16 Janeiro 2024
Em Saint-Germain-des-Prés, o prédio das Ciências Políticas é elegante, austero, silencioso. Marc Lazar é professor emérito aqui e tem uma cátedra de relações franco-italianas para a Europa na Luiss de Roma. Tem um profundo conhecimento da política italiana e da política francesa. Tem uma visão lúcida e desencantada sobre o que a votação de junho poderá significar para a Europa.
A entrevista é de Annalisa Cuzzocrea, publicada por La Stampa, 15-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que está por trás da escolha de Attal por Macron? É a última chance de sobrevivência do macronismo?
O macronismo de 2017 foi enterrado por quem o criou. Em 2017, a ideia de Macron era reunir diferentes argumentos da direita e da esquerda porque pensava que a oposição esquerda-direita estivesse por terminar. Os partidos tradicionais haviam esgotado a sua força motriz. Algo novo era necessário.
Em que consistia a sua mensagem?
Eficiência econômica, proteção social, luta contra as mudanças climáticas, investimento no ensino, meritocracia. E também posições abertas sobre o que na França chamamos ‘societè’: o respeito pelas minorias, o fim da vida.
Os direitos.
Exatamente. Além disso, Macron já há algum tempo começou um deslizamento para a direita. Esse novo governo é claramente um governo de centro-direita, se não mesmo de direita.
Por que fez essa escolha?
Há duas explicações. A primeira diz respeito ao seu oportunismo. Macron sabe que há uma fatia da sociedade muito mais à direita do que no passado e acha que é necessário segui-la. É por isso que os primeiros temas levantados pelo jovem Attal são imigração, ordem, autoridade. O único elemento que resta do macronismo é o espírito europeu.
A outra explicação?
É que como já não tem mais um grande plano, navega por instinto. Quem pensava que ele era um estadista agora sabe que é apenas um político. Refiro-me à distinção de De Gasperi: o político olha para as próximas eleições, o estadista para as próximas gerações.
Uma política de curto prazo?
Em 2017, Macron despertou um entusiasmo bastante generalizado, especialmente na centro-esquerda e numa parte da centro-direita. Conquistou muitos jovens e muitas pessoas especialmente nas grandes cidades, entre os cidadãos mais instruídos, não necessariamente vindos de famílias abastadas. Tinha uma visão.
E hoje?
Hoje ele só tem dois prazos que o preocupam muito. O primeiro são as eleições europeias em junho. Em todas as pesquisas há uma enorme diferença em relação ao Rassemblement national de Bardella. Se fosse assim, com Bardella atingindo 30% e o Renassance parado em 20%, o seu projeto europeu sairia enfraquecido. Além disso, Macron sofre a concorrência do provável candidato dos socialistas Raphaël Glucksmann, que não é jovem como Bardella – tem 44 anos – mas ainda é um adversário.
O primeiro nome dos macronianos deveria ser Séjourné.
Não mais desde que se tornou ministro. Os jornais italianos focaram muito no fato de ele ser o ex-companheiro de Attal, na França é um elemento irrelevante no debate público.
Por que você acha isso?
Porque somos um país mais livre e mais laico.
O segundo prazo?
É o fim do seu mandato. O pesadelo que assombra as noites de Macron é a possibilidade de ter que receber Marine Le Pen no Eliseu. É por isso que tenta limitar o crescimento da extrema-direita colocando-se à direita.
Attal vem dos jovens socialistas.
Mas com o seu governo ele eliminou toda a componente que podia ser ligada à centro-esquerda. Todos aqueles que manifestaram dúvidas sobre a lei de imigração aprovada com os votos da direita, foram expulsos. A única coisa que Attal poderia fazer para tentar demonstrar, mesmo para uma parte da esquerda, que o espírito de 2017 ainda existe é colocar a interrupção voluntária da gravidez na Constituição de chave anti-Le Pen. E também poderia haver um projeto de lei sobre o fim da vida.
Por que a direita está crescendo tanto na França?
Não apenas em França, em toda a Europa. Uma parcela significativa dos franceses, 35%, pensa que pode haver regimes melhores do que a democracia. Não significa autoritarismo, mas busca de autoridade. Entre estes, um em cada dois eleitores do Rassemblement national afirma estar aberto a outras formas de governo. E 56% dos eleitores de Zemmour. Olhando para as classes sociais, um em cada dois trabalhadores pensa da mesma forma. O segundo elemento é a importância da crise social na França, que não está tanto ligada ao desemprego - em declínio - mas às desigualdades: a precarização do mercado de trabalho, que faz sofrer especialmente mulheres, jovens e imigrantes. E, além disso, um elemento cultural muito forte: o fracasso do nosso modelo de integração. A crescente hostilidade de uma parte do país, massiva, em relação à presença de imigrantes. O medo do Islã ligado sobretudo aos atentados. Le Pen instrumentalizou tudo isso.
Como?
Trabalha para aumentar os medos e a busca de autoridade. E tem um argumento também usado por Meloni: "Tentaram a direita de Sarkozy, a esquerda de Hollande, o centro de Macron. Por que não tentar comigo?"
A “dédiabolization”, a normalização do Rassemblement national, pode ser considerada bem-sucedida?
Sim e foi ajudada pela virulência da atitude de Jean-Luc Mélenchon, agora considerado - na percepção comum - mais perigoso que o Rassemblement national. A direita está em ascensão, mas não precisa necessariamente ser uma ascensão irresistível.
O que a segura?
O grande medo das elites políticas, administrativas e econômicas da França obcecadas pela ideia de que Le Pen poderia chegar ao Eliseu.
Quais são os riscos reais do seu sucesso?
O primeiro é com quem governaria, mas resolve-se imediatamente: já há uma grande parcela dos republicanos dispostos a segui-la e colocar-se à disposição. Depois é preciso compreender que tipo de política econômica e social ela faria: é provável que seja inspirada em algo como ‘mais bem-estar para os franceses’, uma espécie de chauvinismo social e uma política mais estatista, embora a sua direita seja contraditória, também tem elementos de forte liberalismo. Finalmente, existe o perigo das tensões sociais. Uma eventual vitória de Le Pen poderia incendiar o país.
Com que consequências?
Na constituição francesa, o presidente da República tem um poder enorme. Como dizia De Gaulle, é um monarca republicano que pode valer-se do Artigo 16. Uma norma que lhe permite proclamar o estado de emergência total. Por fim, seria um terremoto para a Europa.
Giorgia Meloni abriu para uma colaboração.
Ela fez isso falando de um raciocínio diferente de Le Pen sobre a Rússia, embora na realidade não tenha mudado nem um pouco de opinião. É contra as sanções a Putin, contra o envio de armas para Kiev, confirmado novamente numa votação em julho. A abertura tem apenas razões políticas. Muito também depende do que acontecerá em novembro nos Estados Unidos.
Por que é que o modelo de integração dos imigrantes na França fracassou?
O primeiro problema está na escola, que tinha no passado, muito mais do que agora, a capacidade de integrar e promover quem queria aprender. Aquele modelo desmoronou por vários motivos. Já não funciona mais como elevador social e a política de ‘localização’ dos imigrantes não ajudou. Todos os que chegavam do Magrebe, da África negra subsaariana, foram concentrados nos mesmos lugares. Foram criadas formas de gueto em que pessoas pouco qualificadas, sem condições de encontrar emprego, sofreram um desprezo generalizado e uma forte marginalização social. Se um garoto com nome árabe envia um currículo de um subúrbio, seu currículo vai para a lixeira. Foi tentado, foram feitas normas para evitá-lo, mas a discriminação constante permanece.
Jovens que têm nacionalidade francesa, mas é como se não a tivessem?
São franceses, mas não se sentem franceses. Sobre isso, especialmente na comunidade muçulmana, tem havido um enorme trabalho por parte de grupos islâmicos radicalizados. Duas sondagens recentes mostraram que uma grande parte da comunidade muçulmana não se reconhece na República, no seu secularismo, e sente-se fora de tudo. Vou usar um termo forte: existe o risco de uma secessão interna na sociedade francesa, está se criando uma espécie de sociedade paralela. Não se trata de terroristas, mas de pessoas que não se sentem integradas. E a radicalização de uma parte da sociedade francesa é contrastada com a radicalização das políticas de direita.
A esquerda?
Ela não consegue encontrar palavras sobre imigração, fica quase embaraçada com o problema. Assim como não consegue encontrá-las para encarnar uma ideia de Nação que se sobreponha àquela soberana da direita: que mantenha o orgulho, mas o faça através de um modelo aberto e europeu. Há espaço para um discurso desse tipo, mas ninguém ainda foi capaz de fazê-lo.
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“Na França a democracia está cada vez mais em crise: o nosso modelo de integração fracassou”. Entrevista com Marc Lazar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU