07 Dezembro 2023
"Mais uma vez o Papa com a sua bênção, ainda que à distância, pede à COP28 que faça uma escolha, assim como com a exortação e a encíclica: aquela de um desenvolvimento compatível com a natureza."
O artigo é de Grazia Pagnotta, historiadora da Universidade de Roma Tre, publicado por Domani, 05-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após o anúncio da sua presença na COP28, o Papa Francisco cancelou a viagem por motivos de saúde. Em outubro, com a sua exortação apostólica Laudate deum, quis exortar os centros políticos internacionais em vista do encontro, e teve a intenção de incidir contra as posições negacionistas sobre o clima com a dureza das suas afirmações e a envergadura da sua autoridade. Essa atenção é o sinal da sua radicalidade sobre a ecologia. Mas há também outra coisa que nos leva a definir como radical a posição escolhida e expressa com a exortação e anteriormente com a encíclica Laudato si': a sua colocação dentro do percurso do pensamento católico e a adesão à cultura ecológica na sua totalidade.
O Cristianismo começou a olhar para a ecologia na década de 1970, quando novos paradigmas culturais ecológicos estavam se afirmando. A discussão começou após o discurso de 1966 do medievalista Lynn White, As raízes históricas da nossa crise ecológica, segundo o qual o advento da religião judaica e depois cristã varreu o respeito pela natureza com a afirmação de um Deus criador que atribuiu ao homem uma posição acima dela. O nó central do debate teológico foi representado pelo antropocentrismo e pelas opiniões sobre as responsabilidades bíblico-cristãs do desastre ecológico; a abordagem mais incisiva foi certamente a daqueles que, diante da ecologia, entendiam que o patrimônio teológico já não era mais suficiente e precisava do apoio de outros fundamentos teoréticos, e que novos problemas deviam ser respondidos com novas respostas.
Na década de 1980 chegaram também os ensinamentos dos episcopados: o documento de Igreja Evangélica e Igreja Católica alemãs intitulado “Responsabilidade pela Criação” em 1985, a carta pastoral “Relações homem-natureza” da Conferência Episcopal da República Dominicana em 1987, e sobretudo o documento da Conferência Episcopal da Lombardia em 1988, preparado pela conferência "Questão ecológica e consciência cristã", do Instituto de Estudos Religiosos de Vila Cagnola.
Bergoglio está claramente alinhado com o percurso de renovação dessa parte da Igreja, mas, e aqui está a sua radicalidade, faz tábula rasa das elucubrações sobre as interpretações, das indecisões, da busca por mediações, e abraça totalmente a cultura ecológica, não simplesmente a necessidade para encontrar soluções para os problemas ambientais. Na encíclica ele cita explicitamente movimento e cultura, reconhecendo-os, portanto, e na exortação reforça a sua legitimação com a consideração também das organizações ainda mais novas e mais intransigentes: “Chamam muitas vezes a atenção, durante as Conferência sobre o clima, as ações de grupos chamados ‘radicalizados’. Na realidade, ocupam um vazio na sociedade como um todo, que deveria exercer uma pressão saudável, porque cabe a cada família pensar que está em jogo o futuro dos seus filhos." Em ambos os textos de Bergoglio estão presentes temas que são o fundamento do ecologismo e as suas palavras-chave. Vamos ver alguns deles. Existe o que antes os ecologistas chamavam de nexo economia-ecologia, com que se lançavam críticas a ponto de fazer com que fossem rejeitados alguns pressupostos fundadores da economia, e que amadureceu ao longo do tempo na crítica ao conceito de progresso e à noção de crescimento, para chegar à ideia de outro modelo de desenvolvimento.
Na encíclica Bergoglio afirma que “...chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável noutras partes", e na exortação reitera que “... passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia". O que mais se destaca na exortação é o discurso sobre o “crescente paradigma tecnocrático”. E está claro que nisso se assume a grande lição do debate dos anos 1970 sobre a não-neutralidade da ciência, um debate que deve ser muito caro para nós, italianos, porque se desenvolveu em parte substancial na Itália (lembramos Giulio Maccacaro e a revista Sapere, a conferência “Ciência e poder” de 1973, Giovanni Berlinguer e Marcello Cini cuja opinião hoje seria interessante, lembrando que liderou a revolta contra uma lectio magistralis na universidade La Sapienza do Papa Ratzinger, que desistiu).
Para falar sobre isso, Bergoglio volta a usar a palavra “limite”, de uma forma em que se percebe o ecoar do conceito de “consciência do limite” elaborado pelo movimento antinuclear: “mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si.". Mais uma vez o Papa com a sua bênção, ainda que à distância, pede à COP28 que faça uma escolha, assim como com a exortação e a encíclica: aquela de um desenvolvimento compatível com a natureza. Quem não o faz coloca-se de um outro lado em relação àquele em que se coloca Bergoglio.
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Aos grandes da COP28, o papa ecologista pede uma escolha radical - Instituto Humanitas Unisinos - IHU