Contar com presbíteros estrangeiros e extradiocesanos: cinco decisões possíveis. Artigo de Jesús Martínez Gordo

Foto: Juan Carlos Leva | Pexels

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07 Outubro 2025

"É muito possível que algum bispo diocesano e sua equipe de governo recorram a presbíteros estrangeiros não apenas porque se deparam com um inegável déficit de sacerdotes e de matrículas na Faculdade de Teologia ou no Centro de Estudos Teológicos de sua igreja local, mas também porque tentam enfrentar o problema de comunhão que têm com parte do presbitério diocesano e dos fiéis do lugar".

O artigo é de Jesús Martínez Gordo, teólogo, publicado por Religión Digital, 06-10-2025.

Eis o artigo. 

Há uma estratégia pastoral que também está sendo implementada em boa parte das dioceses espanholas, ao menos daquelas que conheço: trata-se de contar com presbíteros estrangeiros e extradiocesanos, entendendo por estes últimos os nacionais que, provenientes de outras igrejas locais, são acolhidos – de maneira ocasional ou permanente – podendo, neste último caso, ser incardinados, isto é, incorporados ao presbitério diocesano com todos os direitos e obrigações.

Com a ativação dessa estratégia pastoral, busca-se responder à diminuição do número de presbíteros para poder atender – ao menos no âmbito do culto – ao crescente número de paróquias sem ministro ordenado. Além disso, trata-se de uma estratégia que não descarta a possibilidade de contar com a presença e os serviços de organizações religiosas e leigas, também estrangeiras ou extradiocesanas.

Como consequência da implementação dessa estratégia, abriu-se em algumas igrejas locais um intenso e interessante debate teológico-pastoral, não apenas sobre as modalidades de sua aplicação, mas também sobre sua adequação para acompanhar e atender devidamente aos possíveis “restos paroquiais” ou “brasas comunitárias” que ainda possam existir ou vir a se formar.

Não se pode ignorar que, em algumas dioceses, vem ocorrendo outro tipo de debate – tenso e, inclusive, de confronto total – quando essa estratégia pastoral é adotada e aplicada sem acordar condições mínimas que permitam demonstrar a bondade e o modo de colaboração entre igrejas irmãs, ou pior ainda – embora infelizmente não raro – quando é imposta sem o devido consenso eclesial ou até mesmo contra notáveis e numerosos coletivos eclesiais.

Mas vamos, como sempre, por partes, começando por recordar alguns dados e decisões que estão na origem e pretendem explicar a razão de ser dessa estratégia pastoral.

1. Alguns dados

Sem dúvida, a razão teológica dessa estratégia é a colaboração entre igrejas irmãs, especialmente quando implementada de maneira fraterna, corresponsável e sinodal.

No caso da Igreja espanhola, tal colaboração lembra que – segundo o relatório da Conferência Episcopal de 2023 – havia 22.921 paróquias, das quais 4.053 já não contavam com a atenção de um presbítero. E, segundo a mesma Conferência Episcopal – em dezembro de 2024 – havia mais de 1.500 presbíteros estrangeiros com encargo pastoral na Espanha. Ou seja, um em cada dez dos atuais 15.669 padres em exercício era de outro país, embora alguns tivessem dupla nacionalidade.

No ano anterior – junho de 2022 – a Conferência Episcopal havia informado que algo mais de 550 presbíteros estrangeiros realizavam estudos na Espanha e colaboravam pastoralmente nas dioceses em que viviam, atendendo capelanias, grupos específicos de fiéis ou estando à frente de paróquias.

Por sua vez, a Obra de Cooperação Sacerdotal Hispano-Americana (OCSHA) informou que cerca de 900 padres (1.123 segundo a CEE, relatório 2023) haviam deixado a Espanha para trabalhar em outros países, especialmente na América Latina.

Esses dados confirmam a diminuição do número de presbíteros nativos, o aumento de paróquias sem atendimento pastoral e o crescimento do número de ministros ordenados estrangeiros servindo nas igrejas locais espanholas.

2. Cinco decisões possíveis

Mas esses dados não são apenas fruto – como se poderia pensar – de mudanças socioculturais incontroláveis, e sim também de decisões que promovem e reforçam – por virtude ou necessidade – a presença de presbíteros estrangeiros e extradiocesanos, segundo diferentes modalidades e motivações.

2.1. Contar com as próprias forças

Pode acontecer que, diante da evidente escassez de ministros ordenados, o bispo proponha um plano pastoral baseado no protagonismo do laicato e na atualização (“aggiornamento”) dos presbíteros em atividade, dispostos a impulsionar um novo modelo de Igreja com as próprias forças – leigas e presbiterais.

Infelizmente, esse modelo é raro na Espanha. A aposta por ele é excepcional, talvez por variantes do clericalismo, ainda que disfarçadas.

2.2. Contar com o ministério diaconal entendido como um sub-presbiterado

Pode também acontecer que o bispo apresente no Vaticano – por exemplo, na visita “ad limina” – a difícil situação pastoral de sua diocese, e que, com o aval da administração vaticana, interprete a crise como fruto da secularização. Diante disso, sugere-se a promoção do diaconato permanente como saída paliativa à falta de presbíteros, junto com a encomenda pastoral a padres estrangeiros e extradiocesanos.

2.3. Contar com a “cooperação missionária” de presbíteros estrangeiros

Algumas igrejas locais buscam presbíteros em outros países como cooperadores para suprir a falta de ministros nativos. O fundamento teológico é a colaboração entre igrejas irmãs.

Normalmente há acordos entre os bispos de origem e de destino por três anos, renováveis uma vez. O presbítero recebe remuneração equivalente à dos locais. Igrejas do primeiro mundo, por meio desses convênios, também fazem doações às dioceses de origem.

Essa estratégia é válida, especialmente se articulada com o fortalecimento de “equipes ministeriais de base” em comunidades remanescentes, desde que não empobreça as dioceses de origem.

2.4. Contar com presbíteros de outras dioceses do mesmo país (extradiocesanos)

Outra modalidade é contar com padres, seminaristas, leigos e religiosos de outras dioceses do mesmo país, pelas mesmas razões acima mencionadas.

2.5. Contar com a colaboração pastoral de presbíteros Fidei donum (1957)

Essa modalidade decorre do programa Fidei donum, promovido por Pio XII em 1957, a pedido de bispos africanos, para enfrentar as dificuldades das dioceses recém-descolonizadas.

O Papa incentivava a colaboração fraterna para que padres e seminaristas, sobretudo da África, América Latina e Ásia, pudessem completar sua formação em dioceses europeias. Os bispos que os acolhem são responsáveis pelo sustento e hospedagem. Alguns desses presbíteros colaboram pastoralmente, desde que isso não prejudique seus estudos. Esses padres e seminaristas devem regressar às suas dioceses de origem após completar a formação.

É possível, contudo, que alguns bispos recorram a presbíteros estrangeiros não apenas pela escassez de vocações, mas também para lidar com divisões internas no presbitério e entre os fiéis. Nesses casos, corre-se o risco de instrumentalizar esses padres – tanto os cooperadores missionários quanto os Fidei donum – sem lhes esclarecer os conflitos e as estratégias locais.

Quando isso ocorre, assiste-se à utilização indevida desses presbíteros e a uma estratégia pastoral que, em vez de favorecer seu retorno às dioceses de origem, tende a prolongar sua permanência o máximo possível na diocese de acolhida.

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