11 Março 2025
"Ultraconservadores católicos, que adoram versar sobre o silêncio, praticam um anticlericalismo silencioso e peculiar ao se oporem à teologia ecoprofética do Papa Francisco, ignorando a política do comum e do bem-viver, o Ano do Jubileu e as Campanhas da Fraternidade. No lugar disso, sobra silêncio e tempo para agendas em programas televisivos desinformativos e encontros com políticos extremistas. Mas não só: não dispensam a batina nem os privilégios religiosos", escreve Tabata Pastore Tesser, doutoranda em Sociologia na USP e mestra em Ciência da Religião na PUC-SP.
A autora integra a linha de pesquisa de Gênero, Religião e Política do Laboratório de Antropologia da Religião. Pesquisadora visitante do Instituto de Estudos da Religião no GT de Catolicismos e Conservadorismos. Coautora da pesquisa Cartografia dos Catolicismos Jurídicos Antigênero (2024).
Parte da esquerda parece ter descoberto ontem que o catolicismo ultraconservador não morreu. Há tempos, estudiosos da religião alertam que reduzir a culpa (palavra católica) da atual conjuntura política apenas aos evangélicos é um erro. No último fim de semana, após algumas reportagens circularem, setores da esquerda passaram a resumir Frei Gilson como religioso da “bolha bolsonarista”. Precisam decidir: Gilson expressa um fenômeno do Brasil real, capaz de reunir um milhão de fiéis católicos para a reza do terço, ou é um religioso restrito ao ultraconservadorismo católico?
Mas a questão aqui é outra: por que parte da esquerda parece escandalizada? O problema não está na reza do terço de madrugada, mas em como a mediação religiosa nas redes sociais ganha intenções políticas extremistas. Frei Gilson, como cantor e influenciador com mais de sete milhões de seguidores, faz parte de uma escalada ultraconservadora na Igreja Católica, fortalecida pela ascensão dos clérigos influencers — uma resposta à plataformização da religião, incentivada há mais de uma década.
Ultraconservadores católicos, que adoram versar sobre o silêncio, praticam um anticlericalismo silencioso e peculiar ao se oporem à teologia ecoprofética do Papa Francisco, ignorando a política do comum e do bem-viver, o Ano do Jubileu e as Campanhas da Fraternidade. No lugar disso, sobra silêncio e tempo para agendas em programas televisivos desinformativos e encontros com políticos extremistas. Mas não só: não dispensam a batina nem os privilégios religiosos.
Esse ativismo midiático expressa um catolicismo conservador “em saída”, que deu voz ao leigo após o Concílio Vaticano II. A Igreja Católica, no entanto, não refletiu sobre o poder das vozes extremistas nas redes sociais e gestou o ovo da serpente. Diante disso, surge a dúvida — princípio fundamental do catolicismo, pois onde há dúvidas, há liberdade. O que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) está fazendo para conter os católicos extremistas? A Igreja Católica precisa decidir: seguirá comprometida com a defesa abstrata da vida, perseguindo meninas estupradas e condenando mulheres à submissão, ou abraçará a sinodalidade do Papa Francisco, arrancando do centro da Igreja a ideologia autoritária?