15 Outubro 2024
Safatle nos propõe assistir às dificuldades do campo da esquerda de braços cruzados, como se fôssemos espectadores da desgraça ou profetas do fim do mundo. É necessário sair dos bancos FFLCH, descer dos saltos e vir às periferias construir junto
O artigo é de Mateus Muradas, publicado por Outras Palavras, 14-10-2024.
Mateus Muradas é poeta, integrante do Fórum Social da Zona Leste, conselheiro municipal de políticas urbanas e um dos organizadores do 1º Encontro das Periferias de São Paulo.
Em entrevista para Uol, o filósofo da USP, Vladmir Safatle afirmou novamente que a “esquerda morreu”. De maneira reiterada, Safatle tem feito esta afirmação, pautado por preocupações legitimas quanto ao posicionamento ideológico recuado dos partidos de esquerda, seja no processo eleitoral, seja na atuação do governo Lula. Há de se concordar, que sim, o recuo tático dos partidos de esquerda e sua postura reativa frente ao avanço da extrema-direita, é sim uma preocupação. Contudo, algumas afirmações de Safatle são bastante preocupantes, tanto por seu conteúdo, quanto pelo momento em que estão sendo feitas.
O resultado do 1º turno das eleições de 2024, mostrou que a centro-direita e a extrema direita, tiveram avanços significativos, seja na quantidade de prefeitos e vereadores eleitos, seja nas vitórias ocorridas nas grandes cidades (acima de 200 mil habitantes). Isso reflete, que a tática dos partidos de esquerda em adotar, discursos ideologicamente recuados, foi fracassada. Essa ideia apregoada pelas grandes empresas de marketing eleitoral, de que a esquerda precisaria moderar o seu discurso para não ser vista como “radical”, para supostamente conquistar o eleitor médio, foi o grande derrotado nestas eleições! Os partidos de esquerda escutaram o conto da carochinha de marketeiros ultrapassados, que tiveram a única intenção de abocanhar o fundo eleitoral e não em fazer enfretamento político. Esta tática acéfala e cunhada em dados estatísticos vazios e sem análise crítica da realidade, custou caríssimo aos partidos de esquerda, seja pelos volumes vultuosos de recursos do fundo eleitoral despejado com marketing eleitoral, seja pelas derrotas colhidas na eleição.
Entretanto, insistir na afirmação que isso representa a morte da esquerda, é um erro crasso! Este derrotismo de Safatle, nos leva ao mais puro imobilismo, nos leva a assistir as dificuldades do campo da esquerda, de braços cruzados, como se fossemos expectadores da desgraça ou profetas do fim do mundo. É necessário sair dos bancos mofados da FFLCH-USP, sair desta postura derrotista e elitista, e reconhecer que sim há dificuldades, mas nunca, jamais, haverá vitória, sem luta! É necessário apoiar os “renascimentos” dos ideais de esquerda e não apontar insistentemente sua morte, e muito menos “chutar cachorro morto”.
“Ah, mas naquele tempo de fundação do PT, a esquerda funcionava com uma tríade juntando a academia, os sindicatos e igrejas progressistas e isso precisa ser renovado”
Estamos em 2024, com outros fatores conjunturais e estruturais, no meio de uma eleição municipal disputadíssima, e este “Sebastianismo de Esquerda”, definitivamente não contribui em nada.
Safatle afirma, que a esquerda está envelhecida… Em São Paulo, Boulos é candidato do PSOL, apoiado pelo PT, e tem 42 anos. A vereadora mais votada do PT, Luna Zarattini, tem 30 anos, outro novo vereador do partido, Dheison Silva tem 36 anos, um jovem de periferia. No PSOL, Luana Alves da luta da educação popular, Amanda Paschoal da pauta LGBTQIAPN+, Keit Lima da pauta das periferias e da participação popular, todos, abaixo de 35 anos.
Ao menos, na cidade de Vladmir, São Paulo, esta afirmação de que a esquerda estaria envelhecida, é absolutamente falsa! Objetivamente, citamos jovens vereadores eleitos, e com discurso atuais e avançados, ligados a pauta das mulheres, das periferias, da participação popular na política. Por que Vladmir Safatle “assassina” a esquerda, mesmo enxergando estas novidades em São Paulo?
Além disso, Vladmir afirma que a esquerda não tem proposta para as periferias e ignora o fato de que movimentos populares, fóruns e redes dos 5 cantos da Capital paulista, se reuniram para realizarem o “Encontro das Periferias” no dia 25 de agosto de 2024, movimento autônomo, que reivindica voz política e direitos. Lutar por voz política não é lutar por Soberania Popular? Reconhecer as feridas da escravidão, o efeito nefasto do capitalismo na formação proposital das periferias urbana, e lutar por mobilidade urbana e empregabilidade nas periferias, não é uma luta pela igualdade?
O movimento entregou em suas mãos, em Itaquera, o Manifesto das Periferias. Por que este documento foi ignorado em sua análise? Dia, inclusive que, membros do Movimento o interpelaram sobre sua ideia de “Morte das esquerdas”. O documento sintetizou 98 propostas para as periferias, assinada por diversas candidaturas a vereador e pelo próprio candidato a prefeito, Guilherme Boulos. Por que novamente, Safatle insiste em “assassinar” a esquerda, mesmo com este evidente surgimento de um movimento popular autônomo?
Afirmar, que a esquerda não tem proposta para periferia e que está envelhecida, é absolutamente falso. É possível afirmar sim, que os Movimentos Populares poderiam ter sido mais ouvidos pelas campanhas eleitorais, que mais candidaturas avançadas poderiam ter tido mais espaço. É possível sim, afirmar que membros da Elite Intelectual, como ele próprio, ignoram a existência de novos Movimentos Populares nas periferias. Mas dizer que a esquerda está morta, sinceramente, é um equívoco!
Me parece, que sim, há uma esquerda morrendo, a esquerda burocrata, a esquerda dos gabinetes, a esquerda dos simpósios e congressos mofados da USP, a esquerda que ainda cai em contos da carochinha de marqueteiros.
A elite intelectual deste país, especialmente de esquerda, precisa perceber o nascimento de novos movimentos populares, novas ideias em disputa, novas propostas de organização partidária. É possível sair do banco confortável do niilismo, mas definitivamente não será fazendo ilações no meio de uma disputa eleitoral acirrada. Não há projeto legitimamente de esquerda que não seja construído com o povo e com as periferias… Cadê os intelectuais, membros das direções partidárias construindo novos projetos nacionais junto com as periferias? É necessário descer do salto e vir aqui pra base e construir junto! Há momentos adequados para autocrítica, hoje, dia 14 de outubro, não é o momento, agora temos que ir para cima de Ricardo Nunes, ir pras ruas e disputar uma eleição dificílima, em que esquerda precisa de apoio e não de gente do nosso campo atirando pedras!
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Elitismo intelectual precisa parar de “matar a esquerda”. Artigo de Mateus Muradas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU