A lição das parábolas. Artigo de Enzo Bianchi

Cristo Orando no Jardim do Getsêmani, de Hermann Clementz. (Foto: Reprodução)

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07 Novembro 2024

"Nas parábolas, Jesus falava de Deus sem nomeá-lo, um Deus que devia ser procurado e encontrado por trás do comportamento de um bom pai, um senhor misericordioso, um amigo que nunca falha", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 04-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Ao ler os Evangelhos, ficamos admirados com o frequente recurso de Jesus ao gênero literário das parábolas: anunciando a boa nova do reino de Deus que se aproxima, “Jesus falava de muitas coisas por parábolas”. Contava, oferecia aos seus interlocutores narrativas do que estava acontecendo neste mundo e na vida cotidiana dos homens e mulheres, fazendo alusões e revelações veladas. Nunca entregava catequese com fórmulas codificadas.

Ele falava pouco de Deus e usava imagens diferentes daquelas já prontas porque queria “evangelizar”, tornar Deus uma “boa notícia”. As palavras que ele usava eram extraídas de sua própria humaníssima vida, nunca extraordinárias, nunca destinadas a encantar ou seduzir.

Sim, nas parábolas, Jesus falava de Deus sem nomeá-lo, um Deus que devia ser procurado e encontrado por trás do comportamento de um bom pai, um senhor misericordioso, um amigo que nunca falha.

Poderíamos dizer que havia em Jesus uma palavra não religiosa que se referia à experiência humana: uma figueira que dá brotos na primavera, o fermento que faz a massa crescer, um pai que espera pelo filho que fugiu de casa, um fazendeiro que semeia o trigo, um pastor que perde uma ovelha.

Histórias em que Deus não aparecia como protagonista, mas nas quais transpareciam as expectativas de uma vida diferente, de um mundo diferente.

E se Jesus era questionado sobre Deus e sua lei, então nunca fornecia respostas dogmáticas nem indicava leis morais férreas: “Ele não falava como os especialistas das Escrituras, mas como alguém que tem autoridade”.

Entre as causas da oposição a Jesus por parte das autoridades religiosas deve ser listada também essa sua humaníssima linguagem que resultava desconcertante: ele não repetia o que havia sido dito e, com a liberdade do Espírito profético, interpretava as Escrituras. Assim, Jesus pedia às multidões que repensassem a ideia e as imagens que tinham de Deus, que se questionassem sobre o que Deus quer e que não vivessem de acordo com o que os sacerdotes exigiam.

Jesus nunca recorria ao sobre-humano, nunca à pregação de um Deus onipotente que sabe se impor aos seres humanos se eles não o aceitam. Ele falava de um Pai que chamava de Abinu, “Pai Nosso” (pois somos todos irmãos), mas também o chamava de Abba, “Papai”, um Deus que só conhece apenas a onipotência do amor, destinado até mesmo àqueles que não o merecem, e que quer salvar a vida de todos. Para mostrar isso, Jesus “se perdeu” entre os malfeitores, frequentando pecadores e prostitutas, julgado impuro porque não era obcecado pela pureza e pela imunidade. Sua carne frágil e mortal era palavra humana, assim como a carne de cada um de nós é carne terrena. Mesmo hoje, em um tempo que muitos definem de pós-teísta, não nos deveríamos preocupar demais em nomear Deus. Deus não é reconhecido quando está nos lábios de homens religiosos, mas quando é procurado sem ser possuído, quando sua vontade é feita sem ser dita e publicitada. O humaníssimo Jesus é suficiente para conhecer Deus.

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