22 Dezembro 2023
”Nosso mundo continuará sendo um inferno de sangue e dor, de mentiras e injustiças, de guerras insensatas geradas na escuridão da ganância e na sede de poder, nas quais sempre os inocentes acabam sacrificados. É fácil justificá-las. O difícil é gritar, juntos, crentes ou não, que não importam os adjetivos dados às guerras, pois o que nos faz felizes é a vida e não a morte. Ou o que os jovens cavaleiros das revoluções escreviam nos muros: 'Façam amor, não guerra'”, escreve Juan Arias, jornalista e escritor espanhol, em artigo publicado por El País, 20-12-2023.
O Natal tornou-se a festa da alegria, da amizade e do perdão, indo além dos próprios cristãos. Costumamos, assim, parabenizar aqueles que amamos, desejando-lhes principalmente paz. E este ano?
A cada Natal, o jornal costuma me pedir para escrever algo sobre o que se sabe de fato sobre a figura emblemática do judeu Jesus, que abriu o caminho para o cristianismo. Ele existiu? Onde nasceu? Em Belém ou Nazaré? É verdade que teve irmãos e irmãs? Estava ou não casado com Maria Madalena? É histórico que tenha sido crucificado? Os judeus ou os romanos o condenaram? É verdade que ressuscitou? E se não tivesse existido?
Este ano, ao escrever esta coluna em um novo Natal, que para mim é o 91º da minha vida, ao pensar sobre o que escreveria, não pude esquecer que o celebraremos em plena e desgarradora guerra de Israel, a dois passos de Belém, onde, segundo a tradição, Jesus nasceu. E a dois passos do Egito, onde, também segundo a tradição, os pais de Jesus, Maria e José, tiveram que fugir porque o então rei Herodes queria matar o novo Messias recém-nascido. Para isso, ele ordenou a matança de todas as crianças com até quatro anos.
O que me ocorre escrever este ano é que essa guerra, com todas as suas interrogações, interpretações infinitas, na busca de quem é mais culpado de quem, o certo, sem discussão, é que se trata do oposto do que aquele curioso judeu que revolucionou a história pregou. É difícil entender o cristianismo sem o judaísmo. E vice-versa. E é difícil entender o que aquele judeu que desafiou o poder de sua época, que estava a favor da vida e não da morte, pensaria sobre uma guerra com tanto sangue derramado nos chamados "lugares santos".
Não é possível, nestas datas de um Natal com tantos inocentes mortos de ambos os lados, esquecer os cristãos de que, se estas festas evocam alegria e ternura porque tratam do nascimento e não da morte, não é possível, entre tantas discussões políticas ou pseudopolíticas, esquecer o que foi o manifesto de Jesus, as chamadas Bem-aventuranças, que não deveriam ser esquecidas nem pelos cristãos nem pelos judeus:
“Felizes os que trabalham pela paz, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes serão vocês quando os insultarem, perseguirem e disserem todo tipo de calúnia contra vocês por minha causa. Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a recompensa nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês”.
Difícil? Sim. Diria impossível. E, no entanto, não existiriam guerras, genocídios, holocaustos ou massacres de mulheres e crianças inocentes sem a crença de que a paz é melhor do que a violência e a verdade é melhor do que a mentira.
Nosso mundo continuará sendo um inferno de sangue e dor, de mentiras e injustiças, de guerras insensatas geradas na escuridão da ganância e na sede de poder, nas quais, sempre, os inocentes acabam sendo sacrificados. É fácil justificá-las. O difícil é gritar, juntos, crentes ou não, que não importam os adjetivos dados às guerras, pois o que nos faz felizes é a vida e não a morte. Ou o que os jovens cavaleiros das revoluções escreviam nos muros: “Façam amor, não guerra”.
Hoje, estamos empobrecendo a linguagem falando de guerras justas ou injustas, de guerras políticas ou religiosas. Como dizia um amigo meu, "Deixemos de bobagens: guerra é guerra e basta".
Talvez porque estou convencido, pela minha experiência de muitos anos vividos, de que no fundo do poço escuro de cada um de nós existe uma luz de esperança, que todos preferimos a paz à guerra, a amizade ao ódio, as lágrimas de alegria às de sangue, atrevo-me a dizer ao meu punhado de leitores e amigos: Feliz Natal de paz!
Nada mais? Sim, nada mais. Ou será que isso parece pouco?
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O que diria hoje o judeu Jesus sobre a guerra em Israel? Artigo de Juan Arias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU