13 Junho 2024
"O ponto onde as eleições [do Parlamento Europeu] não acertaram o alvo desejado foi na possibilidade de que um grupo consistente de novos eleitos pudesse dar força à política da União Europeia no sentido da construção de uma nova relação, não mais belicista e 'competitiva', entre todos os sujeitos da comunidade internacional, com vista ao estabelecimento da paz, da salvação da Terra e da promoção da dignidade de todas as criaturas. Mas essa será a tarefa dos próximos dias e dos próximos anos".
O artigo é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 11-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um vento de direita sopra sobre a Europa, e esse é o alarme que vem das urnas, numa Europa que hoje parece o navio dos loucos que está sendo empurrado para a tempestade pelos seus governantes. No entanto, a guerra que esses governantes suicidas lhe haviam preparado, pelo menos por agora o eleitorado conseguiu parar, derrubando os mais perigosos instigadores do desastre na França e na Alemanha. Tinha começado Macron que, não contente em ter levado a França à exasperação com as suas políticas antipopulares, queria levar os exércitos europeus a entrar na guerra fratricida para reanimar a Ucrânia, que já praticamente esgotou o sangue dos seus filhos. Depois tentou Scholz que, exibindo um idílio inédito com Paris, tinha dado permissão à Ucrânia para usar as suas armas para atacar no coração a Rússia, enquanto Zelensky, adulado por todos na assembleia dos Grandes, intentos em se vangloriar de ter vencido a Segunda Guerra Mundial (esquecendo o protagonista soviético), tentou todo gabola reivindicar o crédito por fazer explodir a Terceira, sem ligar para o fim do mundo.
Mas acima de tudo, tentou Biden, vindo à Europa para colher os louros da vitória na Normandia; aqui, num discurso delirante, deu à Europa a tarefa de eliminar o novo Hitler, identificado com o mal absoluto que seria a Rússia de hoje. E em apoio a esse convite a novas sangrentas Normandias, afirmou que não só a Ucrânia, mas toda a Europa está hoje em perigo, porque Putin não irá parar na Ucrânia, enquanto os Estados Unidos não permitirão que isso aconteça. Se não fosse por Biden se expressar por meio de bravatas, sem se preocupar com o que diz, se deveria acreditar numa guerra preventiva iminente, porque a atual doutrina militar estadunidense abandonou a ideia da dissuasão ou da resposta a um ataque, e passou, desde o atentado às Torres Gêmeas, para a estratégia de guerra preventiva, baseada no axioma de que “a melhor defesa é uma boa ofensiva."
No entanto, esses senhores da guerra foram todos derrotados pelo voto europeu: Macron perdeu a presidência, Scholz foi encurralado pelos conservadores e pela ultradireita, Biden perdeu os seus principais vassalos, Zelensky aparece agora como o patético intérprete de si mesmo, na Finlândia e na Suécia, que acabaram de entrar na OTAN, as esquerdas assumiram o controle. Ficou apenas Vander Meyer a reivindicar o patriarcal e feroz velho militarismo europeu.
Não por isso, contudo, o perigo cessou, depende da moderação com que Putin responderá às provocações da OTAN, depois de a Ucrânia ter aproveitado imediatamente a luz verde que lhe foi dada pelos seus fornecedores de armas europeus atacando um aeroporto centenas de quilômetros dentro do território russo.
No entanto, o ponto onde as eleições não acertaram o alvo desejado foi na possibilidade de que um grupo consistente de novos eleitos pudesse dar força à política da União Europeia no sentido da construção de uma nova relação, não mais belicista e "competitiva", entre todos os sujeitos da comunidade internacional, com vista ao estabelecimento da paz, da salvação da Terra e da promoção da dignidade de todas as criaturas. Mas essa será a tarefa dos próximos dias e dos próximos anos.
Na Itália o que falhou foi a superação do limiar de 4 por cento pela chapa “Paz Terra Dignidade”, mas não faltou o seu sucesso pelo volume de apoios e, sobretudo, pela paixão que motivou aqueles que nela se reconheceram. Um resultado à altura da força efetiva no país desta nova formação política foi impedido pela interdição, pelo silêncio e pelo ostracismo de que foi vítima na comunicação de massa. Foi pressionada, além disso, por toda parte.
Por um lado, pagou a representação dada pela televisão estatal do confronto eleitoral como um espetáculo "Kramer vs Kramer" entre Schlein e Meloni, o que levou muitos democratas sinceros a sentirem-se vinculados ao voto pelo PD, também graças ao álibi do candidato pacifista, embora rejeitado, incluído na lista por aquele partido. Por outro lado, foi pressionada pela lista ad personam a favor de Ilaria Salis, que o pai da mulher detida na Hungria escolheu em preferência a outras chapas; e foi bom que não tenha sido "Pace Terra Dignità" quem conduziu essa operação, porque mesmo podendo extrair um consenso mais amplo, teria sido desnaturada na sua figura e nos seus fins, que não eram aqueles de um sucesso eleitoral, mas de ativar um processo político para o fim da guerra na Europa, para o fim do genocídio em Gaza e para a libertação não apenas de uma pessoa, embora representativa, mas de todos os dominados e oprimidos no mundo.
Por fim, a chapa foi penalizada pela escolha de muitas “siglas” do pacifismo tradicional que, em vez de escolherem a eficácia da operação política pela paz, inédita na Itália, para parar a verdadeira guerra e não apenas para invocar o desarmamento, preferiram, para cultivar o seu campo, incentivar a recusa dos partidos, e dar a indicação de voto por nomes deste ou daquele “pacifista” espalhados em diferentes chapas, mesmo que não muito interessadas na paz.
No geral, porém, pode-se dizer que em muitos eleitores, mesmo entre os mais jovens, foi despertado um interesse político apaixonado e a intenção de manter o empenho; a paz precisa disso mais do que nunca, e é de esperar que o fervor que a ela foi dedicado nos últimos meses continue e se desenvolva também em novas formas organizativas. A paz, com todos os bens que traz consigo, estava ausente há anos no debate político e mediático italiano, mas agora essa pedra descartada pelos construtores pode tornar-se a pedra angular.
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O navio dos loucos. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU