01 Agosto 2024
A violação da Trégua Olímpica serviu para excluir a Rússia dos Jogos de Paris 2024, mas não para fazer o mesmo com Israel, que tem podido participar em uma competição que, desde suas origens, tem um fundo político.
A reportagem é de Xabier Rodríguez, publicada por El Salto, 01-08-2024.
Os Jogos Olímpicos de Paris começaram no dia 26 de julho com o desfile sobre o rio Sena no qual, junto com os demais países participantes, participaram as delegações de Israel, Palestina e Ucrânia. Também desfilaram 15 atletas russos e 17 bielorrussos, formando a equipe de Atletas Individuais Neutros (AIN), forma como o Comitê Olímpico Internacional (COI) permitiu sua participação após terem expulsado os respectivos comitês olímpicos por “profanarem a Trégua Olímpica ao invadir a Ucrânia durante os Jogos Olímpicos de Pequim 2022” e por “violarem a Carta Olímpica ao se apropriar de território onde existiam instalações sob o controle do Comitê Olímpico Ucraniano”, como explicou o próprio COI.
Um dia depois da cerimônia de inauguração, um ataque aéreo israelense contra uma escola em Deir al-Balah (Gaza), onde muitas pessoas deslocadas de suas casas se refugiavam, matou 30 palestinos e feriu cerca de 100 outros. Na Ucrânia, o exército russo continuou seu avanço na região de Kharkiv, atacando três instalações elétricas. A Trégua Olímpica entrou em vigor em 19 de julho.
Este é o clima em que ocorrem os Jogos Paris 2024 e que levou o governo francês a aumentar as medidas de segurança devido ao risco de ataques. Em conversa com Jules Boykoff, professor da Universidade do Pacífico (Estados Unidos) e especialista em Jogos Olímpicos, presente na capital francesa, explica que “as forças de segurança estão por toda parte, grupos de policiais percorrem a cidade, muitos deles com rifles de assalto e armas de nível militar, alguns em uniformes camuflados, outros em seus uniformes policiais azuis.”
Em meio às exibições de Simone Biles ou às surpresas como o ouro no rugby francês de 7, o público presente mostrou sua posição, principalmente contra os ataques de Israel a Gaza. A frase “genocídio não é esporte olímpico” foi ouvida na manifestação realizada em Paris na véspera da cerimônia de abertura e na partida de futebol entre Paraguai e Israel um grupo de participantes exibiu uma faixa com o slogan “Genocídio Olímpico” com várias bandeiras palestinas. A justiça francesa está investigando esses acontecimentos por um alegado crime de provocação ao ódio racial. Boykoff, que participou dessa reunião, comenta que “a segurança foi muito mais intensa do que em outros eventos em que estive nestes Jogos Olímpicos”.
Vários atletas também quiseram mostrar sua posição diante desses conflitos, que em alguns casos afetam seus próprios países. Waseem Abu Sal, porta-bandeira da Palestina nos Jogos de Paris, vestiu uma camisa durante a cerimônia de abertura em que denunciavam os bombardeios contra crianças palestinas. O nadador palestino Yazan Al Bawwab entrou na piscina olímpica com o punho levantado e usando uma bandeira palestina no peito. O judoca argelino Messaud Dris, por sua vez, está sob investigação após dar um peso muito pouco acima do permitido em sua categoria e não comparecer à luta contra o israelense Tohar Butbul. Esses acontecimentos levantaram suspeitas de uma desistência voluntária, recusando-se a enfrentar o judoca israelense. Tendo em vista o precedente de seu compatriota e também judoca, Fethi Nourine, que continua impossibilitado de competir depois de lhe ter sido imposta uma proibição de dez anos por se recusar a competir com o próprio Tohar Bulbul nos últimos Jogos Olímpicos de Tóquio, será necessário ver qual é a decisão do COI em relação a Dris.
Este caso contrasta com o da esgrimista ucraniana Olga Kharlan, que acaba de conquistar a medalha de bronze em Paris depois de ser sancionada no Mundial de 2023 por se recusar a cumprimentar a rival russa. Na ocasião, o próprio presidente do COI, Thomas Bach, enviou-lhe uma carta apoiando-a e garantindo-lhe que receberia um convite pessoal para participar em Paris, independentemente da sanção da Federação Internacional de Esgrima (FIE). Depois dessa carta, a FIE retirou a sanção e ela não teve problemas em participar nestes Jogos Olímpicos. “Isso é para os atletas do meu país que não puderam estar aqui porque a Rússia os assassinou”, declarou Kharlan após ganhar o bronze.
O apoio de Bach a Olga Kharlan rompeu com a neutralidade que o COI tem defendido e que aplicou em Tóquio 2020 com o judoca Fethi Nourine. Esta doutrina, baseada na independência entre o esporte e a política, ajudou o COI a permanecer unido durante a Guerra Fria, no meio de muita tensão política. Nos Jogos de Paris, porém, perdeu o sentido se considerarmos as ações do COI frente à invasão da Ucrânia pela Rússia e ao genocídio de Israel em Gaza.
Em fevereiro de 2022, o COI condenou “fortemente” a violação da trégua olímpica pela Rússia ao invadir a Ucrânia durante os Jogos de Pequim 2022 e em outubro passado confirmou a suspensão dos Comitês Olímpicos Russo e Bielorrusso. Posteriormente, criou um comitê, formado pela vice-presidente do COI, Nicole Hoevertsz, membro da Comissão de Ética, Pau Gasol e representante da Comissão de Atletas, Seung Min Ryu, encarregado de determinar quais atletas russos e bielorrussos reúnem as condições para fazer parte da equipe de Atletas Individuais Neutros e assim poder estar em Paris. Para serem admitidos tiveram que obter a classificação como atletas individuais, não ter pertencido ao exército do seu país e não demonstrar publicamente seu apoio.
No caso de Israel, porém, o COI não tomou qualquer decisão quando seu exército atacou Gaza em resposta aos ataques do Hamas em 7 de outubro. Nem mudou sua posição quando, em janeiro passado, o Tribunal Internacional de Justiça emitiu uma decisão alertando para a existência de um perigo real de genocídio; nem quando, em março, o relatório da ONU concluiu que “há motivos razoáveis para acreditar que o limiar que indica a prática do crime de genocídio por Israel foi atingido”. Questionado sobre isso, o próprio Thomas Bach declarou recentemente: “Não estamos no ramo da política, estamos aqui para cumprir nossa missão de unir os atletas”.
Esta missão de unir atletas também é questionável se considerarmos o número, apresentado pelo Comitê Olímpico Palestino, de 350 atletas palestinos assassinados por Israel. Entre essas vítimas está Hasni al-Masdar, treinador da seleção palestina de futebol olímpico, ou Majed Abu Maraheel, o primeiro porta-bandeira olímpico da história da Palestina, que morreu de desnutrição no campo de refugiados de Al Nuseirat. Da mesma forma, Israel destruiu boa parte das instalações esportivas da Faixa de Gaza e apropriou-se do estádio Yarmouk, um dos mais antigos da Palestina, para o utilizar como centro de detenção.
“A guerra na Ucrânia é uma situação única e não pode ser comparada com nenhuma outra guerra ou conflito no mundo, porque as medidas tomadas e as recomendações feitas pelo COI são consequência da invasão do exército russo durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Pequim 2022”, foram as explicações dadas pelo COI.
A contundência demonstrada pelo mais alto órgão olímpico em relação à Rússia impediu-a de encobrir seu belicismo através das ações dos seus atletas em Paris. Em vez disso, a neutralidade demonstrada diante dos ataques de Israel está facilitando um exercício de lavagem esportiva, ao permitir que 88 dos seus atletas participem nos Jogos Olímpicos. Estes incluem pelo menos 30 que o jornalista egípcio Karim Zidan contou como tendo tornado público seu apoio às forças armadas do seu país e à invasão de Gaza.
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Paris 2024, entre a expulsão da Rússia e a ‘lavagem desportiva’ de Israel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU