05 Outubro 2023
O artigo é de Juan Masiá, teólogo jesuíta, publicado por Religión Digital, 03-10-2023.
O catolicismo conservador não digere a evolução. Os teólogos antissinodais não entendem que mentalidade sinodal e evolutiva são inseparáveis. Mas no fundo das "dúvidas" há um problema de pensamento e espiritualidade: a falta de um pensamento evolutivo e a falta de uma espiritualidade de ser levado pelo Espírito.
Como disse o então ainda jovem teólogo "quase progressista" Ratzinger em seus bons tempos no Concílio, a única coisa que não muda é o Espírito que nos faz mudar. É o Espírito que, como diz o Papa Francisco, inspira a mudança, a pluralidade e a conversão na Igreja.
O Concílio Vaticano II reconheceu que "a humanidade passa de uma concepção bastante estática da realidade para uma concepção mais dinâmica e evolutiva" (leia lentamente a íntegra n. 5 da Gaudium et Spes). Mas os cardeais escrupulosos que apresentam a Roma suas dúvidas ("dubia!") sobre a imutabilidade das doutrinas têm um sério problema de constipação intelectual e miopia crente. Parecem pressupor uma mentalidade substancialista que não digere a evolução. A evolução é mais do que mera mudança e envolve criatividade e saltos qualitativos de novidade.
A imprensa católica favorável ao Papa Francisco saudou respeitosamente as respostas informais do papa às dubia. Mas se os cardeais das "vozes ultra" pecam por excesso, Francisco fica aquém. Ele lhes responde com sua delicadeza característica, humildade e caridade, usando uma linguagem minimalista do mesmo paradigma não evolutivo que eles podem entender e não terão escolha a não ser admitir.
Por exemplo, quando lhe dizem que a Revelação é imutável e que novas interpretações não são válidas, ele lhes diz que interpretar melhor é descobrir mais de sua riqueza e expressá-la melhor. É a mesma coisa que João XXIII teve que fazer para que a virada de 180 graus do Vaticano II fosse aceita por conservadores e progressistas: "Uma coisa, disse ele, é a substância do depósito da fé e outra a maneira como ela é expressa".
Era o mínimo que os mais ultraconservadores lhe perdoariam. Mas era, afinal, substancial. Felizmente, o Concílio foi mais longe e optou pela evolução (ver Dei Verbum 8 e Dignitatis humanae, 1).
As respostas que a teologia revisionista de mentalidade evolucionista dará terão de ser mais radicais.
Por exemplo, quando os "ultras" perguntam sobre a pecaminosidade "intrínseca e objetiva" de certos comportamentos sexuais de acordo com manuais de confessores ou catecismos, não basta dizer-lhes que "a caridade pastoral exige que não tratemos como 'pecadores' outras pessoas cuja culpa ou responsabilidade pode ser atenuada por vários fatores que influenciam a imputabilidade subjetiva". É preciso ir além e questionar essas distinções escolares de objetivo-subjetivo, substância e acidentes, etc. Devemos reconhecer a evolução das doutrinas que exige a revisão dos catecismos e manuais dos confessores de acordo com a criatividade que o Espírito nos impõe durante o caminho sinodal de conversão e discernimento.
Outro exemplo, quando os "ultras" perguntam sobre a intocabilidade do conceito canônico de matrimônio ou o vínculo indissolúvel, não basta dizer-lhes que "o direito canônico não deve e não pode abranger tudo", e "a vida da Igreja percorre muitos canais além dos normativos". Devemos ir além e reconhecer a necessidade urgente de rever as normas no nível canônico de acordo com a evolução doutrinária que se exige no auge dos tempos.
Dirão que isto corre o risco de relativismo e historicismo e talvez alguém suspeite que sou influenciado por algum sínodo regional do Norte da Europa. Bem, não, precisamente durante muito tempo que fiz estas propostas durante o papado de João Paulo II, inspiro-me num pensamento filosófico científico evolucionário de autores do nosso país tão qualificados como Xavier Zubiri, na sua metafísica, Laín Entralgo na sua Antropologia e Diego Gracia na sua Bioética, bem como na teologia moral que partilharam nos anos 80 e 90 em Comillas Javier Gafo, Marciano Vidal, Torres Queiruga e um longo etc.
Em suma, seja na filosofia, na teologia ou na pastoral e espiritualidade, a virada decisiva é da mentalidade substancialista, estática e isolacionista para a mentalidade estrutural, dinâmica e relacional.
Orando para que nos deixemos conduzir pelo Espírito durante o caminho sinodal, presumo que não podemos alimentar grandes expectativas. Mesmo os mais progressistas, na hora da verdade têm medo da evolução das doutrinas, não ousam combater a constipação por medo da diarreia. Mas não tenha medo. A diarreia, como o suor e outras expulsões do que entope o trânsito vital, são benéficas para a saúde corporal e psíquica...
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Juan Masiá, antes das ‘dubia’: o catolicismo conservador não digere evolução - Instituto Humanitas Unisinos - IHU