12 Fevereiro 2025
Arnaud Orain publicou Le Monde confisqué. Neste livro, o historiador decifra a racionalidade das estratégias violentas e rentistas empregadas pelas elites econômicas e políticas, que voluntariamente confabulam para se apossar de “um bolo que não pode crescer”. É um livro que dá sentido à brutalidade de Trump, às ofensivas dos gigantes digitais, à apropriação de terras agricultáveis em todo o planeta e ao investimento sem precedentes da China na sua marinha. Com a publicação de Le Monde confisqué. Essai sur le capitalisme de la finitude (XVIᵉ-XXIᵉ siècle) [O mundo confiscado. Ensaio sobre o capitalismo da finitude (séculos XVI-XXI)], editado pela Flammarion), o historiador Arnaud Orain ousa propor uma leitura global dos acontecimentos que chocam e marcam uma mudança de época.
A entrevista é de Fabien Escalona e Romaric Godin, publicada originalmente em Mediapart, e reproduzida por Sin Permiso, 06-02-2025. A tradução é do Cepat.
Orain afirma que as nossas sociedades vivem um “capitalismo da finitude”, cujos avatares já existiam em séculos anteriores. Abertamente “predatório, violento e rentista”, prospera com a promessa de prosperidade universal, possibilitada pelo mercado e regulamentada pela lei. “O neoliberalismo acabou”, afirma o autor, diferenciando-se neste ponto de outros pensadores da época, como Quinn Slobodian e seu Capitalismo destrutivo. Os radicais do mercado e a ameaça de um mundo sem democracia (Objetiva, 2024).
Em declarações ao Mediapart, Arnaud Orain desenvolve os principais argumentos da sua tese e explica a sua periodização alternativa da trajetória do capitalismo. Destaca a linha que deve ser encontrada entre o risco de subjugação, face à nova onda imperialista do século XXI, e o risco de afundar numa corrida antidemocrática, desigualitária e ecocida.
Para explicar as turbulências do nosso tempo (ameaças de guerra, recuo democrático, protecionismo, etc.), você propõe a noção de um “capitalismo de finitude”. Quais são suas principais características?
A ideia era sair da habitual dicotomia entre períodos de triunfo do liberalismo e períodos de forte intervenção do Estado. Nunca esqueci o que nos diziam aqueles professores que estudavam o sistema soviético no departamento de economia: liberalismo e capitalismo são duas coisas muito diferentes.
Prefiro identificar dois tipos de capitalismo. Existe um capitalismo que é compatível com o liberalismo. Baseia-se na concorrência, na redução ou mesmo ausência de direitos alfandegários, na liberdade dos mares e numa utopia de aumento da riqueza individual e coletiva, numa dinâmica que beneficiaria a todos. É a época que muitos de nós vivemos, dos anos trinta aos setenta do século passado.
E depois existe o capitalismo, por vezes chamado de capitalismo “mercantilista”, que chamo de capitalismo “finito”. Refere-se a um mundo em que as elites acreditam que o bolo não pode crescer mais. A partir daí, a única forma de preservar ou melhorar a sua posição, na ausência de um sistema alternativo, passa a ser a expropriação. Esta é a era em que acredito que estamos entrando.
Você escreve que o capitalismo já passou por fases desse tipo nos séculos anteriores. Que períodos são esses?
A trajetória do capitalismo pode ser descrita da seguinte forma. Do século XVI ao XVIII: trata-se de uma fase em que foram criadas potências imperiais que criaram grandes empresas com monopólios, comércio exclusivo com as suas colônias e guerras de natureza estritamente econômica. Foi o primeiro período do capitalismo de finitude. Seguiu-se uma fase de liberalização, após as Guerras Napoleônicas, vencidas pelos britânicos.
Alguns acreditam que esta Pax Britannica continuou até 1914, mas ignoram a segunda grande onda de colonização que começou na década de 1880. Nesta época, voltaram as tarifas, os armazéns imperiais, os cartéis e as conquistas territoriais em busca de “recursos”, tendências que se acentuaram na década de 1930, como consequência da Grande Depressão, e culminaram na Segunda Guerra Mundial.
Em 1945 começou uma nova fase liberal. Baseou-se numa promessa de abundância sem precedentes, inicialmente para o mundo ocidental e depois estendida a todo o mundo a partir da década de 1990. Assim como é “centrado no Ocidente” pensar na ruptura com o passado em 1914, também o é acreditar que a era neoliberal mudou tudo. O verdadeiro momento em que a promessa foi quebrada, especialmente em relação aos limites ecológicos do planeta, foi na década de 2010.
A referência obsessiva de Trump à Era Dourada estadunidense deve ser levada a sério. Foi a era dos monopólios, da difamação da concorrência, das grandes desigualdades sociais, mas também do grande retorno da colonização, que os próprios Estados Unidos praticaram em Porto Rico e no Havaí.
Na sua opinião, a “broligarquia” tecnológica que ganhou destaque na posse de Trump é uma ilustração perfeita deste capitalismo de finitude. Tem-se a impressão de que são a versão do século XXI de algumas das companhias marítimas que organizaram a contraeconomia séculos atrás...
Na verdade, existe um paralelo entre estas diferentes encarnações de “empresas-Estado”. Durante muito tempo, contou-se uma história romântica sobre as empresas das Índias Orientais. A VOC [Companhia Holandesa das Índias Orientais], por exemplo, tinha dezenas de milhares de escravos e praticava uma violência que beirava o genocídio, como nas Ilhas Banda. Na Índia, os britânicos não compravam muita coisa no final do século XVIII: saqueavam e tributavam a população.
Estas empresas tinham seus próprios direitos, fortalezas e exércitos, o que podia inclusive causar atritos com os Estados de onde provinham. O importante é lembrar que monopolizavam áreas para gerar renda a partir de uma lógica rentista, em vez de gerar lucros a partir da livre concorrência. No final do século XIX, empresas deste tipo ressurgiram durante o renascimento da colonização, especialmente na África.
Hoje, os gigantes digitais combinam o poder do mercado com o poder soberano. São capazes de mobilizar o espaço público através das redes sociais, fornecer conexões à internet para áreas inteiras, interferir na esfera militar com satélites e tentar extrair dinheiro aproveitando uma posição monopolista sobre os dados.
No entanto, há uma diferença de uma época para outra. As empresas dos séculos XVII e XVIII desempenhavam um papel importante na política dos seus respectivos Estados, mas não se tratava de se impor dentro da metrópole. Agora os gigantes tecnológicos apropriam-se de prerrogativas soberanas dentro dos seus próprios Estados. No entanto, como no passado, pode haver divergências entre estas empresas: Elon Musk e Peter Thiel, por exemplo, não compartilham a mesma opinião sobre a desvinculação econômica da China.
A sua tese também nos permite compreender melhor o significado histórico de outro fenômeno que tem ganhado as manchetes: a interrupção da liberdade de navegação no Mar Vermelho pelos hutis do Iêmen, no contexto da guerra no Oriente Médio. Você insiste no fato de que o capitalismo de finitude é acima de tudo o fechamento dos mares.
Há cerca de dez anos que os oceanos voltaram a ser um tema importante nas relações internacionais. No capitalismo de finitude, fazemos comércio com os nossos amigos, os nossos vassalos, as nossas colônias, num regime em que somos protegidos pelo nosso poder imperial, porque não existe mais uma potência hegemônica capaz de garantir a liberdade dos mares para todos.
Embora ainda não tenhamos chegado a esse ponto, há fortes indícios de que isso está acontecendo. É significativo o fato de que os hutis não estejam atacando navios chineses e russos, enquanto as empresas ocidentais têm agora de contornar a África. Neste contexto, assistimos a um enfraquecimento da marinha estadunidense e, pelo contrário, a um enorme aumento do poder da marinha chinesa, tanto mercante como militar. Para garantir a liberdade dos mares, não pode haver duas potências hegemônicas. Só funciona com uma.
É claro que o movimento MAGA em torno de Trump já não quer pagar pela segurança mundial. É preciso dizer que os Estados Unidos não estão longe de ter energia suficiente entre gás, petróleo e painéis solares domésticos, e que estão bem abastecidos de matérias-primas na América do Sul. A vontade de anexar a Groenlândia responde ao objetivo de ter acesso a determinados recursos minerais para completar a panóplia.
Anuncia-se um novo mundo, com rotas marítimas seguras para alguns, mas não para outros. Para as potências europeias, acostumadas há oitenta anos à liberdade dos mares garantida pelo seu principal aliado, a ruptura é considerável.
É compreensível que o capitalismo baseado na finitude não combine bem com os princípios democráticos. Mas, o vínculo não é mais complexo? Afinal, vimos a qualidade dos regimes democráticos deteriorar-se durante a era neoliberal, do mesmo modo que vimos avanços democráticos no final do século XIX.
Não existe uma conexão necessária entre capitalismo e autoritarismo, assim como não existe entre liberalismo econômico e democracia. O fato é que o capitalismo de finitude claramente não precisa da democracia e que esta representa inclusive um obstáculo.
Na verdade, as exigências democráticas são geralmente mais igualitárias, com vias para que os pequenos produtores e trabalhadores possam expressar seus interesses. Já o capitalismo de finitude valoriza o empresário que alcança o monopólio e, portanto, a desigualdade. A tomada de poderes soberanos por empresas estatais, que não prestam contas a ninguém, também é contraditória aos princípios do governo representativo.
No capitalismo da finitude, contudo, as aspirações populares podem ser capturadas argumentando a favor da natureza protetora das medidas de fechamento. É o que Trump está fazendo. Destacar o progresso tecnológico e as novas fronteiras que imaginamos que se estenderão ao espaço é também uma forma de ampliar a sua base eleitoral.
É o que a extrema-direita europeia não compreendeu. Quando não se tem empresas estatais em setores estratégicos, nem grandes frotas militares, poucos recursos energéticos próprios... o risco, num mundo “trumpizado”, é, sobretudo, o empobrecimento que leva ao servilismo.
Voltemos à sua periodização das fases liberais e das fases marcadas pela consciência da “finitude”. Como você explica a sua alternância?
Não abordo diretamente a questão da causalidade destas alternâncias. Mas vejamos o que disse Karl Polanyi sobre o colapso da fase liberal no século XIX. À medida que a promessa de abundância coletiva e individual se tornava cada vez mais difícil de cumprir, o mais-valor teve de ser extraído de outra forma, por meios imperialistas, destruindo as estruturas tradicionais do mundo recentemente colonizado. As elites teorizaram sobre isso e os críticos do imperialismo denunciaram-no na época.
Desde o final do século XX e início do XXI, um fenômeno relativamente semelhante vem ocorrendo. A partir do momento em que os países emergentes e as novas classes médias começam a consumir proteínas animais e combustíveis fósseis de acordo com os padrões ocidentais, a promessa de abundância se choca com as limitações dos recursos. Torna-se difícil crescer sem novos mecanismos de expropriação, que não podem ser alcançados num quadro liberal.
No neoliberalismo, o Estado e as instituições internacionais impõem um quadro rigoroso para garantir um ambiente competitivo. Estamos em vias de sair deste quadro, porque não basta manter o nível de vida ou garantir os lucros das grandes empresas tecnológicas. A saída é um capitalismo menos padronizado, mais brutal, com formas de dominação mais diretas que prescindem do mercado.
Você aponta a finitude dos recursos naturais, mas o problema não é também interno ao próprio sistema de acumulação? O capital luta para encontrar seu valor, no Ocidente, mas também na China. É por isso que o neoliberalismo representou uma ruptura com o passado: mudou a base da acumulação, que se tornou mais financeirizada e menos favorável ao mundo do trabalho.
Nós não discordamos. Os promotores do neoliberalismo tentaram claramente dar continuidade, através de uma lógica competitiva exacerbada, a um modo de produção que já estava esgotado na década de 1970. Mas depois da grande recessão de 2008, o crescimento econômico alcançado através das exportações revelou-se um bolo cada vez mais limitado. Nos países do Norte, assistimos a um relativo empobrecimento das classes média e trabalhadora.
A França e os Estados Unidos foram os primeiros a sentir o impacto da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), e agora chegou à Alemanha. Na prática, os ocidentais estão descobrindo que a teoria que justificou o livre comércio – a especialização baseada na vantagem comparativa – não funciona. O emplastro do neoliberalismo já não é suficiente para conter os problemas de uma indústria em colapso. Isto contribui para o aumento das rivalidades geopolíticas dentro do capitalismo global.
A fase liberal do capitalismo iniciada em 1945, mais ou menos temperada pelo Estado social, foi também a fase da “grande aceleração” da degradação ecológica do sistema Terra. Você não subestima o caráter permanente da dimensão expropriadora da lógica capitalista?
Durante os Trinta Gloriosos e o período neoliberal, houve trocas claramente desiguais em todo o planeta. Mas foram as relações de mercado que predominaram. Tomemos o caso da terra. No mundo liberal, este ativo é como líquido. Os preços são fixados e cada Estado compra, no mercado mundial, o que não tem para consumo da sua população. Este é o modelo centrado na OMC.
Desde os distúrbios alimentares de 2007-2008, e novamente após a pandemia da Covid, algo diferente está acontecendo: uma apropriação direta de terras, sobretudo por parte de empresas estatais dos Emirados Árabes Unidos e da China, mas também por empresas estadunidenses e holandesas. Elas compram a terra, fornecem insumos e sementes e se apropriam das colheitas sem intermediários ou preços de mercado. Algo semelhante acontece com os recursos minerais e pesqueiros.
Em termos mais gerais, chama a atenção o crescimento, tanto na esfera intelectual como empresarial, da ideia de que o capitalismo é um jogo de soma zero. Escritores críticos como Dylan Riley e Robert Brenner desenvolveram recentemente esta ideia na New Left Review, mas como historiador, podemos encontrar ecos disso no século XVII, quando os primeiros pensadores do capitalismo explicaram que nem todos no mundo podiam participar dos grandes mercados têxteis.
O capitalismo finito do século XXI tem uma qualidade especial em comparação com fases anteriores deste tipo? Poderíamos imaginar um retorno quase tranquilizador, mas o sistema capitalista está envelhecendo.
Temos um novo problema. A finitude do mundo é, sem dúvida, a finitude dos recursos naturais e a saturação do mercado mundial: a finitude da velha escola, por assim dizer. Mas é também o fato de que, para alcançar uma transição energética que evite mudanças climáticas desastrosas, precisamos de enormes quantidades de minerais e metais. O planeta é duplamente finito: precisamos de recursos para manter o capitalismo fóssil, mas também para fazer a transição. Não vejo como isso não causará grandes conflitos.
Para você, o “mundo confiscado” segue sendo um mundo capitalista, onde o problema é o imperativo da acumulação, seja feita ou não com energia de carbono. Então, opõe-se a teses como as de Yánis Varoufákis ou Cédric Durand, que falam da emergência de um “tecnofeudalismo” em vez do capitalismo?
Eu não concordo com esse termo. O feudalismo implica uma relação mais política do que econômica, um poder baseado em hierarquias extraeconômicas, justificadas de forma teológica ou tradicional. Mas continuamos num sistema em que a relação de dominação se baseia no dinheiro, em benefício dos capitalistas.
Só que alguns destes capitalistas também querem ser soberanos, com um guarda-chuva de comerciante e outro de (para-)Estado. Essa é a mudança que está ocorrendo: uma lógica capitalista segue operando, mas é acompanhada pela tomada da terra, do mar, do ar e inclusive do ciberespaço e do espaço público, o que pode ser descrito como a tomada da soberania.
Você defende uma economia ecológica, que é uma versão radical da “ecologia de guerra” defendida por Pierre Charbonnier: basicamente, preservar a autonomia através da sobriedade, em vez de entrar no jogo dos impérios. Mas isto é possível diante da sua capacidade de chantagem e coerção?
Como manter um regime democrático diante de impérios que querem o mesmo que nós? A minha esperança é ver surgir uma política de transição energética muito ambiciosa, com uma redução drástica do consumo de energia, porque isso envolverá necessariamente recursos minerais e metálicos.
É uma linha muito tênue: uma transição forte que nos permita não seguir muito uma política de imperialismo e de vassalagem, e ao mesmo tempo garanta autonomia face aos impérios predatórios, que serão, no longo prazo, vencedores. Mas isto implica uma reorganização tão radical da nossa organização social que não sei se é possível.
Esta questão levanta a problemática de um governo baseado nas necessidades, em vez de uma corrida precipitada em direção à acumulação. Precisamos realmente de milhões de veículos elétricos individuais? Não precisamos mudar o nosso estilo de vida para escapar da corrida imperial?