10 Março 2016
“Entender qual é a natureza da Operação é chave para sabermos se esse processo vai fortalecer e melhorar o Brasil ou se isso é uma espécie de golpe velado. O episódio de Congonhas é chave para entendermos se havia a tentativa de prender o ex-presidente Lula e antecipar um movimento político, ou se, ao contrário, era somente mais uma investigação republicana”, afirma o pesquisador.
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Por enquanto, pontua, esse “cerco” está vinculado às supostas denúncias feitas pelo senador Delcídio Amaral, que acusou a presidente Dilma “de ter nomeado um ministro do STJ para liberar alguns empresários que estavam presos na Operação Lava Jato”, e às investigações que envolvem as relações entre o ex-presidente Lula e as maiores empreiteiras do país. O fato, enfatiza, é que esses dois acontecimentos “terminaram jogando o PT nas cordas e o partido corre o risco sério de perder a Presidência e de desaparecer como força política”.
Segundo Ortellado, o modo como a Justiça está conduzindo a Operação Lava Jato está permeado de abusos, tais como as conduções coercitivas, mas ainda é cedo para afirmar que a Operação está politizada. Em contrapartida, menciona, o debate sobre a Operação “é extremante politizado”. “De um lado se argumenta que se trata de uma ação institucional republicana, que está investigando os anteriormente não investigados; e de outro lado, argumenta-se que ela está sendo utilizada politicamente apenas para um ator político e que os outros atores estão sendo poupados. O debate está politizado e, por ora, os fatos estão obscuros”. Por enquanto, afirma, “um dos indicadores” de que a Operação Lava Jato tem uma “institucionalidade forte” “é o fato de ela ter prendido os empresários, ou seja, duas pessoas entre as dez mais ricas do mundo: André Esteves e Marcelo Odebrecht. Isso mostra uma capacidade da lei que não esperávamos da institucionalidade brasileira”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Ortellado comenta ainda as suspeitas recentes de que a Operação Lava Jato esteja sendo comandada por uma Cooperação Internacional e que tenha um “comando central superior”, que tem ligações com o FBI. Isso “é especulativo. Não temos nenhum fato indicando isso”, frisa.
Ele lembra que “quando aconteceram as manifestações de Junho de 2013, algumas pessoas fizeram uma leitura de que o governo americano estaria por trás das manifestações, que o Brasil estaria vivendo uma ‘revolução laranja’, como aconteceu no Leste Europeu. O próprio presidente da Turquia sugeriu à presidente Dilma e ao ex-presidente Lula que Junho de 2013 tinha sido armado, mas isso não é verdade. Sabemos hoje, de modo muito claro, que se tratou de um movimento interno brasileiro, embora o meio político tenha tentado tirar proveito disso”.
Pablo Ortellado é doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas, orientador no programa de pós-graduação em Estudos Culturais e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação – Gpopai, todos na USP.
Confira a entrevista.
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Pablo Ortellado – Essa fase da Lava Jato está muito “colada” no depoimento vazado do Delcídio e mostra um cerco tanto à presidente Dilma quanto ao ex-presidente Lula. À presidente Dilma porque - se é verdadeiro o documento que foi vazado - Delcídio a acusa de ter nomeado um ministro do STJ para liberar alguns empresários que estavam presos na Operação Lava Jato.
Já o ex-presidente Lula teve a condução coercitiva, que envolve fatos não explicados – dizem que a condução talvez redundasse numa prisão e ainda não se sabe se havia uma tentativa de levá-lo para Curitiba e depois prendê-lo, e se tenha recuado disso. Está tudo muito estranho, mas de qualquer maneira esses dois fatos terminaram jogando o PT nas cordas e o partido corre o risco sério de perder a Presidência e de desaparecer como força política. Esse efeito provável de uma prisão do ex-presidente Lula e um impeachment da presidente Dilma tem feito o PT se mobilizar como um modo de sobrevivência, e isso tende a acirrar os ânimos e o antagonismo político no país.
IHU On-Line – A Operação Lava Jato sinaliza, sim ou não, um avanço institucional e democrático no país, tendo em vista a condenação de Marcelo Odebrecht nesta terça-feira?
Pablo Ortellado – Não está claro. Por um lado, alguns analistas apontam que a Operação segue a lógica do Partido da Justiça, que é uma iniciativa de procuradores e de delegados da Polícia Federal, que são extremamente legalistas e que estão querendo levar ordem e respeito às instituições até o seu limite. Nesse sentido, seria um fortalecimento.
Por outro lado, existem alguns sinais de direcionamento para um determinado partido político e para o governo federal. Se houver esse direcionamento, não seria um fortalecimento das instituições, mas mais uma disputa das forças políticas do país por meio dessas instituições, enfraquecendo-as e fazendo uso político delas. Entender exatamente isso é muito difícil, porque a situação não está muito clara. Investigar os delitos do governo federal naturalmente leva à investigação das ações do governo atual.
O governo FHC está muito distante no tempo, e os problemas que possam ter acontecido naquela ocasião já prescreveram e são difíceis de serem resgatados. Então, não fica claro se a operação Lava Jato é uma ação de natureza política ou institucional, republicana.
Entender qual é a natureza da Operação é chave para sabermos se esse processo vai fortalecer e melhorar o Brasil ou se isso é uma espécie de golpe velado. O episódio de Congonhas é chave para entendermos se havia a tentativa de prender o ex-presidente Lula e antecipar um movimento político, ou se, ao contrário, era somente mais uma investigação republicana.
“A questão toda é se a força investigativa será aplicada de maneira isonômica a todas as outras forças políticas” |
IHU On-Line – Estando o PT à frente da Presidência da República há 13 anos, não é natural que ele esteja sob os holofotes, considerando inclusive a relação do governo com as empreiteiras do país, conforme parte da própria esquerda já denunciava antes do governo Dilma?
Pablo Ortellado – Claro. Investigar a relação do PT com as empreiteiras e os fatos que foram levantados, que são gravíssimos, é positivo. Isso está assegurado. A questão toda é se a força investigativa será aplicada de maneira isonômica a todas as outras forças políticas. Eu ainda não tenho isso muito claro. Os desdobramentos da Operação podem ser um fortalecimento das instituições brasileiras à medida que se mostra que os poderosos não estão imunes à lei. Por outro lado, podem significar que as instituições foram apenas usadas para tirar um partido do poder e estão agindo de uma maneira disfarçada.
IHU On-Line – Em relação à condução coercitiva, a Polícia Federal publicou uma nota dizendo que, em mais de 100 casos, pessoas que estão sendo investigadas foram conduzidas do mesmo modo que o ex-presidente, mas nesses outros casos não houve a mesma mobilização. A condução é abusiva em todos os casos?
Pablo Ortellado – A condução coercitiva – parece que há uma unanimidade entre os juízes – é abusiva. Por outro lado, abusos na ação da polícia brasileira são uma trivialidade, porque ela comete abusos o tempo todo. Esse abuso contra o ex-presidente permitiu que houvesse um desgaste, que o PT reagisse a essa condução, tentando jogar uma fumaça na situação, sugerindo que a Operação Lava Jato está sendo construída em cima de abusos. Isso tenta deslegitimar a Operação junto à opinião pública. É um jogo do PT que tenta deslegitimar a Operação por causa de um erro. A condução coercitiva foi um erro e é algo que precisa ser esclarecido.
É surpreendente que os meios de comunicação não tenham investigado o que aconteceu no aeroporto de Congonhas. Não houve explicações de por que havia um jatinho, por que ele não decolou, por que o Lula deu seu depoimento em Congonhas, sendo que a PF tem uma sede em São Paulo, e por que não havia um procurador da República para colher o depoimento de Lula. Tudo isso é muito obscuro, e o esclarecimento desses fatos nos ajudaria a entender qual é a natureza da Operação Lava Jato.
Os outros casos de condução coercitiva não tiveram repercussão, mas foram abusivos. A Lava Jato é construída em cima de métodos abusivos, com prisões preventivas, da qual as pessoas presas só são liberadas se fizerem delação premiada. Há um consenso entre os juristas de que não é assim que se faz delação premiada: é praticamente uma tortura deixar a pessoa presa por três meses, e depois de ela ficar extremamente desgastada, assustada e sofrendo se oferece uma saída, que é a delação.
Essa é uma prática ilegal, a qual não tem sido discutida pelo pessoal dos direitos humanos porque está sendo realizada com empreiteiros, e, como a nossa tradição é de que os abusos acontecem apenas com os pobres, quando esses abusos acontecem com os ricos - entre as vinte pessoas mais ricas do país - não parece injusto “levantar a bola” de uma prática que ocorre cotidianamente com a população pobre. Mas essa é uma prática abusiva.
IHU On-Line – A Operação Lava Jato está politizada ou a discussão sobre a Lava Jato está politizada?
Pablo Ortellado – Se a Operação está sendo politizada, não sei. Não dá para saber se os últimos acontecimentos sobre a investigação envolvendo o ex-presidente Lula são uma “forçação de barra” ou se tem algo de substantivo.
O debate, em contrapartida, é extremante politizado: de um lado se argumenta que se trata de uma ação institucional republicana, que está investigando os anteriormente não investigados; e de outro lado, argumenta-se que ela está sendo utilizada politicamente apenas para um ator político e que os outros atores estão sendo poupados. O debate está politizado e, por ora, os fatos estão obscuros.
IHU On-Line – Pode nos dar um panorama de como os desdobramentos da Operação estão repercutindo nas diferentes frentes que compõem a esquerda brasileira?
Pablo Ortellado – Na esquerda existem os setores diretamente ligados ao PT e que têm longa tradição de apoio ao PT. Eles estão acuados, desesperados e reagindo com uma força muito grande para sobreviverem, porque eles podem não apenas perder o governo federal, mas a perspectiva de sucesso eleitoral nos próximos anos até se recuperarem dessa mancha que foi jogada sobre eles.
Outros setores estão observando, querendo entender qual é a natureza do que está acontecendo e, ao mesmo tempo, querendo apoiar as investigações da Lava Jato, mas ao mesmo tempo estão receosos de que um apoio absoluto às investigações pode legitimar um golpe se, por trás, a Operação tiver um viés político-partidário. Como isso ainda não está muito claro, muitos setores estão tentando manter uma distância e tentando apoiar movimentos republicanos de investigação e, de outro, procurando denunciar os excessos.
IHU On-Line – E como está repercutindo na oposição?
Pablo Ortellado – A oposição está fazendo um uso partidário, dizendo que o PT é a razão de todos os males do Brasil e está tentando jogar toda a culpa no partido. A oposição também está rachada internamente porque estão vendo a possibilidade de ascender ao poder por meio do impeachment, por meio da renúncia da presidente, de uma cassação do TSE. Cada um dos grupos políticos se beneficia de uma dessas vias. Os grupos são o do Serra, o do Aécio, o do PMDB, o do Alckmin e o da Marina. Cada um defende uma determinada via de remoção da Dilma, porque isso beneficia um deles. Eles estão unidos na denúncia contra o PT, mas fragmentados na maneira de como tirar Dilma do governo.
IHU On-Line – Na entrevista que nos concedeu o ano passado, você disse que não haveria hoje no país nenhum partido de esquerda para substituir o PT, porque o PT foi o partido da esquerda no Brasil. Dada a atual conjuntura, a esquerda pode se recuperar? Há espaço para se desvincular dessa relação de favorecimentos entre Estado e setor privado? Que perspectivas vislumbra para a esquerda no atual momento?
Pablo Ortellado – Duas coisas. Do ponto de vista institucional e político-partidário, independentemente do que acontecer, o PT está desgastado e não deve ter sucesso eleitoral no ciclo eleitoral de eleições municipais, nem presidenciais, nem para governador. O PT está seriamente comprometido, e vários partidos de esquerda passaram por isso no passado e se recuperaram. Se algum partido vai aproveitar esse vácuo, está em aberto. O PSOL é um candidato, a Rede também. Esses são os dois principais candidatos para crescerem com a crise do PT, mas isso vai depender de como eles vão absorver os quadros que estão saindo do PT e de como vão articular uma estratégia.
Do ponto de vista da esquerda extrainstitucional, é aqui que estão as novidades. Os novos movimentos sociais já estavam num processo de descolamento dos partidos políticos, com uma separação do que foi o movimento social nos anos 1980. Essa crise faz de vez um corte entre movimentos sociais e partidos políticos. Estamos vendo um crescimento das mobilizações do Movimento Passe Livre, do movimento dos secundaristas, do movimento feminista, os quais estão se descolando dos partidos políticos e tentando criar uma mobilização da sociedade civil para pressionar o sistema político desde fora. São essas novas forças que devem criar as possibilidades de transformação social nos próximos anos, muito mais do que pelas vias institucionais, ainda que isso aconteça de uma maneira combinada.
IHU On-Line – Você leu o texto publicado pelo Nassif, sugerindo que há um comando central superior aos juízes e procuradores envolvidos na Lava Jato, o qual tem ligações com o FBI, e que estariam agindo segundo uma Cooperação Internacional? Como vê essa possibilidade?
Pablo Ortellado – Eu li o texto do Nassif e acho que ele é especulativo. Não temos nenhum fato indicando isso. Quando aconteceram as manifestações de Junho de 2013, algumas pessoas fizeram uma leitura de que o governo americano estaria por trás das manifestações, que o Brasil estaria vivendo uma “revolução laranja”, como aconteceu no Leste Europeu. O próprio presidente da Turquia sugeriu à presidente Dilma e ao ex-presidente Lula que Junho de 2013 tinha sido armado, mas isso não é verdade. Sabemos hoje, de modo muito claro, que se tratou de um movimento interno brasileiro, embora o meio político tenha tentado tirar proveito disso.
Não sei se existe algum viés político na condução da Lava Jato. Um dos indicadores de que ela tem uma institucionalidade forte é o fato de ela ter prendido os empresários, ou seja, duas pessoas entre as quinze mais ricas do Brasil: André Esteves e Marcelo Odebrecht. Isso mostra uma capacidade da lei que não esperávamos da institucionalidade brasileira; é um sinal muito positivo. Mas esse é um viés mais forte do que a prisão dos políticos, porque a prisão de políticos pode ter um viés apoiado na outra parte do sistema político. A prisão dos empresários mostra uma forte capacidade de impor a lei, ainda que provavelmente tenha havido abusos nesse processo.
IHU On-Line – Embora a investigação esteja demonstrando que há uma relação entre empresários e políticos e que eles não são atores estanques nesse processo de corrupção.
Pablo Ortellado – Mas, numa sociedade como a nossa, o verdadeiro poder é o do dinheiro. Vermos gente dessa estatura econômica sendo presa não é algo comum. Até se prendem políticos, um partido prende o partido opositor, mas prender o poder econômico é muito difícil. Nem em democracias antigas e constituições sólidas isso é trivial. Esse ponto é bastante positivo apesar dos abusos que ocorreram. Essas prisões dão uma esperança de que haja um encaminhamento mais republicano. Por outro lado, levanta suspeita o fato de nenhum político da oposição ter sido preso. De todo modo, ainda temos de esperar para ver os próximos desdobramentos.
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“Vermos gente dessa estatura econômica sendo presa não é algo comum” |
IHU On-Line – Você sempre acompanha as manifestações de rua. Que impacto os desdobramentos da Lava Jato devem ter nas manifestações previstas para o dia 13?
Pablo Ortellado – Com relação às mobilizações contra o governo federal, elas estão sofrendo dois efeitos contrários: um que as estimula e outro que as desestimula. O que desestimula é o envolvimento dos partidos na condução do processo do impeachment. As primeiras mobilizações do primeiro semestre de 2015 para cá têm ficado menores. Quanto mais o processo do impeachment parece viável, menos gente está na rua. Parece um paradoxo.
O que explica isso é algo que aparece na pesquisa que fizemos em abril do ano passado com pessoas que estavam na manifestação contra o governo federal. Quando fomos medir a opinião deles sobre o sistema político, descobrimos que as pessoas têm a visão de que o sistema inteiro está corrompido e que o PT é o caso mais extremo dessa corrupção, que envolve todos os outros partidos políticos.
Quando começaram a aparecer manifestações de grupos que se beneficiariam com o impeachment, isso gerou suspeita nas pessoas e elas deram um passo atrás, por isso a mobilização decresceu. Quando Cunha ganhou proeminência e foram feitas acusações contra ele, as pessoas acharam que estavam sendo usadas como massa de manobra para essas manifestações e estavam beneficiando um político que é tão ou mais corrupto que os políticos do PT, que elas estavam querendo tirar do poder. Isso explica a decrescente mobilização até o final de 2015.
Por outro lado, a delação de Delcídio e a condução coercitiva do ex-presidente Lula animaram as pessoas que acham que um desfecho para essa situação pode estar próximo. Esses dois movimentos atuam em sentidos diferentes e vamos ter que esperar para ver qual dos movimentos vai prevalecer. Não vou estranhar se tivermos uma mobilização como a de dezembro de 2015, mais ou menos estacionada. Isso seria mais ou menos condizente com a observação dessas duas forças contrárias.
Do outro lado, as mobilizações a favor da presidente Dilma vão crescer porque o PT está acuado e vai jogar todas as fichas nas manifestações, porque elas representam uma situação de vida ou morte.
Por Patricia Fachin
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Qual é a natureza da Lava Jato? Compreendê-la é chave neste momento político. Entrevista especial com Pablo Ortellado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU