito ricas envolvidas no crime. Então, não existe uma razão em si. Claro que não podemos negligenciar os efeitos econômicos do tráfico nas populações mais pobres. A possibilidade de ganhar dinheiro com o crime é um fator importante. Contudo, a aventura e a ideia de fazer parte de algo, também, são fatores que mobilizam pessoas de todas as classes sociais. É inegável que você irá encontrar nas prisões e centros educacionais uma maioria de jovens pobres, mas isso não significa que apenas eles aderem ao tráfico. Existem esquemas criminosos em bairros nobres feitos por jovens ricos e de classe média, inclusive filhos de juízes e empresários. Os mercados ilegais de drogas são instâncias econômicas e sociais, com vínculos afetivos e interesses de quem pode sempre fazer mais dinheiro além do que já possui. Uma das coisas que aprendi, também, foi que é preciso considerar fantasias e crenças que compõem esse mundo, com recompensas que passam pela fama e admiração de homens e mulheres que a pessoa deseja impressionar.

IHU On-Line - O senhor já declarou que as primeiras ações de violência envolvendo facções criminosas no Ceará ocorreram em 2005. Quais são as facções que atuam no Ceará e como elas têm atuado de 2005 até hoje? Que relações podemos estabelecer com grandes facções do Rio de Janeiro e São Paulo?

Luiz Fábio Paiva – Nesse caso me referia ao assalto ao Banco Central de Fortaleza, que contou com a participação de pessoas daqui e de outros estados. O PCC e o CV têm um peso na organização do crime, no Brasil, em função de suas articulações com os mercados nacionais e internacionais de drogas. Lideranças ou pessoas respeitadas (“consideradas”) nas dinâmicas criminais cearenses tiveram contato com esses grupos bem antes de 2016 e isso ajudou a construir a ideia de que o Estado deveria ter a “sua facção”. Muito mais do que um modelo, CV e PCC ajudaram a construir uma maneira de fazer o crime que teve enorme sucesso no imaginário das pessoas com disposição para atividades ilegais. Hoje, em praticamente todos os estados brasileiros existem “facções” e grupos que se identificam como CV ou PCC. É um fenômeno de massa que funciona independentemente de cadeias de comando, embora elas existam. Mesmo assim, essas cadeias de comando não são fundamentais, porque o mais importante é compartilhar das ideias e dessa maneira de fazer, atuando em separado ou junto como em ações observadas, no Ceará, neste início de ano.

IHU On-Line - Qual é o poder das facções na negociação com o estado?

Luiz Fábio Paiva – Apesar de existirem casos de negociação aberta, eu acredito que durante muitos anos esses grupos cresceram pela omissão do estado em reconhecer o problema. Essa omissão não foi casual, afinal as facções, em determinados contextos, criaram regimes de controle social dos crimes nas prisões e nas ruas das cidades. Em São Paulo, a ascensão do PCC coincide com a queda vertiginosa do número de homicídios no estado. Isso chegou a acontecer, no Ceará, em 2016, quando houve uma queda violenta no número de homicídios, com a paz estabelecida entre os grupos e o governo falando que as facções, simplesmente, não existiam. O próprio conflito entre esses grupos não parece incomodar os governos até que isso ultrapasse os limites dos assassinatos entre “bandidos”. Até esse ponto não existe governo, no Brasil, interessado em intervir. Os problemas são quando, efetivamente, as ações desses grupos criam constrangimentos e a população exige do estado uma “resposta”, em geral violenta e desastrosa porque é meramente reativa e não preventiva.

IHU On-Line - Como observa a reação do poder público à atuação das facções no Ceará? O que tem sido feito para contê-las?

Luiz Fábio Paiva – O governo do Estado do Ceará tem, basicamente, investido em ações de policiamento ostensivo, com operações de saturação e reação às ações desses grupos. As grandes movimentações do estado só acontecem tardiamente e de maneira desmedida, sempre atrapalhada e tardia. Foi assim no tempo da pacificação quando não assumiam a existência das facções e só foram agir depois do conflito armado, com sequências de chacinas acontecendo em todo o estado. Depois, mesmo com inúmeras denúncias de moradores sendo expulsos de suas casas, só foi observada uma ação quando pintaram, em uma rua de um bairro de Fortaleza, uma ordem expulsando todas as famílias de suas casas. Agora, apenas depois de dias de ataque é tomada uma medida em caráter de urgência, lotando o estado de policiais, mas não apresentando nenhum plano concreto de retomada do controle social das áreas há mais de dois anos sob domínio desses grupos.

Pichação expulsando moradores da periferia no Ceará (Foto: Omossoroense)

IHU On-Line - Segundo a imprensa tem divulgado, a atual onda de violência no Ceará é uma reação das facções à proposta do novo secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, de proibir a entrada de celulares em presídios e acabar com a separação de detentos em presídios de acordo com as facções a que pertencem. Como o senhor vê esse tipo de proposta?

Luiz Fábio Paiva – Eu tenho afirmado que a fala dele foi um desastre. Não precisamos de alguém para promover bravatas. No Ceará, sobram políticos e apresentadores de programas policiais que fazem isso. O trabalho do gestor é primeiro conhecer a realidade e estudar o que é possível, avaliando as consequências. Se medidas mais duras precisam ser tomadas, que sejam dentro de um planejamento estratégico e feitas de uma maneira que não prejudique a vida de milhares de pessoas. Claro que o novo secretário não é o único responsável por tudo isso e sua fala não chega a ser uma novidade. Nos últimos anos, o governo Camilo Santana (PT) já declarou que ia colocar polícia na cola dos bandidos, que ia expulsar todos os bandidos do Estado do Ceará, que agora bandido ia ter que escolher entre justiça e cemitério, em postagens nas redes sociais com emojis de facas e caveiras. Chegam a ser infantis além de amadoras todas essas provocações que não nos levam, objetivamente, a lugar nenhum. Portanto, o novo secretário chegou demonstrando estar alinhado ao que o governo vem propondo e fazendo no campo da segurança pública.

IHU On-Line - O que as suas pesquisas demonstram sobre a insegurança na fronteira e sobre a violência na Tríplice Fronteira Amazônica? Que grupos atuam na região?

Luiz Fábio Paiva – Aprendi, pesquisando os mercados ilegais de drogas na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, que o crime não é um fenômeno simples, mas abrangente em suas possibilidades e configurações. Muitas pessoas que estão realizando atividades para funcionamento do mercado de drogas não se consideram ou são consideradas criminosas. Durante o período da minha pesquisa, entre 2013 e 2017, a FDN tinha uma participação marcante em grandes esquemas de transporte de drogas, mas sua hegemonia só se tornou possível porque ela atuava em diversas instâncias, articulando pequenos, médios e grandes esquemas de tráfico de drogas. Em todos esses esquemas você tem pessoas que realizam trabalhos por remunerações e não se envolvem nos arranjos e lutas políticas que existem dentro do próprio grupo. Além disso, a disputa pela hegemonia é sempre muito intensa, com muitas pessoas morrendo e atuando de maneira violenta para garantir o controle de esquemas que começam, terminam e recomeçam de formas distintas o tempo inteiro. São intensos processos criativos que envolvem sujeitos armados e não armados, com interesses e disposições distintas no meio de um negócio que mobiliza muito dinheiro em meio a laços sociais duradouros e frágeis ao mesmo tempo.

IHU On-Line - Nos últimos anos alguns especialistas têm chamado atenção para os riscos de o Brasil se tornar um narco-Estado. Esse risco é real na sua avaliação?

Luiz Fábio Paiva – Eu não vejo o problema dessa forma. Acho que o Brasil, na atualidade, movimenta muito mais dinheiro do tráfico de drogas do que muitos Estados classificados dessa forma. Existem muitas fantasias e invenções mirabolantes em torno do tráfico de drogas. Sua mercadoria é rentável e, obviamente, o consumo alimenta as disposições para manter o mercado abastecido. Enquanto as pessoas acharem que a drogadição é um problema policial, as pessoas que fazem o tráfico vão inventar meios de manter o movimento em contínuo desenvolvimento. O combustível desses grupos não deixa de ser a ignorância e a criminalização de práticas que poderiam ser enfrentadas como problemas sociais no campo da cultura e da saúde pública. Precisamos discutir a sério o que fazer com o consumo de drogas e olhar para o exemplo de outros países que estão regulamentando e assim melhorando o controle social sobre essas práticas.

IHU On-Line - Que tipo de políticas precisariam ser implementadas no país para lidar com o tráfico e com as facções?

Luiz Fábio Paiva – O Estado precisa intervir de maneira qualificada para o bem-estar em uma sociedade. Precisamos não apenas de um aparato de segurança policial, mas de um sistema eficiente de proteção social. É inaceitável que uma escola termine o ano com menos cem alunos e não saibamos o que aconteceu na vida dessas pessoas. Crianças e adolescentes não podem ser vistos como problemas de segurança pública. Eles precisam de meios para construir seus projetos de vida, com incentivos a talentos diversos e possibilidades reais de alcançar seus objetivos. Esse é o melhor programa de ação social contra a violência, atacando a desigualdade e as injustiças sociais para promoção de uma convivialidade democrática, plena em seu exercício de garantia da cidadania de cada um. Feito isso, o trabalho policial se constitui como apoio para garantia dos direitos humanos e o sistema de justiça tem condições adequadas para julgar e responsabilizar as pessoas que realmente produzem prejuízos ao bem-estar social. Sem nada disso, a política de segurança pública serve apenas para enxugar gelo e levar políticos incompetentes ao poder em virtude de atitudes irresponsáveis de apoio à violência como meio de resolver problemas sociais complexos.

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