08 Abril 2025
"Frei, conheci e conheço muitas mulheres que honraram a sua imagem divina, pois Deus Criou homem e mulher e viu que era muito bom. Graças a Deus elas não foram submissas, pois ajudaram e ajudam este mundo a ser melhor. Elas merecem uma retratação", escreve Celso Pinto Carias.
Celso Pinto Carias (o "Mendigo de Deus") é doutor em teologia e professor na PUC-Rio, assessor da Ampliada Nacional das CEBs e do Setor CEBs do Comissão Pastoral Episcopal para o Laicato da CNBB.
Este modesto colunista perguntou a si mesmo se valeria a pena escrever algo em torno da pregação do Frei Gilson sobre as mulheres. Tanto já se falou. E sabemos que o mundo da internet é muito perigoso. Por exemplo, seus seguidores aumentaram, mesmo com todas as críticas, pois a internet não funciona com debates profundos. Então, resolvi me dirigir a ele fazendo algumas perguntas. Mas em uma tentativa de diálogo de pessoas maduras, que em tese têm a mesma fé. Muito difícil chegar a ele e ainda contar com uma resposta. Afinal não sou famoso na net, e nem quero ser. Mas em memória de duas mulheres amigas, falecidas precocemente, resolvi escrever: Solange Rodrigues (63) e Luciene Alcinda de Medeiros (59). Luciene escreveu um livro que recomendo: “Em briga de marido e mulher o estado deve meter a colher”.
Também está difícil conversar com quem pensa diferente, corre-se o risco até de agressão física. Percebem-se verdadeiras ações diabólicas por aqueles que falam de Deus. Triste, muito triste.
Sabemos bem que na origem da palavra “diabo” está o conceito de “divisão”, por isso ele é chamado de “pai da mentira”. Contrário da palavra “símbolo” que é aquilo que une.
Então, frei, não seria uma ação diabólica insuflar o povo a ter posições que não coadunam com uma correta interpretação da Bíblia? E olha, não tem nada há ver com teologia de libertação (tdl). Um dos meus professores de Bíblia, o falecido Pe. Emanuel Bouzon, um exegeta que sabia sumério e acádio, idiomas importantes para entender a origem da Escritura, e não tinha aproximação alguma com a tdl, agora deve estar dando “volta no túmulo” com o que se tem falado nas redes sobre o texto sagrado. Por que continuar a fazer interpretações literais quando a Igreja ensina, mesmo antes do Vaticano II, que assim não pode ser feito? Veja, por exemplo, a encíclica Divino Afflante Spiritu, publicada por Pio XII, em 1943.
Não seria diabólico rezar um terço afirmando que existe uma ditadura no Brasil? Ora, em uma ditadura o senhor seria censurado por afirmar tal coisa, sendo verdade ou não. Pode-se criticar o governo atual em várias direções, mas afirmar que é uma ditadura é desonesto. O senhor poderia definir o que é ditadura? O que é comunismo? Ah, não sou comunista viu? Sou anticapitalista, mas minha utopia passa por uma mudança com inspiração nos povos tradicionais: o Bem Viver.
Não seria fundamental, e tudo ficaria mais transparente, conforme o Documento Final do Sínodo nos estimula, se os seus seguidores soubessem as fontes do seu financiamento e assim fazerem uma opção mais livre de lhe seguir ou não?
Os bispos que lhe apoiam, não são muitos, afirmam que o senhor tem milhões de seguidores e, por isso, faz uma ação fundamental para a evangelização. Aqui cabem mais perguntas. O que significa evangelizar? Creio que uma consulta à Exortação Apostólica Evangelli Nuntiandi, de São Paulo VI, seria recomendável. Não recomendo a Evangelli Gaudium, do Papa Francisco, pois nem ele tem escapado de críticas ferozes. A eficácia da evangelização passa apenas por números de seguidores? As primeiras comunidades cristãs não chegavam a dez por cento da população do Império Romano no século primeiro, mas por que foram terrivelmente perseguidas?
Não discordo de que rezar na madrugada possa fazer bem, pois vivemos em uma sociedade que produz muitas doenças psíquicas. Apesar disso, tal ação precisa ser feita com muito equilíbrio para que não se utilize de fragilidades humanas como veículo de poder. O “Abuso Espiritual” tem campeado de maneira diabólica por aí. Aqui também recomendo outro livro: “Abuso espiritual: a manipulação invisível” de Gabriel Perissé, Editora Paulus.
Frei, sinceramente, gostaria de acreditar em sua honestidade, bem como de outros influenciadores das mídias digitais, mas está difícil. Em nome da família, da pátria, e, pior, de Deus, temos encontrado muita desumanidade. Linguagem agressiva, xingamentos, mentiras, tudo muito longe do ensinamento de nosso Senhor Jesus Cristo. Eu mesmo, depois desta carta, já estou aguardando reações pesadas.
Por isso frei, venha a público e diga que você se expressou mal quando tentou interpretar o livro do Gênesis no que se refere à criação da mulher. Venha a público e revele que quer o bem do Papa Francisco, concordando com ele quando nos estimula a cuidar da natureza e a caminhar juntos, de forma sinodal. Ajude a esclarecer que a Campanha da Fraternidade é uma ação importante para a Igreja do Brasil. Enfim, continue buscando ajudar o povo sofrido, mas não faça orações criando monstros que não existem. O medo não é instrumento de evangelização, mas sim o amor que não se impõe. Não é preciso recordar ao senhor que “aquele que diz amo a Deus, mas odeia o seu irmão, é mentiroso” (1Jo 4,20).
Frei espero que os bispos, que vão se reunir em Assembleia em breve, reflitam com honestidade sobre o fenômeno midiático que tanta confusão tem produzido. Não se trata de defender ideologia A ou ideologia B, mas de seguir os passos de Jesus de Nazaré. Opções ideológicas sempre existem, todos têm inclusive o senhor. A minha creio que esta carta revela. Mas o critério de escolha ideológica não pode ser garantido por um poder dominador, mas pelo poder serviço.
Frei, conheci e conheço muitas mulheres que honraram a sua imagem divina, pois Deus Criou homem e mulher e viu que era muito bom. Graças a Deus elas não foram submissas, pois ajudaram e ajudam este mundo a ser melhor. Elas merecem uma retratação. Um abraço fraterno do “mendigo de Deus”.